Cazaquistão e o Bitcoin: sim, em parte a megamineração de criptomoedas ajudou a sobrecarregar o sistema energético do país, o que vem junto de uma má reforma do setor e aumento das tarifas. Isso já era um problema ano passado, vejamos: thediplomat.com/2021/09/kazakh… (1/12)
Evidentemente, o Cazaquistão não minera criptomoedas apenas para si. Mas atende várias demandas, sobretudo da Rússia, que usa criptomoedas para driblar sanções americanas - as quais já estão beirando a exclusão russa do sistema financeiro mundial nytimes.com/2018/01/03/tec… (2/12).
O Cazaquistão não é um país miserável. Ele tem um PIB capta que é quase o dobro do nosso. O IDH, sem considerar a desigualdade social é quase top 50, mas considerando ela, o país sobe e é top 40 no mundo. Não é pouca coisa, é melhor do que os melhores da América Latina (3/12).
Grande parte do sucesso econômico do país pós-URSS se deu, paradoxalmente, porque o país não rompeu com a Rússia totalmente. Apesar do choque inicial, as reformas funcionaram no país, ainda que com menos participação do setor público do que na Bielorrússia (4/12).
Se não negar o passado soviético, e a necessidade de integração no espaço pós-soviético, é parte do sucesso cazaque, por outro lado, a formação de um Cazaquistão independente e nacional era algo digno de boas lembranças, em contraste com a pobreza dos tempos soviéticos (5/12).
Burocratas soviéticos viam que fragmentar a URSS seria bom, fazendo a Rússia "se livrar" de países problemáticos que onerariam o governo central. A crença se mostra falsa com um sucesso relativamente melhor das ex-repúblicas diante da Rússia, Cazaquistão incluso (6/12).
O Cazaquistão independente tem as vantagens e desvantagens do islamismo político, e aqui com um elemento panturco à maneira de Erdogan: baixa desigualdade, mas muito fechamento político e dificuldade em lidar com demandas complexas e tensas (7/12).
Boa parte do ânimo com a soberania nacional, em parceria com a Rússia, esfriou com uma certa estagnação econômica nos últimos anos. Sobretudo com os aliados russos sofrendo sanções. E aí surgem sintomas: liberalismo ocidental ou panturquismo? Aproximação maior com a China (8/12)?
A aposentadoria de Nazarbayev e a passagem do bastão para o diplomata Tokayev é, de certa forma, uma resposta em direção à China. Mas o Cazaquistão segue integrado ao mundo russo, mais do que que qualquer outra ex-república soviética (9/12).
O erro do governo no brutal aumento tarifário não é, pois, apenas falta de planejamento somado a autoritarismo, mas que o país não conseguiu sair da armadilha da mineração ensandecida de criptomoedas pela pressão ocidental sobre a Rússia (10/12).
O "erro" foi aproveitado. A Rússia e demais países do CSTO, o que restou do Pacto de Varsóvia, estarem indo ao socorro do governo significa (1) a situação é mesmo delicada; (2) há presença ocidental e (3) manter isso é uma bela distração para a entrada da Otan na Ucrânia (11/12).
A Rússia terá de salvar Tokayev, por questões estratégicas emergenciais, mas também porque parte de seus "erros" vem dele ter vindo ao socorro da Rússia de 2014 para cá. Os nacionalismos pós-soviéticos, no entanto, revelam seus limites estratégicos e práticos (12/12).
P.S.: a posição da China na crise é de cautela. Sabe-se que a Nova Rota da Seda não avança na velocidade desejada, em grande medida, por ajustes ainda a serem feitos entre russos e chineses. Mas Pequim tem muito interesse em Tokayev se manter no poder.
eurasianet.org/china-looks-to…
P.S.2.: a crise energética chinesa também ajuda a entender o aumento das exportações cazaques para o país vizinho e, por consequência, a pressão inflacionária geral sobre os custos de energia.
P.S.3.: pressões ocidentais sobre Pequim e Moscou, "resolvidas" de algum modo pelo Cazaquistão, mas com todos ignorando o custo político disso pela relativa riqueza do país, ajudam a entender isso. Mas é necessário uma ampla reforma política e estratégica entre as partes.
P.S.4.: Não é só a crise energética sobre consumidores que explica a crise. Há organização, evidentemente. Senão, já teríamos tido duas revoluções no Brasil de Bolsonaro com os aumentos da gasolina. Houve indignação social, mas não política.

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6 Jan
O Cazaquistão arde numa revolta contra o governo nacionalista. A ex-república soviética é um aliado chave de Moscou, com seu vasto território estratégico, é sede do programa espacial russo e cheio de riquezas naturais, e com 1/5 de população russa (1/16).
