Depois de ler e reler os discursos de Bolsonaro na 🇺🇳 deste ano e do ano passado, notei algumas semelhanças surpreendentes.
Deu a impressão de que ele simplesmente repetiu trechos longos, geralmente associados a narrativas ou mentiras escancaradas.
Dava pra fazer um bingo:
2020:
(...) quero lamentar cada morte ocorrida.
Desde o princípio, alertei, em meu País, que tínhamos dois problemas para resolver: o vírus e o desemprego, e que ambos deveriam ser tratados simultaneamente e com a mesma responsabilidade.
2021:
Lamentamos todas as mortes ocorridas no Brasil e no mundo.
Sempre defendi combater o vírus e o desemprego de forma simultânea e com a mesma responsabilidade. As medidas de isolamento e lockdown deixaram um legado de inflação (...) nos gêneros alimentícios no mundo todo.
2020:
Por decisão judicial, todas as medidas de isolamento e restrições de liberdade foram delegadas a cada um dos 27 governadores das unidades da Federação (...)
Concedeu auxílio emergencial em parcelas que somam aproximadamente 1000 dólares para 65 milhões de pessoas
2021:
No Brasil, para atender aqueles mais humildes, obrigados a ficar em casa por decisão de governadores e prefeitos e que perderam sua renda, concedemos um auxílio emergencial de US$ 800 para 68 milhões de pessoas em 2020.
2020:
O homem do campo trabalhou como nunca, produziu, como sempre, alimentos para mais de 1 bilhão de pessoas.
Nosso agronegócio continua pujante e, acima de tudo, possuindo e respeitando a melhor legislação ambiental do planeta.
2021:
Nossa moderna e sustentável agricultura de baixo carbono alimenta mais de 1 bilhão de pessoas no mundo e utiliza apenas 8% do território nacional.
Nenhum país do mundo possui uma legislação ambiental tão completa.
2020:
Garantimos a segurança alimentar a um sexto da população mundial, mesmo preservando 66% de nossa vegetação nativa e usando apenas 27% do nosso território para a pecuária e agricultura (...)
Lembro que a Região Amazônica é maior que toda a Europa Ocidental.
2021:
(...) 66% são vegetação nativa, a mesma desde o seu descobrimento, em 1500.
Somente no bioma amazônico, 84% da floresta está intacta, abrigando a maior biodiversidade do planeta. Lembro que a região amazônica equivale à área de toda a Europa Ocidental.
2020:
Nessa linha, o Brasil se esforçou na COP25 em Madri para regulamentar os artigos do Acordo de Paris que permitiriam o estabelecimento efetivo do mercado de carbono internacional. Infelizmente, fomos vencidos pelo protecionismo.
2021:
Por ocasião da COP-26, buscaremos consenso sobre as regras do mercado de crédito de carbono global. Esperamos que os países industrializados cumpram efetivamente seus compromissos com o financiamento de clima em volumes relevantes.
2020:
A Operação Acolhida (...) recebeu quase 400 mil venezuelanos deslocados devido à grave crise político-econômica gerada pela ditadura bolivariana.
O Brasil já participou de mais de 50 operações de paz (...) em Suez, Angola, Timor Leste, Haiti, Líbano e Congo.
2021:
O Brasil sempre participou em Missões de Paz da ONU. De Suez ao Congo, do Haiti ao Líbano.
Em nossa fronteira com a Venezuela, a Operação Acolhida (...) já recebeu 400 mil venezuelanos deslocados devido à grave crise político-econômica gerada pela ditadura bolivariana.
2020:
Novos marcos regulatórios em setores-chave, como o saneamento e o gás natural, também estão sendo implementados. Eles atrairão novos investimentos, estimularão a economia e gerarão renda e emprego. O 🇧🇷 foi, em 2019, o 4o maior destino de investimentos diretos em todo o 🌎
2021:
O Brasil possui o maior programa de parceria de investimentos com a iniciativa privada de sua história. Programa que já é uma realidade e está em franca execução.
Até aqui, foram contratados US$ 100 bilhões de novos investimentos e arrecadados US$ 23 bilhões em outorgas.
2020:
A LIBERDADE É O BEM MAIOR DA HUMANIDADE.
Faço um apelo a toda a comunidade internacional pela liberdade religiosa e pelo combate à cristofobia.
(...) O Brasil é um país cristão e conservador e tem na família sua base.
2021:
Temos a família tradicional como fundamento da civilização. E a liberdade do ser humano só se completa com a liberdade de culto e expressão.
E, ainda assim, apesar das semelhanças, teve muita gente que ficou magoada. @ernestofaraujo, em entrevista ao insuspeito Terça Livre, disse que o discurso deste ano foi "frio, tecnocrático e sem paixão".
Talvez tenha faltado uma ou outra citação a Olavo.
