No ritmo que as coisas estão andando, eu tenho a mais plena certeza que, caso a esquerda não abrace a pauta antimanicomial, independente de quem vença as próximas eleições, a avalanche de ataques a saúde mental vai continuar.
Não é fatalismo, é uma constatação. A luta antimanicomial, embora historicamente vinculada ao campo da esquerda, tem sido completamente ignorada nos últimos anos.
Por exemplo, embora a lei da reforma psiquiátrica brasileira tenha sido proposta pelo Paulo Delgado, do PT, foi também nos governos petistas que os primeiros desmontes ocorreram.
Já no governo Lula a gente teve o trágico programa "Crack é Possível Vencer". Foi a partir dele que se popularizou o termo (adotado pelo Osmar Terra!) "Epidemia de Crack".
Nos governos Dilma, tivemos não só a inclusão das comunidades terapêuticas no âmbito da Rede de Atenção Psicossocial, como a nomeação do Valencius Wurch como coordenador da política de saúde mental, álcool e outras drogas.
Valencius Wurch foi simplesmente o diretor da Casa de Saúde Dr. Eiras, que foi o maior manicômio da América Latina!
Isso tudo pra dizer que os desmontes na saúde mental, embora aprofundados nas gestões Temer e Bolsonaro, se iniciaram ainda nas gestões petistas. E, sinceramente, não há nenhum sinal de que irá diminuir em um eventual governo de centro-esquerda.
A verdade é que as alas mais conservadoras da saúde mental conseguiram normalizar de tal forma a lógica manicomial, que qualquer coisa que se distancie disso é visto como "radical demais".
Hoje, é plenamente possível ver gente que se reivindica de esquerda, defender hospital psiquiátrico, por exemplo. Há um tempo atrás isso era absolutamente impensável, e era consenso que os HP's deveriam ser abolidos.
Isso tudo pra dizer que os empresários da loucura não vão abrir mão facilmente do status e poder que já conquistaram no âmbito do Estado. Tentarão a todo custo continuar a implementação de suas agendas de mercantilização da saúde mental e não me parece que a esquerda +
Esteja atenta o suficiente a isso.
É por isso que precisamos pressionar a esquerda a se responsabilizar pela frágil reforma psiquiátrica que fizemos. Se a saúde mental não for politizada, se for entendida como algo puramente técnico, a tendência é que o campo hegemonico continua a pôr em prática sua agenda.
Agenda essa extremamente conservadora e anti-povo, mas que será (seria) levado a cabo em um governo de centro-esquerda.
Além disso, acho que a luta antimanicomial não pode mais apenas se contentar em "resistir". Sinceramente, to cansado de apanhar... A gente tem começar a fazer exigências pela construção de uma saúde mental pública, de qualidade e integral.
A começar pela exclusão da Comunidades Terapêuticas da RAPS, continuidade dos programas de redução de leitos em hospitais psiquiátricos e fechamento dos mesmos, investimento adequado para a RAPS, ênfase na redução de danos, fiscalização intensa em HP's e CT's. Etc.
Não dá mais pra esquerda ignorar a luta antimanicomial enquanto a classe trabalhadora é diariamente massacrada em serviços de funcionamento manicomial. Por uma esquerda antimanicomial já!

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15 Dec
Vocês estão sabendo que saiu um relatório com "protocolos clínicos" que recomenda eletrochoque para pessoas com TEA?
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13 Dec
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13 Dec
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Dá uma maneirada no Netflix aí fi, não vem querer pintar liberal de Hanibal não...
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Tá bom pique blainder faz silêncio agora na moral.
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10 Dec
Os termos "saúde mental" e "burnout" foram alguns dos temas mais pesquisados no Google no ano de 2021. É provável que nunca tenha se falado tanto sobre saúde mental. O problema é que o tema, ainda que fundamental, tem se popularizado de forma despolitizada.
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5 Dec
Na moral, eu me emociono muito por ter conhecido a psicologia histórico-cultural kkkkkk.

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24 Nov
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