Essa é a pergunta que tem animado o debate internacional nos últimos anos. Paradoxalmente, não existem visões definitivas sobre o assunto: progressistas pró-China, conservadores anti-China.
O mundo real é muito mais complexo 🧵👇
1) Escrevo esse fio motivado pelas últimas notícias. Viktor Orbán, ultradireitista idolatrado pelo bolsonarismo, está se aproximando da 🇨🇳 para enfraquecer os alemães na UE. Sob o comando de outro "conservador", Matteo Salvini, a Itália se juntou à Nova Rota da Seda chinesa 👇
2) Isso deu um "bug" na cabeça dos bolsonaristas. Conservadores, afinal, não deveriam odiar a China e tudo o que ela representa?
Bom, tudo depende de como olhamos pra China. Para muitos, é conveniente caracterizá-la como uma "sociedade comunista" - a URSS que deu certo 👇
3) A 🇨🇳 seria uma espécie de laboratório anticapitalista, coletivista, ateu, com indivíduos totalmente controlados, religiões perseguidas e tudo dominado pelo Estado.
Isso, em si, já é uma meia verdade. O autoritarismo chinês é real, mas precede (e muito!) o comunismo no país 👇
4) Hierarquia, coletivismo e papeis sociais rígidos fazem parte da história da China e da filosofia confucionista (pesquisem o conceito de "tudo sob o céu")
Mas o país hipertecnológico que existe hoje também é fruto de uma abertura pragmática para o capitalismo e a inovação 👇
5) Ou seja, a China de hoje, mantidos alguns princípios sociais básicos (e diferentes do que temos no Ocidente), não tem nada a ver com a sociedade maoísta do auge da revolução cultural.
Por isso, reduzir a 🇨🇳 a um antro da ideologia comunista é bobagem, ainda que conveniente 👇
6) Mas esse nem é o ponto da conversa. Voltando.
Por que populistas de extrema direita, como Salvini e Orbán, gostam da China?
Acho que a resposta passa por 2 questões diferentes, ainda que interligadas: a visão de organização social da China e a visão de mundo dos chineses👇
7) Autoproclamados conservadores (que são, em sua maioria, reacionários) adoram autoridade. Querem uma sociedade rigidamente organizada em hierarquias.
Ao falarem em Deus, pátria e família, estão no fundo exaltando as três maiores fontes de autoridade de qualquer sociedade 👇
8) A China, portanto, serve de modelo para que autoritários de extrema direita criem sociedades aos moldes do que se vê do outro lado do mundo - ainda que com grandes diferentes filosóficas e ideológicas.
Quando Orbán fala em "democracia iliberal", é isso que ele tem em mente 👇
9) Democracia meramente formal mediada por poderosas autoridades: um governo forte, que controle a política; uma religião forte, que controle os hábitos coletivos; uma família forte, que controle a educação e os hábitos individuais.
Nenhuma reflexão/conduta crítica é bem-vinda👇
10) Tudo tem que ser em benefício do regime.
Em que pesem todas as diferenças, a China é o país mais bem-sucedido na construção de uma ordem social baseada na hierarquia e na autoridade.
Às vezes se esquecem de que isso é um projeto de 5 mil anos, não de um líder voluntarista👇
11) Além disso (e talvez esse seja o ponto menos explorado no debate) a 🇨🇳 tem uma visão da ORDEM INTERNACIONAL que converge c/os populistas autoritários da extrema direita.
Que ordem é essa? Um 🌎 de nações soberanas, fortes, organizadas a partir de critérios etno-religiosos👇
12) A extrema-direita se diz antiglobalista justamente porque ela entende que forças econômicas, políticas e culturais transnacionais (geralmente ligadas a valores progressistas, ou "marxistas culturais") estão destruindo seus pilares civilizatórios: Deus, família, nação 👇
13) A única solução para essa alegada homogeneização cultural "globalista" é reforçar o que nos distingue, os elementos tradicionais do que se convencionou chamar de "civilização judaico-cristã-ocidental".
E sabe quem conseguiu manter a influência globalista longe de casa? 🇨🇳👇
14) Então, surpreendentemente, alguns populistas de extrema direita alinham-se com a China no combate a um tipo de globalização - que é econômica, mas também política (democracia, multiculturalismo) e cultural (valores progressistas) - que ameaça sua própria visão de mundo 👇
15) A essa altura, você pode se perguntar: mas pq meu ídolo maior DONALD TRUMP era contra a China? Ele e Bolsonaro estavam errados o tempo todo, enquanto protoditadores menores, como Orbán e Salvini, estavam certos?
Bem, pra encerrar... Trump não bateu na China por ideologia 👇
16) Trump, por mais maluco que seja, foi pragmático em várias coisas. Essa é uma das belezas de ser presidente americano: o cargo molda o sujeito. A briga dele com a China foi por mercados e por comércio. Foi a mesma briga do Obama e é a mesma do Biden. Só mudam os argumentos 👇
17) Se Trump jogava para sua audiência cristã evangélica e conservadora ao dizer que a China representava uma ameaça ao cristianismo e às liberdades individuais, Biden e outros democratas acusam a 🇨🇳 de violar direitos humanos e desrespeitar minorias. Mas a disputa é por poder 👇
18) No fim das contas, é importante perceber que qualquer opção estratégica pode ser explicada pelo pragmatismo, por mais esquisita que pareça.
