Vocês estão sabendo que saiu um relatório com "protocolos clínicos" que recomenda eletrochoque para pessoas com TEA?
O próprio documento sinaliza, objetivamente, que "não há recomendação para o uso dessas alternativas (ECT e EMT) em nenhuma das diretrizes clínicas internacionais consultadas".
Ou seja, uma equipe, supostamente técnica, recomenda em um protocolo uma estratégia que não é indicada em nenhum lugar do mundo!
"A eletroconvulsoterapia (ECT) tem sido apontada como uma opção no tratamento da agressividade - especialmente a autodirecionada - tanto em pacientes com neurodesenvolvimento adequado quanto em pacientes com TEA.
+
Essas evidências, todavia, são baseadas em pequenas séries de casos e muitas vezes direcionadas apenas ao comportamento autoagressivo."
Como que podem considerar prudente recomendar uma técnica extremamente invasiva, sem nenhuma recomendação clínica robusta pra isso, baseado em uma série de casos isolados?
Essa medida, é ainda contrária ao que preconiza a reforma psiquiátrica brasileira, que prevê estratégias terapêuticas minimamente invasivas — e estratégias invasivas em casos excepcionais, devendo ao máximo serem evitados.
Perceba que a indicação é para "comportamentos agressivos", ou seja, mais uma vez, a gente vê o eletrochoque cumprindo seu papel histórico de controle e docilização dos corpos.
Eu tô realmente bem puto com isso porque a gente vive denunciando essa tentativa de "flexibilização" e aceitação do uso do eletrochoque. Denunciamos o papel histórico e político dessa técnica e sempre somos taxados de "anti-cientificos".
Me respondam, o que é mais anti-cientifico que recomendar uma técnica dessa, usada historicamente como instrumento de tortura, sem base nenhuma de evidências? A única função do choque vai ser a contenção e o controle, e aí a gente vê toda a história se repetindo mais uma vez.
Quanto tempo vai levar pra recomendação de Eletrochoque pra usuários de drogas? Pra contenção de "comportamentos agressivos" no geral? Não dá pra analisar uma técnica dessas a partir de um olhar puramente tecnicista. É necessário sempre historicizá-lo, politizá-lo.
Aos "eletrochoquers" de plantão, favor me poupar da defesa desse histórico instrumento de controle e tortura, por favor.

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More from @smentalcritica

16 Dec
No ritmo que as coisas estão andando, eu tenho a mais plena certeza que, caso a esquerda não abrace a pauta antimanicomial, independente de quem vença as próximas eleições, a avalanche de ataques a saúde mental vai continuar.
Não é fatalismo, é uma constatação. A luta antimanicomial, embora historicamente vinculada ao campo da esquerda, tem sido completamente ignorada nos últimos anos.
Por exemplo, embora a lei da reforma psiquiátrica brasileira tenha sido proposta pelo Paulo Delgado, do PT, foi também nos governos petistas que os primeiros desmontes ocorreram.
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13 Dec
Alguns comentários breves e nada sistematizados sobre a classificação do Burnout como "doença" ocupacional:
Em primeiro lugar caberia uma discussão prévia sobre medicalização, o que não vai ser possível de fazer aqui pela complexidade do tema. Mas, em resumo, a medicalização é um processo de apreensão de determinados fenômenos pelo que se convencionou chamar de "ciências da saúde".
Medicalização não é o mesmo que medicamentalização e nem medicação. A gente pode chamar de medicamentalização uma certa tendência em atribuir o uso de medicamentos a resposta única e prioritária para lidar com o sofrimento humano. Em geral, a medicamentalização implica não só +
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13 Dec
O problema da galera assistir os Mindhunter e Dexter da vida é que você tá discutindo ação política de indivíduos fascistas e o pessoal "não mas os psicopatas/sociopatas são frio e calculista"...

Dá uma maneirada no Netflix aí fi, não vem querer pintar liberal de Hanibal não...
É por isso que a categoria de filme que eu mais odeio é esses ~~filmes psicológicos~~

Se for de serial killer então...
"não mas tem analisar a personalidade e..."

Tá bom pique blainder faz silêncio agora na moral.
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10 Dec
Os termos "saúde mental" e "burnout" foram alguns dos temas mais pesquisados no Google no ano de 2021. É provável que nunca tenha se falado tanto sobre saúde mental. O problema é que o tema, ainda que fundamental, tem se popularizado de forma despolitizada.
Pra mim, um bom termômetro pra saber se um tema está em alta são os memes. Hoje em dia, em qualquer página de memes, os temas frequentes são "ansiedade", "exaustão", "terapia", etc. Isso mostra que o assunto é urgente e que faz parte do cotidiano das pessoas.
Então temos a seguinte situação: por um lado, há um aspecto positivo, que é a popularização do debate sobre saúde mental. Por outro lado, é um debate totalmente despolitizado, reduzido ainda a "faça terapia", "tome remédio", "busque um diagnóstico".
Read 15 tweets
5 Dec
Na moral, eu me emociono muito por ter conhecido a psicologia histórico-cultural kkkkkk.

Antes de conhecê-la, eu praticamente me sentia deslocado na psicologia, tanto é que, por esse motivo, me dedicava muito mais a estudar saúde mental e reforma psiquiátrica que "abordagens".
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Depois disso me interessei pela abordagem centrada na pessoa. Essa demorei um pouco mais. Li boa parte das obras do Rogers em português e achava que tinha encontrado meu lugar na psicologia. Mas, ainda assim, não me identificava muito com meus pares.
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24 Nov
Um dos maiores desafios atuais no debate sobre saúde mental gira em torno de desnaturalizar a gramática do sofrimento psíquico imposta pela psiquiatria hegemônica.

Sem fatalismo nenhum, precisamos reconhecer que, sobretudo ideologicamente, essa psiquiatria venceu.
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Isso faz com que, por exemplo, todo o debate sobre saúde mental esteja circunscrito a gramática psiquiátrica. Usamos os seus termos, sua métrica, sua racionalidade, seus parâmetros. Qualquer coisa que ouse romper ou criticar essa lógica é entendido como algo absurdo, inconcebível
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