Até recentemente, a China ―o maior parceiro comercial do Brasil há mais de uma década ―vinha conseguindo evitar a politização de sua crescente presença no país. 🧵👇
Apostando em um perfil discreto, os diplomatas chineses ficavam longe dos assuntos internos e eram hábeis em se manter fora do radar do debate público brasileiro ―uma estratégia facilitada pela constante superexposição dos Estados Unidos na discussão local.
A situação mudou em 2018, quando um político brasileiro com projeção nacional farejou a oportunidade de pintar a ascensão chinesa como uma ameaça a fim de mobilizar seus seguidores.
Em março de 2018, o então presidenciável Jair Bolsonaro visitou Taiwan e tuitou q suas recentes viagens internacionais deixaram “cada vez mais claro o norte que queremos para o nosso Brasil, algo bem diferente do que foram os governos anteriores, simpáticos a regimes comunistas”
Bolsonaro acusou a China de querer “comprar o Brasil” e escolheu Ernesto Araújo como chanceler, que alertou para os perigos da “China maoísta” e de seus planos de dominação mundial.
A ideia de atiçar o sentimento antichinês está longe de ser inovadora: é um velho truque, usado antes mesmo do país se tornar comunista.
Em 1882, por exemplo, o China Exclusion Act proibiu a imigração de cidadãos chineses para os EUA em meio a uma onda de sinofobia na Califórnia, que envolveu frequentes ataques contra os recém-chegados.
Apesar de surtir pouco efeito, a medida foi popular entre americanos que temiam a concorrência de imigrantes chineses. Mais de cem anos depois, a sinofobia foi central para a vitória de Donald Trump em 2016.
Na África, populistas em busca de um bicho-papão usam esse mesmo roteiro há anos. Em 2006, o candidato populista à presidência da Zâmbia Michael Sata atacou a China de maneira tão feroz que o então embaixador chinês ameaçou cortar laços diplomáticos caso ele vencesse.
Em seus discursos, Sata prometia se aproximar de Taiwan e chamava os investidores chineses de “infestadores”. Ele foi derrotado em 2006, mas acabou chegando ao poder em 2011.
Como ocorre há muitos anos com o antiamericanismo, a sinofobia será uma ferramenta de mobilização atraente demais para que populistas a deixem de lado. Essa projeção de ameaças reais ou imaginárias complicará as decisões estratégicas que os governos brasileiros terão de tomar
Políticos e empresários brasileiros e chineses terão de levar essa nova realidade em consideração. O aumento da influência econômica chinesa na América Latina e as tensões cada vez mais agudas entre Washington e Pequim devem agravar esse quadro nos próximos anos.
Muito mais do q uma aberração, a sinofobia (o sentimento anti-China) no Brasil é o novo normal. A franja lunática da base bolsonarista dificilmente deixará se controlar. Mesmo se Bolsonaro optasse por parar de demonizar a China, já não haveria volta.
brasil.elpais.com/opiniao/2020-1…

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6 Sep
Há 29 anos, o então presidente peruano Alberto Fujimori ― eleito dois anos antes como outsider que prometia lutar contra o establishment político ― surpreendeu os peruanos com uma transmissão em cadeia nacional às 22h30 da noite.🧵👇
Analisou a situação do país e reclamou da “velha política”, da atitude obstrucionista do legislativo controlado pela oposição e do judiciário ― grupos que, ele alertava, se uniam para impedir a transformação do país e o êxito de sua gestão.
Reclamou do “parlamentarismo anti-nacional” contaminado pelos “vícios do caciquismo e clientelismo”. Os juízes politizados e corruptos, segundo ele, desestabilizaram o país e impossibilitaram a construção de uma “democracia real.”
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29 Aug
Guerras envolvendo grandes potências muitas vezes marcam o fim ou o início de uma época geopolítica. Não necessariamente pelo conflito em si, mas por seu poder de revelar novas realidades que não estavam facilmente visíveis. O q a retirada americana do Afeganistão revelou? 👇🧵
Muita gente acha que a decisão de Biden de retirar as tropas do Afeganistão dps de 20 anos é sinal do declínio geopolítico dos EUA. Mas não é tão simples assim. Numerosas empreitadas geopolíticas americanas fracassaram desde o fim da II Guerra Mundial.
Apenas para dar 2 exemplos: em 1975, os EUA se retiraram do Vietnã, sofrendo derrota terrível que abalou a confiança do país. Quatro anos mais tarde, na Revolução Iraniana, Washington perderia um dos seus principais aliados no Oriente Médio -- mais uma grande derrota geopolítica.
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27 Aug
O Talibã encontra-se em uma situação difícil: por um lado precisa do reconhecimento da comunidade internacional como governo legítimo do Afeganistão para ter acesso às reservas monetárias do Banco Central afegão, mantidas em contas nos EUA (quase 10 bilhões de dólares). 🧵👇
Por isso, tem adotado uma retórica mais moderada. Um dos porta-vozes do grupo aceitou ser entrevistado por uma mulher na TV, algo inimaginável quando o grupo governou o país nos anos 90.
Uma política minimamente moderada também é crucial para evitar a já existente fuga de cérebros, sobretudo nos centros urbanos. A emigração de médicos, por exemplo, é uma preocupação do Talibã, pois dificultará o fornecimento de bens públicos básicos, como acesso à saúde.
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26 Aug
Os ataques terroristas em Cabul hoje também mostram que um Talibã incapaz de controlar o território afegão, dando espaço para o Estado Islâmico, pode representar um perigo maior para a comunidade internacional do que um Talibã plenamente em controle do país.
De fato, nos últimos anos, os EUA têm sistematicamente combatido o Estado Islâmico em várias províncias afegãs -- sempre com a anuência tácita do Talibã, que geralmente acabou ocupando as zonas uma vez que os EUA tirou o Estado Islâmico.
Porém, o Talibã dificilmente aceitará uma aliança oficial com Washington, por medo de perder quadros para o Estado Islâmico -- agrupamento ainda mais radical do que o Talibã.
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15 Aug
Para contextualizar a vitória do Talibã hoje, recomendo a leitura de 2 livros. 🧵👇Primeiro, o livraço de William Dalrymple sobre a primeira invasão britânica do Afeganistão, de 1839 a 1842 — a chamada 1ª Guerra Afegã. Segue o link para minha resenha: oliverstuenkel.com/2016/06/20/ret…
Como tantas grandes potências depois dela, a Grã Bretanha subestimou a capacidade dos afegãos de resistir e lutar contra o invasor. Controlar e estabilizar o Afeganistão simplesmente provou ser caro demais.
Depois que locais assassinaram os enviados diplomáticos britânicos William Macnathen e Alexander Burnes em 1841, as tropas de ocupação optaram pela retirada, durante a qual sofreram uma de suas piores derrotas militares na história do Império Britânico.
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15 Aug
Capa da revista TIME, dezembro de 2001: "Os últimos dias do Talebã"
Capa da revista TIME, 2008: "Obama e McCain [candidatos à presidência] sobre como derrotar o Talebã
Capa da revista TIME, 2010: "O que vai acontecer se [a OTAN] sair do Afeganistão"
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