Em nome da pureza ideológica, ameaçar a economia do país ao criar briguinhas de rede social tem outro nome: burrice. E das grandes.
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Vou dizer o que digo em aula: o Brasil é reflexo do fracasso das forças políticas em extinguir o pacto colonial/paternalista/patrimonialista/escravagista sobre o qual nossa sociedade foi construída.
O único homem que poderia romper com esse pacto, Getúlio, optou pela acomodação.
Hoje existem 2 grandes pactos vigentes no Brasil: um agrário-colonial (representado politicamente pelo peemedebismo e pelo centrão) e um industrial-trabalhista (cujos dois lados da moeda são representados, respectivamente, pelo liberal-tucanismo e pelo lulopetismo). A balança...
... vem pendendo para o agrário desde o colapso do modelo nacional-desenvolvimentista.
O bolsonarismo é a aliança de forças políticas que foram alijadas desses pactos - de evangélicos a neoliberais, de militares à classe média urbana e rural - com o establishment coronelista.
As manifestações de ontem revelaram uma nova categoria de isentões: aqueles que nunca reclamaram das aglomerações bolsonaristas (estimuladas, a todo o tempo, pelo presidente), mas correram para apontar a hipocrisia de quem ontem marchou contra tudo o que representa esse governo👇🏼
"Nunca foi pela vida, mas pela ideologia". Isso é tão surreal que fiquei pensando se precisaria explicar. Mas acho que precisa: tanto a esquerda quanto um crescente número de pessoas de centro e centro-direita ficaram imóveis durante 15 meses. Manifestação nem era uma hipótese 👇🏼
Enquanto Bolsonaro e seus apoiadores de estimação aglomeravam, promoviam atos a favor, sabotavam a vacina e ameaçavam a democracia, a turma do "fica em casa" estava em casa - passando aperto financeiro, assustada com a doença, velando gente querida e batendo panelas quando dava👇🏼
Sim, é verdade que as negociações com a Pfizer não foram adiante na Argentina. Mas não dá para comparar com o que aconteceu no Brasil: quando o governo argentino negou o contrato com a Pfizer, o país já tinha autorizado e estava aplicando a Sputnik V 👇🏼
O novo chanceler fez um bom discurso de posse, pontuou temas urgentes ao 🇧🇷 e ao 🌎, foi pragmático e, acima de tudo, não se rendeu ao léxico conspiratório do antecessor, o ex-Ernesto.
Mas sigo cético. As coisas não ficarão piores, mas dificilmente melhorarão, sabe por quê? 🧵👇
1) A política externa já não é monopólio do Itamaraty há muito tempo. Até os anos 70, todas as relações do Brasil com o mundo passavam pelos diplomatas, até mesmo temas econômicos.
Na queda de braço com os tecnocratas da Fazenda, o MRE frequentemente ganhava. A diplomacia... 👇
2) ...era grande fiadora do projeto nacional-desenvolvimentista, com seus vícios e virtudes.
Nos anos 80, a globalização e a redemocratização vieram mudar esse cenário.
A pressão pela abertura e modernização econômica forçaram governos como @Collor e @FHC a dinamizar... 👇
Povo, não se engane: a razão pela qual a simbologia da extrema direita é frequentemente chamada de "dog whistle" (apito de cachorro) é justamente porque ela foi feita para passar despercebida pela maioria das pessoas.
Por isso, ela se pauta pela apropriação de símbolos comuns 👇
1) ...e lhes confere conotações específicas.
Copinho de leite, 👌, 🐸, bandeirinhas, frases específicas em latim, poemas, datas/imagens históricas não necessariamente significam algo grave mas, DENTRO DE UM CONTEXTO, assumem outros sentidos.
Isso serve a 2 propósitos básicos 👇
2) O 1o é criar uma identidade de grupo. Digamos que tenha uma função do aperto de mão da sociedade secreta, ou de certas simbologias religiosas.
Quaisquer dessas referências feitas pela extrema direita cria, imediatamente, uma mobilização do grupo, às vezes um chamado à ação 👇
Relutei em dar opinião sobre a mudança do cenário político a partir a anulação dos processos contra @LulaOficial. Uns cravaram que Lula está com a mão na taça, outros disseram que Bolsonaro está reeleito. Mas como as pesquisas recentes sugerem, o cenário é bem + complexo 🧵👇
1) Teremos que observar 3 variáveis fundamentais:
- Como Bolsonaro se comportará diante de Lula;
- Como Lula construirá sua candidatura;
- Em que medida uma terceira via poderá aparecer.
Considero, para fins dessa análise, que não teremos reviravoltas políticas ou econômicas 👇
2) A posição de Bolsonaro é + difícil do que parece. Concordo que ele só sabe fazer política pela confrontação; esse é um dos traços da extrema-direita.
Mas há uma diferença: ao contrário da metralhadora giratória dos últimos 2 anos, em que todo opositor era inimigo da nação 👇