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Acho que faz uns três anos que comentei aqui que não entendia como o argumento pela abolição total de fronteiras tinha ganho tanta aceitação em diferentes grupos. Hoje, o nacionalismo parece ter se tornado a principal bandeira política ao redor do mundo. É claramente uma reação.
Há ótimos argumentos pró-trocas comercias e pró-imigração. Eu sou fortemente favorável aos dois, assim como acho que existe uma obrigação moral em receber refugiados. Porém, a abolição completa das fronteiras me parece uma pura impossibilidade.
As fronteiras definem os limites dos estados soberanos e, por tabela, identificam qual sistema legal impera em qual região. Isso tem uma série de consequências práticas enormes: quais moedas serão utilizadas, quais programas de políticas públicas serão acessíveis, etc.
É, obviamente, possível IMAGINAR um mundo onde todas essas dificuldades fossem abolidas: fim dos bancos centrais, fim dos sistemas públicos de pensão, fim do imposto de renda, unificação dos exércitos.

Porém, a mera descrição dos ítens mostra que estamos no terreno da utopia.
Fora da utopia, cada governo possui uma importância enorme na vida de todos nós. Além disso, cada governo é o resultado de um jogo de forças extremamente complexo que ocorre constantemente em cada sociedade. Nada disso vai desaparecer de repente.
Começando de baixo para cima: é impossível abolir totalmente as áreas comuns. Precisamos de regras para administrar espaços e recursos compartilhados (calçadas, parques, rios, etc.). Em grupos muito pequenos, é possível fazer isso informalmente. Porém, quando a escala aumenta...
... sempre surge um processo formal de tomada de decisões coletivas. E esse processo ou será soberano (a última instância decisória) ou será subordinado a um nível superar (que pode dar graus diferentes de autonomia).

O que é um jeito de dizer: sempre haverá prefeituras...
... e elas ocasionalmente serão soberanas e ocasionalmente irão se integrar em uma estrutura maior. Essa integração vai depender de inúmeros fatores, incluindo um cálculo de custo/benefício (o que muda ao longo do tempo) e processos de identificação social (isto é, a formação...
... de "times" que surgem por afinidades e semelhanças de valores).

Não há porque supor a possibilidade de abolição de diferenças de interesses e valores na natureza humana. As divergências são naturais e sempre irão gerar blocos políticos distintos, que mudarão com o tempo.
Logo, a busca por soberania (um bloco se tornando a instância máxima) é uma constante histórica. Simplesmente faz parte da dinâmica social.

E, no entanto, uma parte imensa dos intelectuais resolveu apostar em uma impossibilidade, argumentando A PARTIR de uma premissa que o...
... povo jamais comprou. Por isso mesmo, a reação foi rápida e eficaz: surgiu uma nova direita que fez uma promessa compreensivelmente tentadora -- vocês não precisarão se assujeitar ao governo de outros povos.

Obviamente, o outro lado não estava prometendo o contrário, mas,...
... como prometiam algo impossível (a ausência de fronteiras), ficava implícito algo possível: transferir a soberania para uma instância que o povo não controla. Diante da reação negativa, os intelectuais usaram uma arma de eficácia duvidosa: acusá-lo de racistas, atrasados, etc.
O que deveria ser óbvio: não estou defendendo de modo algum que os estados se tornem fechados e ditatoriais. Meu argumento é que não vejo alternativa concreta que provoque uma abolição das instituições políticas. Na prática, será apenas uma SUBSTITUIÇÃO de instituições.
Também me encomenda a esperança implícita -- e às vezes explícita -- na ausência de fronteiras como uma panacéia, como o remédio para todos os males. "Ah, tem um governo ruim ou crise econômica ali? É só transferir todo aquele povo para acolá.".
Embora, novamente, eu acho uma questão de caridade oferecer abrigo aos necessitados, o abrigo nunca será uma solução permanente. Ele é, no máximo, um alívio temporário enquanto parte daquela população se recupera para se erguer novamente.
É uma questão de pura logística perceber que não dá para dar uma ctrl-c/ctrl-v e jogar um povo de um lado para outro. Há custos altíssimo na transição. Uma parcela enorme da população não aguentaria a mudança. Além disso, a população que fizer a mudança se encontrará...
... em uma terra desconhecida, sem sua rede orgânica de apoio social, trazendo toda a carga afetiva e simbólica anterior à mudança somada aos traumas do processo. Ou seja, o processo irá gerar um "passivo social" enorme, que levará duas ou três gerações para ser quitado.
Diante disso, me parece óbvio que é pura irresponsabilidade achar que um discurso anti-soberania é suficiente para gerar um "mundo melhor". Os outros povos merecem toda a nossa caridade, mas o meio mais efetivo de oferecê-la é começar por NÃO desestabilizar a soberania alheia.
Por mais que hajam países com governos problemáticos, os governos estrangeiros devem estimular soluções locais. Procurar negociar um modo de soberanos legítimos manterem a paz social para que seu povo possa se desenvolver ao longo do tempo.
E, claro, se uma parcela desse povo quiser se mudar voluntariamente, isso é ótimo e bem-vindo. Laços de troca e amizade são importantíssimos. Mas há uma diferença enorme entre mudanças pontuais iniciadas pela vontade individual e êxodo em massa provocado por catástrofes sociais.
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