Será que não seria o caso do movimento antimanicomial parar de se referir às "Comunidades Terapêuticas" como "Comunidades Terapêuticas"?
Explico:
1) O termo Comunidade Terapêutica surge de uma experiência de desinstitucionalização e reforma psiquiátrica inglesa, desenvolvida por Maxwell Jones. No entanto, essa experiência nada tem a ver com o que conhecemos por "Comunidade Terapêutica" no Brasil.
A ideia do idealizador da Comunidade Terapêutica era desenvolver uma modalidade de cuidado pautada na democratização das relações, horizontalidade institucional, na aprendizagem social e desospitalização.
Em tese, seria um equipamento comunitário, onde todos são corresponsáveis pelo cuidado de todos. A partir da experiência comunitária, o objetivo era a reabilitação psicossocial dos usuários.
Ou seja, nada mais distante do que acontece atualmente nas chamadas comunidades terapêuticas.
2) Além disso, as comunidades terapêuticas não são serviços comunitários, muito menos terapêuticos.
Não são serviços comunitários porque, em geral, são localizadas em regiões afastadas da cidade e sem nenhum vínculo com a realidade de vida dos usuários. São propositalmente distantes para evitar o contato com o mundo externo e para dificultar fugas (que são constantes).
A ideia é simplesmente afastar a pessoa do seu território e do convívio com familiares e laços sociais. Não há nenhum trabalho de reabilitação psicossocial da pessoa para quando ela sair da internação.
Não por acaso, o seu índice de ""recaídas"" (termo ruim, mas isso é outro debate) é tão alto, porque não há nenhum trabalho no sentido de retorno a sua vida social.
Também não é nada terapêutica. Há uma vasta literatura que indica que menos de 5% das pessoas que passam por Comunidades Terapêuticas se mantém em abstinência após a internação (enfatizo a abstinência porque é o discurso central das CT's).
Obviamente que abstinência não é sinônimo de sucesso no cuidado a usuários de álcool e outras drogas, mas nem isso, que é o que as CT's se propõem a fazer elas conseguem.
Em resumo, as "comunidades terapêuticas" no Brasil são uma contradição em termos, pois nem atuam sob a lógica comunitária nem mesmo é terapêutica.
Seguindo a mesma linha, tampouco faz sentido chamar essas instituições de "casas de recuperação" (pois elas não recuperam ninguém de nada, ao contrário, capturam através da conversão religiosa) +
E faz menos sentido ainda chamar esses serviços de "Clínicas de Reabilitação", já que elas não trabalham sob a perspectiva da reabilitação psicossocial.
No fim das contas, acho que o único termo que se aproxima do que esses locais fazem, além de centros de tortura, é "centros de conversão religiosa", já que toda a metodologia da instituição gira em torno da "cura pela fé".
Pode parecer preciosismo, mas o termo Comunidade Terapêutica tanto é injusto com a experiência histórica das comunidades terapêuticas inglesas, quanto passa a impressão de que são serviços "terapêuticos". E não são.
Acho que precisamos, de alguma forma, pensar em uma nomenclatura alternativa para esses manicômios modernos. Acho que manter o termo ajuda a dar um verniz "terapêutico" que esses locais simplesmente não tem.
Notando só agora que eu escrevi "a ideia do idealizador" kkkkkk
Ignorem, gente. Escrevi às pressas kkkk
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Descobriram que Bolsonaro não tem empatia. Daí, a conclusão lógica que tiraram é que ele é "psicopata", não que isso faz parte do seu projeto de governo. Ignoram, porém, que ele não toca esse projeto sozinho e tem apoio de ministros, militares, burguesia. Todos são psicopatas?
É fácil demais dizer que o problema é única e exclusivamente uma questão psicológica do Bolsonaro. Só que isso não responde nada, não ajuda em nada e só despolitiza a questão.
Ele continua tendo o apoio da classe dominante, independente do seu projeto genocida. Ele continua tendo o apoio e o aval das forças armadas. Ele continua tendo amplo apoio político. O fundamentalismo religioso continua do lado dele.
Esses dias uma pessoa comentou em um post meu "criticar é fácil. Quero saber o que você faria" (contexto: era um post crítico às CT's). O comentário foi tão ridículo que na hora só respondi que eu não era ministro da saúde nem coordenava nenhuma pasta na saúde kkkkk
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Depois fiquei pensando: taí, seria um bom exercício pensar em uma política de saúde mental sob uma perspectiva revolucionária. Guardei essa ideia, mas acho que em 2022 bem que poderia haver uma organização pra construir uma proposta de programa antimanicomial coletivo.
Uma espécie de carta de compromisso para as candidaturas de esquerda, algo assim. Documento esse, claro, orientado pelos princípios do SUS e da reforma psiquiátrica brasileira. Seria interessante, né?
No ritmo que as coisas estão andando, eu tenho a mais plena certeza que, caso a esquerda não abrace a pauta antimanicomial, independente de quem vença as próximas eleições, a avalanche de ataques a saúde mental vai continuar.
Não é fatalismo, é uma constatação. A luta antimanicomial, embora historicamente vinculada ao campo da esquerda, tem sido completamente ignorada nos últimos anos.
Por exemplo, embora a lei da reforma psiquiátrica brasileira tenha sido proposta pelo Paulo Delgado, do PT, foi também nos governos petistas que os primeiros desmontes ocorreram.
Vocês estão sabendo que saiu um relatório com "protocolos clínicos" que recomenda eletrochoque para pessoas com TEA?
O próprio documento sinaliza, objetivamente, que "não há recomendação para o uso dessas alternativas (ECT e EMT) em nenhuma das diretrizes clínicas internacionais consultadas".
Ou seja, uma equipe, supostamente técnica, recomenda em um protocolo uma estratégia que não é indicada em nenhum lugar do mundo!
Alguns comentários breves e nada sistematizados sobre a classificação do Burnout como "doença" ocupacional:
Em primeiro lugar caberia uma discussão prévia sobre medicalização, o que não vai ser possível de fazer aqui pela complexidade do tema. Mas, em resumo, a medicalização é um processo de apreensão de determinados fenômenos pelo que se convencionou chamar de "ciências da saúde".
Medicalização não é o mesmo que medicamentalização e nem medicação. A gente pode chamar de medicamentalização uma certa tendência em atribuir o uso de medicamentos a resposta única e prioritária para lidar com o sofrimento humano. Em geral, a medicamentalização implica não só +
O problema da galera assistir os Mindhunter e Dexter da vida é que você tá discutindo ação política de indivíduos fascistas e o pessoal "não mas os psicopatas/sociopatas são frio e calculista"...
Dá uma maneirada no Netflix aí fi, não vem querer pintar liberal de Hanibal não...
É por isso que a categoria de filme que eu mais odeio é esses ~~filmes psicológicos~~
Se for de serial killer então...
"não mas tem analisar a personalidade e..."
Tá bom pique blainder faz silêncio agora na moral.