A síndrome de Wolff-Parkinson-White é um defeito embriológico do coração presente em 1 a cada 1000 nascidos. Neles, ocorreu uma falha quando o órgão ainda se formava na 4a semana de gestação.
Nesse fio eu vou explicar o que isso significa e quais as consequências desse problema.
A primeira coisa que você precisa saber pra entender a síndrome é que ela é um defeito no esqueleto do coração.
Sim, nosso coração possui um esqueleto.
Ele sustenta as valvas e os músculos e também serve como isolante elétrico entre câmaras do coração.
“Nosso coração tem eletricidade?”
Sim! E o caminho por onde essa eletricidade é conduzida é bem estudado por nós eletrofisiologistas.
Quando o estímulo elétrico percorre corretamente esse caminho, nosso coração bate na sequência perfeita: primeiro átrios, depois ventrículos.
Ainda bem que é assim. Se o coração inteiro batesse ao mesmo tempo, pra onde o sangue iria? Tem que existir uma sequência.
E a sequência que falei faz com que os átrios encham os ventrículos de sangue e depois os ventrículos encham as nossas artérias.
Órgão mais bonito, né?
Em algumas pessoas (pra ser mais preciso, em 0,1% dos nascidos) um pequeno defeito na quarta semana de gestação faz com que alguns milímetros de esqueleto cardíaco não tenham sido formados.
E aí se cria um atalho extra para a passagem da eletricidade do átrio ao ventrículo.
Isso não se consegue notar pelo portador do problema - são só alguns milissegundos, quase como a diferença de tempo entre dois pilotos de Fórmula 1 no treino classificatório.
Mas o eletrocardiograma pode perceber essa sutil diferença: os átrios e ventrículos batem mais próximos.
E o problema gerado é que assim a eletricidade tem dois caminhos para seguir: o natural e o tal atalho. E isso pode gerar um curto circuito, quase que literalmente.
Quando ocorre um curto circuito, o indivíduo terá arritmia: o coração baterá desordenado.
Essas arritmias podem ser benignas (sem potencial para morte) mas também malignas. Na verdade, 1 em cada 100 a 1000 pessoas que têm a síndrome morrem subitamente (de uma dessas arritmias malignas).
Em 4% dos portadores, a morte súbita é a primeira manifestação da doença.
Existe tratamento. O eletrofisiologista (um cardiologista que se especializou na parte elétrica do coração) consegue eliminar esse atalho, deixando apenas o sistema natural de condução funcionante.
Isso não é indicado para todos que têm a síndrome, por isso a avaliação é crucial.
Como você pode perceber, não há nada de novo nisso tudo. É uma doença bem estudada e bem estabelecida. Rotina do eletrofisiologista.
Correlações entre tudo isso e outros fatores são puramente especulativas, com intuito único de desinformar e amedrontar a população.
Esse Tweet teve propósito de informação com didática. Para uma discussão mais detalhada, sugiro ler:
Alencar JN, Sakai M, Sternick E. Vias acessórias típicas e atípicas. In: Alencar JN. Tratado de ECG. 2022 (no prelo).
Também:
Alencar, JN. Mecanismos das arritmias. In: Alencar JN. Tratado de ECG. 2022 (no prelo).
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Gutierrez é um respeitado médico especialista. Se vangloria da sua capacidade diagnóstica e de suas decisões terapêuticas satisfatórias.
Em 2020, ele achou racional prescrever cloroquina. Em 2021, faz campanha contra a vacinação.
Segue o fio para entender.
No primeiro atendimento do dia, Gutierrez atende um resfriado comum. Com anos de atuação, veio a constatação que muitos pacientes exigem remédios para “justificar a consulta”.
O resfriado é uma doença auto-limitada: todos os pacientes melhorarão um dia ou outro.
Quando o paciente melhora, Gutierrez recebe elogios pela sua receita “diferenciada” -um kit de vitaminas e outras medidas ineficazes.
Gutierrez esquece do poder que a história natural da doença tem nesse caso - se o paciente já iria se curar, como afirmar que ele impactou nisso?
