“Floyd, branco”, por Demétrio Magnoli. Aqui vão algumas das falácias do texto publicado no Globo. 🧵🧶
1. Falácia causal entre bairros negros e criminalidade e violência. Aqui, Demétrio sugere que a polícia mate mais porque há mais crimes. Dois erros: não há correlação necessária entre crimes e violência policial + sufocar alguém não se justifica por criminalidade.
P.ex. Estudo do MP do RJ mostra que não há ligação entre cidades com mais crimes e menos violência policial, bem como há estudos que apontam que a polícia mata mais em certos locais por outros fatores (não é zona de milícia). mprj.mp.br/documents/2018…
2. Falácia do apelo à autoridade: aqui, Demétrio cita sem explicar um professor de Harvard para dar verniz de autoridade ao argumento. Não engana com a vasta literatura que contradiz a sua afirmação de que “inexiste predisposição racial nas mortes a tiros.”
P.ex. Há uma vasta literatura que afirma o super-policiamento em territórios majoritariamente negros e hispânicos nos EUA (fora a brutalidade). Demétrio ignora esta evidência, bem como ignora que crime, em si, é uma categoria socialmente construída e é racialmente seletiva.
P.ex. Um dos professores nos EUA que mais estuda esta questão é o Prof Jeffrey Fagan de Columbia. Neste relatório sobre NYPD ele prova que “negros e latinos são mais parados pela polícia até em áreas majoritariamente brancas e em áreas com pouco crime”. ccrjustice.org/files/Expert_R…
3. Falácia do falso dilema entre raça e classe. Aqui, Demétrio sugere que a literatura esquece classe. Isso simplesmente é falso. Há vários escritos sobre como crimes, capitalismo e racismo estão inter-conectados. Floyd, p.ex., foi morto por suposto crime financeiro (nota falsa).
P.ex. Faria bem ao Demétrio se atualizar no debate global sobre capitalismo racial e capitalismo carcerário (vide Jackie Wang) e sobre os achados da sociologia brasileira que, desde Florestan, Sueli e Hasenbalg, mostram como raça e classe estão inter-conectados.
4. Falácia do espantalho: via construção argumentativa tortuosa, Demétrio pinta um espantalho: de um lado, os identitários que só veem raça, e de outro ele que vê que é sobre raça e sobre policiar regiões com alta criminalidade. Pintar o debate assim é reducionista e falso.
P.ex.: Demétrio erra ao afirmar que brancos nos EUA “são as vítimas mais numerosas de disparos de policiais.” Ou ele leva a sério a maior probabilidade de negros serem mortos pela polícia (+2x mais) ou ele irá mascarar nos números absolutos uma maior probabilidade que inexiste.
5. Falácia da falsa oposição entre identitários e classistas. Demétrio, como sempre, faz uma oposição simplista entre “política identitária” (falar em racismo) na esquerda e foco no “povo” na direita. Esquece como direita articula identitarismo brancos supremacista.
P.ex.: há uma vasta literatura sobre como a direita conseguiu reunir símbolos que apelam para um nacionalismo policial supremacista branco. Quem são os identitários aqui? Até uma bandeira supremacista os policiais brancos fizeram para se contrapor ao BLM. theguardian.com/us-news/2020/a…
P.Ex. Wendy Brown é uma das principais autores que tem destrinchado essa conexão entre supremacismo, neoliberalismo e crise da democracia. Pintar uns de identitários e outros de “do povo” é simplista e enviesado.
Dito tudo isso, não posso deixar de ficar espantado como um texto tão ruim, no argumento, e ofensivo, no formato, pode ser normalizado. Há um certo ranço supremacista em utilizar o caso brutal de uma pessoa sufocada por 10min para afirmar que não estamos falando de racismo. Fim.
