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Há de se saber separar derrotas de fiascos. O que aconteceu hoje no Morumbi foi um fiasco, e dos grandes. Quando TUDO o que um time tem é vontade, ele não tem quase nada. Jardine pode, por algum milagre, seguir no cargo, mas tem feito muito mal seu trabalho até aqui.
É sempre importante contextualizar as coisas, sim. O cargo de técnico do São Paulo é uma roleta russa, por uma série de motivos já exaustivamente abordados aqui e noutros cantos. Não há tempo para nada, nunca há. Piscou, a batata assou. Cabeças sempre a prêmio.
Não dá para dizer que Jardine não tem fé em algumas de suas convicções. Os laterais só apoiam (quando apoiam) por dentro, jamais ultrapassam ou vão ao fundo. A dupla Pablo-Diego, sem funções definidas, não funcionou em momento algum até aqui, mas na hora H foi reeditada.
Em Córdoba, o Tricolor correu pouquíssimos riscos, mas pecou em lances específicos em que volantes deram botes errados ou sequer deram botes. Pagou caro por detalhes cruciais. O organizado Talleres, por outro lado, mostrou dificuldades na bola aérea defensiva por mais de uma vez.
No Morumbi, precisando reverter os 0x2, era quase óbvio que o São Paulo tentaria, e muito, explorar a bola aérea com Diego Souza. Sua presença junto a Pablo, porém, tem se provado prejudicial para ambos até aqui. Ter mais atacantes não é sinônimo de um time mais ofensivo.
Jardine sabe disso. Na base, seu time primava pela construção de jogadas desde a defesa, com apoios e o famoso jogo de posição. Todos sabiam o que fazer com e, sobretudo, sem a bola. Nunca faltava opção de passe nem havia lacunas imensas entre setores para um só jogador percorrer
As circunstâncias (placar adverso, clamor popular, suspensões, atletas não-inscritos) o fizeram optar por Hernanes como criador solitário. A estratégia não foi nada requintada: chuveirar bolas na área desde a intermediária e arriscar chutes daonde desse. Sem a posse, o abafa.
O Profeta aparenta estar mal fisicamente, mas isso não explica a lentidão ao soltar a bola em diversas ocasiões. Trata-se de um jogador que sempre se caracterizou pela inteligência ao saber o timing das jogadas - quando prender, quando soltar, quando mudar de direção. Hoje não.
Helinho esteve o tempo todo ilhado em campo. Em 100% do tempo, mesmo, sem um único jogador que se aproximasse. Bruno Peres sempre 20 ou 30m atrás. Hernanes sempre do lado esquerdo. Pablo e Diego Souza na área esperando o cruzamento. Ainda assim, o garoto se destacou.
E como prêmio, foi sacado de campo para a entrada de Nene. Uma ideia que se provou infértil em todos os jogos de algum grau de dificuldade até aqui. Antony, com moral por ser o melhor jogador da Copinha e ter boa estreia como titular no fim de semana, entrou em campo aos 42 do 2T
Galvão Bueno considerou isso "uma maldade", enquanto Casagrande afirmou que era "uma fogueira" para o menino bom de bola. Discordo, não acho nem um nem outro. Antony jamais seria pego como bode expiatório pelo fracasso. Foi apenas a prova cabal do deserto de ideias jardinescas.
Isso é evidente. Mas o que faz esse "deserto" ser uma constante no São Paulo? Por que os técnicos tão frequentemente traem suas convicções? São todos incompetentes e covardes? Ceni chegou com ideias pra lá de ousadas e foi demitido jogando de maneira bastante conservadora.
Dorival foi muito bem em 2017 e diagnosticou a falta de velocidade no elenco para o ano seguinte. Perdeu estrelas na pré-temporada 2018, promoveu garotos, perdeu na estreia do Paulista (com time reserva), empatou no 2º jogo e, pressionado, abandonou o plano de lançar a molecada.
André Jardine chegou a fim de montar um time "protagonista", propositivo, com uma construção de jogadas paciente, sem precisar recorrer ao jogo direto que caracterizou seu antecessor. Já no primeiro Sampaoli ele dançou e pro inferno ele foi pela primeira vez.
Hernanes nem sequer havia reestreado oficialmente e o São Paulo já se via terrivelmente refém dele. Como foi de Nene em 2018, do próprio Profeta em 2017, de Cueva em 2016 e assim por diante. Isso é extremamente revelador sobre uma porção de coisas.
Neste clube, milhões de coisas acontecem em um curto espaço de tempo. Tudo fica rapidamente obsoleto e soa até ridículo: God of Zaga, o copo da Chapada do Nene, o Bonde dos Carecas. O São Paulo vive há mais de década em crise moral, financeira, política e, claro, esportiva.
Desde os anos em que as coisas em campo davam certo, uma cultura de soberba foi instaurada e reproduzida no discurso de notórios cartolas, jogadores e, claro, certas alas de torcedores que seguiram este embalo. Institucionalmente, o clube abraçou essa imagem.
É doloroso para qualquer Narciso mirar um espelho quebrado. Um breve olhar sobre a política são-paulina mostra que o torcedor vive de ilusões. Como ver os braços-direitos do presidente derrubado por atos escandalosos 3 anos atrás grudados ao atual mandatário e achar normal?
Não é, definitivamente, um clube em que todos remem para o mesmo lado. Não há um plano. Há minúsculas evoluções que podem ser destruídas ao sabor do vento. Há medidas cosméticas, pra inglês ver, "novo estatuto", "profissionalização da gestão", "conselho administrativo".
Há uma relação torcida-time que há tempos é tóxica, muito mais pautada pelo ódio do que pelo afeto. Breves e previsíveis períodos de devoção exacerbada seguidos da caça às bruxas, aos bodes expiatórios, entrega de cabeças ao público. É como um ritual cíclico e não se sai do lugar
Em meio a isso tudo, claro, é preciso adoçar a boca do torcedor e esconder a absoluta ausência de um fio condutor, um projeto qualquer que seja de futebol. Assim, apela-se à nostalgia e repatriam-se os ídolos. Cicinho, Kaká, Lugano, Hernanes. Quem não os quereria?
Suas contratações são apostas válidas e se deram em contextos bastante distintos entre si. Mas, via de regra, eles deveriam ser a cereja do bolo. E, bem... cadê o bolo? Quando está no forno, trocam o cozinheiro. Depois mudam uns 3 ou 4 ingredientes. Nunca fica bom. Nunca.
E em meio a esse turbilhão assassino de reputações e sonhos, há Cotia, o São Paulo que deu certo. A fonte de renda que há muito tempo sustenta os delírios consumistas do clube. O principal arquiteto desse oásis de sucesso num clube em chamas acaba de ser moído pela engrenagem.
Em algum ponto dessa história, se perdeu a capacidade de tecer críticas construtivas e construir relações minimamente duradouras e saudáveis. O afã por respostas rápidas e superficiais leva a decisões impulsivas, inconsequentes e irreversíveis.
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