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Não tenho a menor ideia do que realmente ocorreu com o Bebianno, mas o fato de sair dizendo que se arrependeu de ajudar a eleger Bolsonaro mostra um problema que eu sempre toco aqui: os brasileiros raramente formam times coesos.
Se você está realmente decidido em fazer seu time vencer, você aceita ficar no banco de reservas se tem alguém mas capacitado no momento para ocupar a vaga. O mesmo raciocínio vale para posições sociais.
Obviamente, é natural algum grau de conflito em toda sociedade. Existe competição intra-grupo (quem irá liderar a matilha) e competição inter-grupo (qual grupo será o vencedor). É natural ficar chateado por não estar no topo. Mas querer trazer o time todo para baixo é demais.
A coisa fica ainda mais complicada na política porque há vários micro-grupos que estão constantemente sendo criados e sendo dissolvidos. Mesmo dentro do mesmo grupo ideológico, sempre haverá as micro-disputas. Um grupo com vinte pessoas já é suficientemente grande para surgir...
... mini-grupos antagônicos, a partir de diferenças estratégicas e até mesmo de personalidade.

Além disso, a política tem uma dose de complicação adicional: mesmo os grandes blocos ideológicos são muito mais fluidos do que seus próprios militantes imaginam.
Como tenho insistido, acho o termo "Nova Direita" muito útil, porque houve alguma unidade que emergiu na luta contra o PT. Porém, essa era uma unidade de ocasião, com os mais variados grupelhos deixando diferenças abissais de lado em nome da derrota do inimigo maior.
Isso me parece ser uma tendência natural em todo país. O que vemos em países com instituições maduras é que uma série de filtros serve para dar clareza e transparência a essas disputas intra-tribais (debate público, primárias, partidos maduros, etc.). No Brasil, os bastidores...
... pensam tanto, ou mais, que as instituições oficiais.

Além disso, acho que a cultura brasileira sofre de pouca coesão social. Não sabemos muito bem formar times porque somos ruins em identificar quem são nossos amigos de verdade. (Eu mesmo considero que já errei muito nisso).
Quando olho para trás, vejo que há uma tendência na nossa cultura em confundir amizade (querer o bem do outro e confiar nele) com familiaridade (pessoas que simplesmente passamos muito tempo juntos).

Vejam a popularidade na expressão "nós já bebemos cerveja juntos", como se...
... passar algumas horas na companhia do outro fosse suficiente para provar que alguém é "gente boa", confundindo a capacidade de ser agradável temporariamente com uma real coerência de valores.

O que deveria ser óbvio: compartilhar uma mesa de bar pode ser apenas um acidente...
... isto é, calhou de vocês estarem na mesma disposição, naquele momento. Talvez um dos "parceiros" esteja cheio de inveja e ressentimento, aproveitando a ocasião para contar vantagem.

As verdadeiras amizades precisam de algo mais profundo. Você precisa sentir ao menos um...
... pouco de admiração pelo outro. E essa admiração vem da percepção que o outro está realmente buscando um bem universal, que a vitória daquela pessoa significa a realização de algo melhor no mundo. Se o seu amigo ganha um cargo importante e você pensa "agora as coisas vão...
... melhorar", é porque você confia nas intenções dele. Ele está buscando os mesmos fins que você buscaria naquela posição. O sucesso não provoca uma natural pontada de inveja ("por que não eu?"), por ser balanceado na confiança no resultado ("ainda bem que é um dos bons").
Porém, se não há intenções em comum, um bem compartilhado, então não pode haver aliança duradoura. Se o outro não está buscando um bem geral, o seu sucesso significa apenas que ele terá mais privilégios do que você. Logo, a tentação da inveja tenderá a vencer, limitando a...
... coesão social. O sujeito que está por baixo começa a torcer, ou até trabalhar, pelo fracasso de quem está por cima. A energia que poderia ser usada para construir é desviada para destruir. E, do enfraquecimento interno do grupo, vem a vitória dos adversários.
Com isso, não quero dizer que é preciso sempre ter unidade, como se o ideal fosse uma sociedade perfeitamente organizada de cima para baixo. Claro que não: nenhum ser humano é perfeito e todos mudamos ao longo do tempo. Logo, não há porque eternizar líderes e subalternos.
O que eu acho que se deve fazer é perceber a complexidade dessas dinâmicas e, antes de mais, nos perguntar se nossa lealdade está no lugar certo -- se estamos provendo ou atacando algo com base em valores reais ou em ressentimento, automatismo ou mera lealdade grupal.
Corrigido esses erros em nós mesmos, aprenderemos a admirar quem é admirável e promover as pessoas capazes e corretas onde elas estejam -- independente de grupos ideológicos ou instituições.
Essas dinâmicas sempre existirão em todo grupo social. É parte da vida. Assim como há uma higiene pessoal que precisa ser feita diariamente, esses ajustes sociais também são constantes. São eles que determinam a qualidade da liderança de cada grupo -- e sua capacidade de tomar...
... boas decisões coletivas.

Dito isso, há também uma dimensão institucional que pode ajudar ou prejudicar esse trabalho: tornar os grupos mais abertos e transparentes,permite que esses processos de reajustes ocorram com maior rapidez.
Porém, o lado pessoal tem precedência: as instituições brasileiras são fechadas e opacas porque seus líderes atuais colocam o seu poder pessoal acima da justiça e do progressivo. E cada nova geração parece sofrer do mesmo erro.

O que move a sociedade em uma boa direção são...
... personalidades individuais fortes e justas. Em uma frase: sem pessoas virtuosas, não há sistema que sobreviva.
(Um "PS" que deveria ser óbvio: isso NÃO é um comentário sobre os últimos acontecimentos. É um comentário sobre a natureza humana e as dinâmicas sociais. Não tenho a menor ideia do que se passa na alma de mais ninguém.)
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