BOLSONARO NA ONU:
um rápido bolão do que deve ser dito
2019 foi o ano do antiglobalismo, 2020 foi do conservadorismo religioso. 2021 será da LIBERDADE
1) Liberdades individuais: inimigos internos (STF) e externos (big techs) cerceando o direito à expressão (dos conservadores)
2) Pandemia: Brasil como exemplo de vacinação e de auxílio econômico para informais e autônomos, mas reforçando que vacinar é um direito individual (!!) e que restrições (ex. passaporte de vacina) são ruins
3) Indígenas: conluio entre alguns índios e agentes estrangeiros (cont)
...para controle dos recursos naturais da Amazônia e contra os interesses do agro. Defesa do marco temporal (liberdade de propriedade privada)
4) Economia: foco na recuperação, programas sociais e reformas liberalizantes, destacando indicadores positivos, ainda que distorcidos
Tenho conversado com muita gente sobre o que nos aguarda dia 7. É difícil fazer uma análise fria: descartar uma tentativa de ruptura é ignorar o que Bolsonaro e seus apoiadores vêm dizendo abertamente; falar em golpe, por outro lado, soa alarmista 👇
Não tenho respostas prontas nem bola de cristal, então quero pensar alto com vocês. Para organizar o pensamento, vamos falar de algumas premissas.
1. Bolsonaro sabe que será difícil vencer as eleições. Por mais que diga que as pesquisas são enviesadas, seu círculo mais próximo👇
...sabe que derrotar Lula exigirá uma conjunção de fatores econômicos e políticos quase impossíveis a essa altura.
A carta da fraude eleitoral será usada sistematicamente até ano que vem, mas a derrota do voto impresso esvaziou esse discurso. O bolsonarismo já mudou de assunto👇
A intensa cobertura da tragédia afegã repercutiu no debate público por aqui. Mas não foram somente análises acadêmicas sobre a situação do país. Apareceram diversas comparações entre 🇧🇷 e 🇦🇫, algumas procedentes, outras terrivelmente oportunistas 🧵👇
1) Vamos começar pelo oportunismo. Ao longo da semana, até pra desviar o foco da CPI e das ameaças golpistas, começaram a circular na bolsosfera comparações entre o PT e o Talibã. A única comparação possível que eles encontraram é um tema caro ao bolsonarismo: desarmamento 👇
2) Relacionar desarmamento e ditadura é desonesto, pois ignora que políticas públicas de redução ao acesso a armas (como foi o caso do PT) são baseadas em dados sobre criminalidade e violência. @goescarlos escreveu um dos melhores textos sobre o assunto:
Essa é a pergunta que tem animado o debate internacional nos últimos anos. Paradoxalmente, não existem visões definitivas sobre o assunto: progressistas pró-China, conservadores anti-China.
O mundo real é muito mais complexo 🧵👇
1) Escrevo esse fio motivado pelas últimas notícias. Viktor Orbán, ultradireitista idolatrado pelo bolsonarismo, está se aproximando da 🇨🇳 para enfraquecer os alemães na UE. Sob o comando de outro "conservador", Matteo Salvini, a Itália se juntou à Nova Rota da Seda chinesa 👇
2) Isso deu um "bug" na cabeça dos bolsonaristas. Conservadores, afinal, não deveriam odiar a China e tudo o que ela representa?
Bom, tudo depende de como olhamos pra China. Para muitos, é conveniente caracterizá-la como uma "sociedade comunista" - a URSS que deu certo 👇
Vou dizer o que digo em aula: o Brasil é reflexo do fracasso das forças políticas em extinguir o pacto colonial/paternalista/patrimonialista/escravagista sobre o qual nossa sociedade foi construída.
O único homem que poderia romper com esse pacto, Getúlio, optou pela acomodação.
Hoje existem 2 grandes pactos vigentes no Brasil: um agrário-colonial (representado politicamente pelo peemedebismo e pelo centrão) e um industrial-trabalhista (cujos dois lados da moeda são representados, respectivamente, pelo liberal-tucanismo e pelo lulopetismo). A balança...
... vem pendendo para o agrário desde o colapso do modelo nacional-desenvolvimentista.
O bolsonarismo é a aliança de forças políticas que foram alijadas desses pactos - de evangélicos a neoliberais, de militares à classe média urbana e rural - com o establishment coronelista.
As manifestações de ontem revelaram uma nova categoria de isentões: aqueles que nunca reclamaram das aglomerações bolsonaristas (estimuladas, a todo o tempo, pelo presidente), mas correram para apontar a hipocrisia de quem ontem marchou contra tudo o que representa esse governo👇🏼
"Nunca foi pela vida, mas pela ideologia". Isso é tão surreal que fiquei pensando se precisaria explicar. Mas acho que precisa: tanto a esquerda quanto um crescente número de pessoas de centro e centro-direita ficaram imóveis durante 15 meses. Manifestação nem era uma hipótese 👇🏼
Enquanto Bolsonaro e seus apoiadores de estimação aglomeravam, promoviam atos a favor, sabotavam a vacina e ameaçavam a democracia, a turma do "fica em casa" estava em casa - passando aperto financeiro, assustada com a doença, velando gente querida e batendo panelas quando dava👇🏼