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.@ECantanhede: Moro “nunca colocou preto e pobre na cadeia”. Há 3 erros crassos: 1) Moro era juiz federal, logo crimes contra União; 2) Moro fez o excludente de ilicitude (pra matar preto e pobre); 3) Moro quis por presos doentes de covid-19 em contêineres
Podemos estar mais ou menos empolgados com um candidato, mas o papel do/a comentarista é levar os fatos reais em consideração. Moro já defendeu abertamente que o encarceramento no país não é excessivo. É a 3a maior população carcerária no mundo. conjur.com.br/2020-fev-15/na…
Seria interessante se tivéssemos um debate sério sobre encarceramento na televisão. Acha que são homicidas contumazes que lotam cadeias? Errado, são presos sem julgamento, preto definido como traficante mesmo sendo usuário ou nem isso, e a moça que furtou miojo.
Além de querer manter presos velhinhos com covid em contêineres, propor excludente de ilicitude para que polícia matasse impunemente, propor a redução da pena para milícias e encher o MJ de agentes da PF, o que Moro fez mesmo enquanto ministro, inclusive p/ combater a corrupção?
Há erros jurídicos no editorial do @JornalOGlobo sobre genocídio e pandemia. Seria importante o Jornal, em prol da seriedade e imparcialidade, dar espaço a outras vozes jurídicas sobre o tema. Aponto aqui alguns dos erros👇🏾: blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/e…
1) "intenção", em direito penal, é "conhecimento", não é abrir cabeça de Bolsonaro para saber o que ele quis. E nem precisaríamos. Há atos de Estado, como vetar água a indígenas e distribuir cloroquina a indígenas além de estimular a violência do garimpo. brasil.elpais.com/brasil/2020-07…
2) o Artigo 25 do Estatuto de Roma detalha responsabilidade penal individual, em gradação; inclui "ordenar, solicitar ou instigar" e "colaborar". Logo, acusar alguém de genocídio não é o mesmo que dizer que ele o praticou diretamente. Ignorar os níveis de resp. é leviano.
BOLSONARO NA ONU: 1) Bolsonaro começa com delírios comunistas, como se algum dia o país tivesse sido comunista. Referência que não faz sentido algum no atual cenário internacional. #BolsonaroNaOnu2021
2) Bolsonaro enfatiza incentivos à iniciativa privada, numa parte do discurso voltada ao mercado. Problema? Investimento estrangeiro no Brasil atinge pior patamar dos últimos 12 anos (dados de agosto de 2021) #BolsonaroNaOnu2021cnnbrasil.com.br/business/inves…
3) "Os senhores estão convidados a visitar a Amazônia." NENHUM ator internacional acredita no Bolsonaro em seu governo ser um líder internacional. Bolsonaro é alvo de denúncia preliminar no TPI por genocídio indígena #BolsonaroNaOnu2021
No artigo na Folha de hoje, Demétrio Magnoli defende o marco temporal como “interpretação óbvia” (não é) e “determinação constitucional” (não está na CF/88). Está tecnicamente errado. 1) anais da Constituinte relevam o que “originário” significa; 2) marco foi inventado p/ 1 caso.
Antes de escrever sandices, Magnoli deveria ler sobre técnicas de interpretação constitucional, p.ex. literal (está na CF?); teleológica (interpretação leva a fim constitucional?); expansiva (progressivamente implementa direitos?); originalista (o que a Constituinte dizia?).
Magnoli em seu texto faz crer que a tese do marco temporal está evidente na CF (não está), e no STF (não está, foi inventado para 1 caso não erga omnes). Seria legal se ele tivesse pesquisado que “originário” significa terras ancestrais (ver anais da Constituinte).
Na coluna da folha desta semana eu citei a peça "Esperando Godot" do Samuel Beckett, e tem um trecho que eu amo muito e que nos faz pensar sobre esse limbo entre democracia e autoritarismo em que estamos metidos e do qual sairemos. Tem um quê de esperança neste trecho.
VLADIMIR: "Não percamos tempo com palavras vazias. (Pausa. Com veemência). Façamos alguma coisa, enquanto há chance! Não é todo dia que precisam de nós. Ainda que, a bem da verdade, não seja exatamente de nós. Outros dariam conta do recado, tão bem quanto, senão melhor...
... O apelo que ouvimos se dirige antes a toda a humanidade. Mas neste lugar, neste momento, a humanidade somos nós, queiramos ou não. Aproveitemos enquanto é tempo. Representar dignamente, única vez que seja, a espécie a que estamos desgraçadamente atados pelo destino cruel...