O que as pessoas pensam que é VERSUS o que é de verdade.
O fio:
O que pensam que é:
- Uma disciplina pouco importante em comparação a anatomia e farmacologia.
O que é de verdade:
- A mãe de todas as disciplinas. A anatomia e a farmacologia (e outras básicas) servem como fundamento para a prática médica que se pauta baseada em evidências.
O que pensam que é:
- Uma disciplina chata em que obrigam a decorar fórmulas, índices e leis.
O que é de verdade:
- Uma disciplina em que se ensina a pensar criticamente, a desconfiar de charlatões e conseguir ler e interpretar se um artigo científico deve modificar conduta
Um investidor da Faria Lima descobriu uma doença rara que acomete 1 a cada 10 mil pessoas! A acurácia do exame é 99,9%.
Qual a probabilidade de ter mesmo a doença?
Não fique triste se respondeu 99,9%. A maioria dos médicos também acha. Mas está errado e eu vou te explicar no fio
A interpretação médica de exames é muito mais complexa do que se faz parecer pela Medicina mecanicista tradicional com seu binômio:
Positivo x Negativo.
Na verdade, a interpretação de cada exame individualmente deve ser:
Verdadeiro e falso positivo x verdadeiro e falso negativo.
Essa interpretação entre exames verdadeiros ou falsos em Medicina é um dos pilares da atuação médica (e de profissionais da saúde em geral).
Só que, por incrível que pareça, não é ensinada corretamente pelo currículo médico atual da maioria das universidades brasileiras.
“A incrível história dos exames que, matematicamente, não servem para nada” ou “Sensibilidade e especificidade não são úteis para o médico”.
Você escolhe o nome do filme após ler esse fio aqui.
E espero que entenda o problema que demonstro.
Para entender esse fio, vamos às definições básicas:
- Sensibilidade: probabilidade de um teste ser positivo em quem tem a doença.
- Especificidade: probabilidade de um teste ser negativo em quem não tem a doença.
Leia de novo a definição para perceber um detalhe: é que para usar sensibilidade e especificidade, o médico precisa saber de antemão quem tem e quem não tem a doença.
E nós pedimos exames para DESCOBRIR se alguém tem ou não a doença.
Não entendeu? Veja um exemplo prático.
Isabela é uma mulher de 57 anos com três filhos, planejando sua futura aposentadoria.
Isabella (com dois L) é a mesma pessoa, mas em um universo paralelo.
Ambas possuem uma doença grave, mas só uma delas descobriu esse problema em estágios iniciais.
Segue o fio.
Isabela fez um exame de check-up, o que lhe fez descobrir essa doença ainda em estágios iniciais.
A partir daí, Isabela recebeu todo um planejamento de terapia da doença, que envolvia múltiplas ações interdisciplinares. Sua vida, agora, seria uma luta pela cura.
Essa terapia escolhida tem benefício comprovado na literatura, que é o seguinte: reduz a probabilidade de morrer em 5 anos, de 82 para 10%.
Com um resultado fantástico como esse, quem, em sã consciência, poderia ser contrário?
Miguel é um homem de 41 anos preocupado com a saúde. Faz low carb, se exercita 5 vezes por semana.
Michael é a mesma pessoa, mas vive em um universo paralelo. Só que Michael comprou um Apple Watch. E esse foi só o começo de uma cascata que mudou a vida de Michael.
Segue o fio.
Os médicos de Michael não fizeram nada de errado. Apenas seguiram as diretrizes.
Só que seguir as diretrizes, nesse caso, leva a uma cascata iatrogênica. O que é isso? É quando, devido a um simples fato, uma série de eventos probabilísticos pode acarretar em um erro ou dano.
Michael fez o ECG que lhe diagnosticou fibrilação atrial, uma arritmia comum e que pouco tem a ver com doença coronária.
Só que é um erro comum dos cardiologistas o de sobrevalorizar a doença coronária. A cascata continuou com testes para coronária.