Naturalmente, o Cazaquistão tem problemas. Da sua fundação com o fim da URSS até bem pouco, o país esteve sob o comando de Nursultan Nazarbayev, mas seus aliados persistem no poder na forma do partido ironicamente chamado Nur Otan (Pátria Radiante) (2/16).
Nazarbayev foi um quadro do Partido Comunista durante décadas, se equilibrando no poder com uma habilidade incomum. Com o fim da URSS, ele tratou de promover o nacionalismo local, mas manteve vínculos fraternais com os russos (3/16).
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6 Jan
As federações partidárias vão ter um grande impacto, mas por enquanto se fala só superficialmente sobre elas. No duro, o Brasil desde os anos 1990 passa por uma ampla fragmentação partidária, as federações vêm para reverter isso sem destruir os partidos. Mas é complexo (1/10).
Desde o fim da Segunda Guerra, quando Brasil iniciou uma experiência democrática, o Congresso era de algumas forma controlado por um Centrão. Ao contrário do que se imagina, não era o PTB, mas o PSD a dar as cartas (2/10).
Com o Partido Comunista colocado na ilegalidade, o jogo era disputado basicamente por UDN, PSD e PTB - mas como o crescimento do último, que suplantou a direitista UDN no início dos anos 1960, é que a burguesia ligou o sinal de alerta e deu o golpe de 1964 (3/10).
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4 Jan
Liberais mudaram a política brasileira obtendo uma larga hegemonia política, mas ela veio desacompanhada de qualquer plano de execução ou uma liderança. Deu no que deu, e eles são os grandes culpados. Não me venham com chororô (1/7).
Para viabilizar um plano mau, você precisa de uma estratégia boa. Você pode criar um sistema horrível, mas ele precisa ser sustentável e estável. Não é o caso desse experimento louco feito no Brasil (2/7).
Hoje, esses mesmos liberais, que ajudaram Bolsonaro a se eleger, mas não sabem o que fazer com ele, exigem que Lula mantenha reformas que, objetivamente, deram errado. Nunca foi tão fácil, em termos lógicos, reverter reformas como agora, mas politicamente é difícil (3/7).
Read 7 tweets
4 Jan
Sejamos francos, a principal razão para se revogar uma reforma trabalhista deve ser seu impacto sobre a produtividade do trabalho. No caso espanhol, a reforma deles de 2017 tirou direitos e não gerou melhorias significativas para a economia
tradingeconomics.com/spain/producti…
(1/5)
Vejam que antes a produtividade do trabalho já avançava na Espanha. Tornar as condições mais favoráveis ao empregador era pura demagogia com o capital, podendo ter um impacto negativo no curto e médio prazos (2/5)
No caso brasileiro, temos um desastre ainda maior: a reforma trabalhista não apenas não gerou melhoras como, ainda, DERRUBOU a produtividade. É um verdadeiro desastre, olhem com seus próprios olhos: tradingeconomics.com/brazil/product… (3/5):
Read 5 tweets
3 Jan
A crise da pandemia global de Covid-19 é o maior desafio da humanidade desde a Segunda Guerra. De um lado, os EUA, maior potência global, não se mostram capazes de dar respostas a ela, ao contrário, mas sim usar da crise para boicotar o crescimento chinês (1/12).
O governo de Joe Biden, empossado em 2021, basicamente tomou medidas acertadas na economia, mas prossegue numa linha louca de confrontar, ao mesmo tempo, Rússia e China, o que não acontecia desde a 1ª metade dos anos 1950 (2/12).
Biden retomou a doutrina antirussa que anima a política externa americana desde muito. Mas que Trump tentou bloquear. Por outro lado, ele se viu impossibilitado de recuar em relação à política antichinesa do seu antecessor (3/12).
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20 Dec 21
Boric venceu no Chile por uma margem maior do que a projetada. Institutos chilenos erraram porque não pesquisam, sequer, a abstenção. Os 8 pontos percentuais a mais do 1º para o 2º turno votou, quase massivamente, em Boric. Ou melhor: contra Kast (1/7).
No duro, sem esses novos eleitores, é possível que Boric tivesse vencido, mas por uma margem apertada. De todo modo, ele terá de construir uma maioria parlamentar num cenário partidário balcanizado quase como o Brasil (2/7).
Os setores à esquerda do centro tem uma tênue maioria. É possível que muitos eleitores de candidatos a Presidente de direita do 1º turno tenham, paradoxalmente, votado em setores à esquerda do centro para deputado e senador (3/7).
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