Há 29 anos, o então presidente peruano Alberto Fujimori ― eleito dois anos antes como outsider que prometia lutar contra o establishment político ― surpreendeu os peruanos com uma transmissão em cadeia nacional às 22h30 da noite.🧵👇
Analisou a situação do país e reclamou da “velha política”, da atitude obstrucionista do legislativo controlado pela oposição e do judiciário ― grupos que, ele alertava, se uniam para impedir a transformação do país e o êxito de sua gestão.
Reclamou do “parlamentarismo anti-nacional” contaminado pelos “vícios do caciquismo e clientelismo”. Os juízes politizados e corruptos, segundo ele, desestabilizaram o país e impossibilitaram a construção de uma “democracia real.”
Fez uma pausa para tomar um gole d'água e anunciou calmamente que era necessário assumir uma “atitude excepcional” para promover a reconstrução nacional, que envolvia a suspensão do Congresso e da Constituição, a “reorganização total” do judiciário e do Ministério Público.
Tanques cercaram o parlamento, e numerosos jornalistas e deputados foram presos ou sequestrados, entre eles os presidentes da Câmara e do Senado.
Em momento dramático, o apresentador da Rádio Antena, emissora peruana, relatou ao vivo a entrada de policiais no estúdio e, antes de o sinal ser cortado, ainda chegou a pedir à população que se manifestasse contra o golpe de Estado. Em vão.
Tinha início, naquele momento, a ditadura, marcada por violações sistemáticas de direitos humanos, censura aos jornais, um judiciário controlado pelo presidente, corrupção sistemática, isolamento internacional e um líder que tentou se perpetuar no poder.
O caso do Peru mostra que a resistência popular contra golpes é menor quando existe uma ameaça, real ou imaginária, assustadora para a população a ponto de ela estar disposta a abrir mão dos seus direitos políticos para livrar-se dela.
O presidente peruano soube magistralmente alimentar o medo do caos para poder justificar o golpe como medida estabilizadora.
A incitação da insegurança coletiva pela indução do medo é, portanto, tarefa básica de qq autoritário, para poder se projetar, no final das contas, como salvador da pátria q protege a população das mtas ameaças, e justificar medidas excepcionais para supostamente defender o país.
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Guerras envolvendo grandes potências muitas vezes marcam o fim ou o início de uma época geopolítica. Não necessariamente pelo conflito em si, mas por seu poder de revelar novas realidades que não estavam facilmente visíveis. O q a retirada americana do Afeganistão revelou? 👇🧵
Muita gente acha que a decisão de Biden de retirar as tropas do Afeganistão dps de 20 anos é sinal do declínio geopolítico dos EUA. Mas não é tão simples assim. Numerosas empreitadas geopolíticas americanas fracassaram desde o fim da II Guerra Mundial.
Apenas para dar 2 exemplos: em 1975, os EUA se retiraram do Vietnã, sofrendo derrota terrível que abalou a confiança do país. Quatro anos mais tarde, na Revolução Iraniana, Washington perderia um dos seus principais aliados no Oriente Médio -- mais uma grande derrota geopolítica.
O Talibã encontra-se em uma situação difícil: por um lado precisa do reconhecimento da comunidade internacional como governo legítimo do Afeganistão para ter acesso às reservas monetárias do Banco Central afegão, mantidas em contas nos EUA (quase 10 bilhões de dólares). 🧵👇
Por isso, tem adotado uma retórica mais moderada. Um dos porta-vozes do grupo aceitou ser entrevistado por uma mulher na TV, algo inimaginável quando o grupo governou o país nos anos 90.
Uma política minimamente moderada também é crucial para evitar a já existente fuga de cérebros, sobretudo nos centros urbanos. A emigração de médicos, por exemplo, é uma preocupação do Talibã, pois dificultará o fornecimento de bens públicos básicos, como acesso à saúde.
Os ataques terroristas em Cabul hoje também mostram que um Talibã incapaz de controlar o território afegão, dando espaço para o Estado Islâmico, pode representar um perigo maior para a comunidade internacional do que um Talibã plenamente em controle do país.
De fato, nos últimos anos, os EUA têm sistematicamente combatido o Estado Islâmico em várias províncias afegãs -- sempre com a anuência tácita do Talibã, que geralmente acabou ocupando as zonas uma vez que os EUA tirou o Estado Islâmico.
Porém, o Talibã dificilmente aceitará uma aliança oficial com Washington, por medo de perder quadros para o Estado Islâmico -- agrupamento ainda mais radical do que o Talibã.
Para contextualizar a vitória do Talibã hoje, recomendo a leitura de 2 livros. 🧵👇Primeiro, o livraço de William Dalrymple sobre a primeira invasão britânica do Afeganistão, de 1839 a 1842 — a chamada 1ª Guerra Afegã. Segue o link para minha resenha: oliverstuenkel.com/2016/06/20/ret…
Como tantas grandes potências depois dela, a Grã Bretanha subestimou a capacidade dos afegãos de resistir e lutar contra o invasor. Controlar e estabilizar o Afeganistão simplesmente provou ser caro demais.
Depois que locais assassinaram os enviados diplomáticos britânicos William Macnathen e Alexander Burnes em 1841, as tropas de ocupação optaram pela retirada, durante a qual sofreram uma de suas piores derrotas militares na história do Império Britânico.
Em conversas em off, diplomatas estrangeiros em Brasília não demonstraram nenhuma surpresa diante da decisão do comandante do Exército, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, de não punir Pazuello por sua participação no ato bolsonarista do dia 23 de maio. 🧵👇
A martelada do comandante do Exército cede à pressão do presidente, reforçando a percepção cada vez+ dominante de q as ForçasArmadas ñ teriam nem capacidade nem interesse em conter as ambições autoritárias de Bolsonaro ou de oferecer resistência a uma possível ruptura democrática
Segundo um artigo do Brazilian Report —publicação lida por mtos observadores internacionais que lidam com o Brasil—, “Bolsonaro convenceu os militares a ignorarem seus próprios princípios: hierarquia e disciplina”.