O Talibã encontra-se em uma situação difícil: por um lado precisa do reconhecimento da comunidade internacional como governo legítimo do Afeganistão para ter acesso às reservas monetárias do Banco Central afegão, mantidas em contas nos EUA (quase 10 bilhões de dólares). 🧵👇
Por isso, tem adotado uma retórica mais moderada. Um dos porta-vozes do grupo aceitou ser entrevistado por uma mulher na TV, algo inimaginável quando o grupo governou o país nos anos 90.
Uma política minimamente moderada também é crucial para evitar a já existente fuga de cérebros, sobretudo nos centros urbanos. A emigração de médicos, por exemplo, é uma preocupação do Talibã, pois dificultará o fornecimento de bens públicos básicos, como acesso à saúde.
Porém, o tom mais moderado das suas lideranças aumenta também o risco de deserção entre os soldados do Talibã, atraídos pela retórica muito mais radical do Estado Islâmico (ISIS), que rejeita qualquer moderação ou negociação com os EUA.
É por isso que o Talibã, durante as negociações com o governo Trump, nunca aceitou uma aliança formal com os EUA, pois o fato seria utilizado pelo Estado Islâmico para acusar o Talibã de ser fantoche americano.
Os atentados de ontem aumentarão a disposição da comunidade internacional em ajudar o Talibã a controlar o país e é bem possível que o grupo receberá ajuda militar dos EUA. Ainda assim, o Talibã dificilmente adotará uma postura interna moderada. Quer evitar o crescimento de ISIS.
O Talibã tem também outra razão para combater o Estado Islâmico: se o ISIS vir a cometer ataques terroristas nos EUA, Biden sofrerá uma pressão enorme em voltar a atuar militarmente no Afeganistão, algo que o Talibã quer evitar.
O dilema do Talibã é parecido com aquele de 2001, quando a Al-Qaeda, utilizando o Afeganistão como base, preparou os ataques do 11 de setembro em New York. O Talibã não queria confrontar os EUA, mas também tinha medo de confrontar a Al-Qaeda.
Na época, a liderança do Talibã decidiu que confrontar a Al-Qaeda seria mais perigoso do que permitir os ataques do 11 de setembro. Não contou com a resposta furiosa dos EUA, que derrubaram o governo do Talibã e ocuparam o Afeganistão por vinte anos.
Por que o Afeganistão está preso em um ciclo de interferência de atores externos(Império Britânico, Rússia,Al-Qaeda&EUA)? O fato é q nenhum governo em Cabul consegue controlar o país. 73%da população é rural. Assim,é inevitável q forças externas preencham o vácuo de poder no país
“Se o Talibã começar a matar os xiitas, isso levará a uma guerra civil e o Irã não terá outra escolha a não ser se envolver no conflito afegão”, diz professor de Relações Internacionais em Teerã.
ft.com/content/dedd8b…

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6 Sep
Há 29 anos, o então presidente peruano Alberto Fujimori ― eleito dois anos antes como outsider que prometia lutar contra o establishment político ― surpreendeu os peruanos com uma transmissão em cadeia nacional às 22h30 da noite.🧵👇
Analisou a situação do país e reclamou da “velha política”, da atitude obstrucionista do legislativo controlado pela oposição e do judiciário ― grupos que, ele alertava, se uniam para impedir a transformação do país e o êxito de sua gestão.
Reclamou do “parlamentarismo anti-nacional” contaminado pelos “vícios do caciquismo e clientelismo”. Os juízes politizados e corruptos, segundo ele, desestabilizaram o país e impossibilitaram a construção de uma “democracia real.”
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Guerras envolvendo grandes potências muitas vezes marcam o fim ou o início de uma época geopolítica. Não necessariamente pelo conflito em si, mas por seu poder de revelar novas realidades que não estavam facilmente visíveis. O q a retirada americana do Afeganistão revelou? 👇🧵
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26 Aug
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15 Aug
Para contextualizar a vitória do Talibã hoje, recomendo a leitura de 2 livros. 🧵👇Primeiro, o livraço de William Dalrymple sobre a primeira invasão britânica do Afeganistão, de 1839 a 1842 — a chamada 1ª Guerra Afegã. Segue o link para minha resenha: oliverstuenkel.com/2016/06/20/ret…
Como tantas grandes potências depois dela, a Grã Bretanha subestimou a capacidade dos afegãos de resistir e lutar contra o invasor. Controlar e estabilizar o Afeganistão simplesmente provou ser caro demais.
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