Uma thread sobre o #escolasempartido e o ódio aos professores

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1. Eu acompanho diretamente a página do @escolasempartid no Facebook por causa da militância e das pesquisas que eu faço sobre o tema. Então, eu gosto de pensar que eu já estou bem calejado pra encarar os absurdos que são publicados lá
2. Mas essa semana, não sei por que, alguma coisa aconteceu. Talvez seja eu que estou mais sensível, ou talvez esse seja um momento em que o discurso do movimento esteja atingindo todo um novo patamar
3. Antes de começar, vale dizer que o tema do #ÓdioAosProfessores já foi mais do que bem trabalhado aqui bit.ly/2GoVedA
4. E aqui bit.ly/2pQGutF
5. Mas parece que é necessário atualizar esses textos. Digo isso por causa de duas postagens que eu vi na página do esp essa semana. Vou tratar delas separadamente
6. A primeira é essa
7. A perseguição aos professores sempre foi um aspecto importante do discurso do ESP. Afinal, a culpa da 'doutrinação marxista' ou da 'ideologia de gênero' só poderia provir de educadores mal intencionados
8. Mas o protagonismo que essa lógica dava aos professores era sempre mediado pelos interesses escusos que estariam sempre operando num patamar acima ao dos educadores mal intencionados
9. Assim o professor doutrinador seria agente de um Estado, de partidos políticos ou ideologias que querem interferir na educação moral de crianças e destruir a os valores familiares
10. O ódio não era somente ao professor, mas também aos interesses externos que ele representa: a ideologia de gênero; o 'esquerdismo'; a agenda globalista; as elites intelectuais, etc...
11. O ódio estava presente e ele é uma ferramenta poderosa, mas ainda havia nessa lógica algum tipo de proposta, alguma sugestão política, por mais rala que fosse, para ser debatida e discutida abertamente
12. Mas esse cartaz parece uma mudança de rumos radical. Primeiro porque ele nega que todas as bandeiras que o esp defende possam ser soluções para o problema da doutrinação. O movimento, sempre orgulhoso de suas propostas ditas democráticas, simplesmente as descartou
13. Na verdade, ele deixa a entender que não há solução para doutrinação porque ela não aparece como uma prática, mas como algo inerente aos professores. Daí vem uma lógica do “não existe saída”. Não há como redimir esse professor. Ele está além de qualquer redenção.
14. O ESP sempre fez uma separação clara entre o que ele entende como professores 'maus' e 'bons', os que doutrinam e os que instruem. Porém, esse não parece mais ser o caso. O professor deixa de ser um profissional com saberes e técnicas legítimas e se torna um pária.
15. É engraçado pois o cartaz não diferencia mais o perigo da doutrinação como uma prática, mas como uma condição de ser professor. Não é mais a doutrinação que é a 'doença', a 'praga' que infesta as escolas, mas sim os próprios professores
16. É estranho ver uma estigmatização desse nível ser imposta a uma categoria profissional.Mais estranho ainda é ver como o cartaz nem se preocupa em apresentar soluções.Ele só conclui com a sugestão vaga de que 'o que resolve é fiscalizar,exercer e conhecer os próprios direitos'
17. Mas o que isso quer dizer?

Daí vem a segunda publicação que mexeu comigo mais do que o normal
18. O Escola Sem Partido nega a política, mas até certo ponto eles sempre buscaram soluções políticas para se institucionalizar, vide os projetos de lei. Porém, agora o que parece estar acontecendo é uma tentativa de institucionalizar a ausência de política nas suas propostas
19. Não se trata mais de como professores podem e devem ensinar melhor, mas de controlar todos os níveis da vida desses professores, dentro e fora das escolas. Qualquer descuido deve ser fiscalizado e denunciado
20. É quase como se o ESP estivesse se tornando uma paródia de si mesmo. O que começou como um movimento de um pai paranoico com as aulas de história da filha tentando disfarçar esse fato com malabarismos jurídicos, agora parece abraçar a paranoia sem restrições.
21. Tipo um episódio de #ChoqueDeCultura, mas ñ tem sátira, ñ tem piada, ñ é engraçado. É só um grupo de pessoas que, percebendo que em certos momentos a sociedade simplesmente não funcionará do jeito que elas esperam e concluem que essa sociedade não tem permissão de existir
22. É sempre importante lembrar que,o ESP não é só uma ameaça aos professores, sua liberdade de ensinar e suas vidas dentro e fora das escolas, mas especialmente aos estudantes.Não tem melhor exemplo disso do que essa entrevista com o fundador do movimento bit.ly/2J97xIF
23. Nessa entrevista, Miguel Nagib afirma que as escolas não podem debater questões como homofobia e violência contra a mulher, pois isso cabe somente a educação moral familiar.
24. Sobre inserção de grupos vulneráveis nas escolas, o que ele tem a dizer é "Por exemplo, o cartaz de uma menina dando beijo na boca de outra menina. Você mostra e vai naturalizando o comportamento homossexual. Se a escola está fazendo isso, viola o direito do pai."
25. Caso esses termos não sejam cumpridos"se eu vejo que meu filho participou de uma aula como aquela (...) eu processo o professor. Ñ penso duas vezes porque sinto que está violando o meu direito de definir qual é a formação moral dos meus filhos."
26. O ódio aos professores é o ódio contra a possibilidade de que o mundo não gira em torno das suas concepções de como as coisas devem ser, de como os privilégios devem estar distribuídos, de como o poder de oprimir deve ser aplicado
27. Um problema que o campo progressista enfrenta hoje, e q traz consequências graves, é o esvaziamento de significados da categoria fascismo. É no mínimo triste ver como movimentos com essa mesma orientação conseguiram se apropriar do termo em seu favor
28. Na sua forma esvaziada o "fascismo" dá a luz piadas de mal gosto levadas à sério como "nazismo de esquerda" "ditadura Gayzista" e "racismo reverso". O ódio aos professores parece mais um desses subprodutos do fascismo que se diz antifascista
29. Um comentário do @jaimeguimaraess me lembrou de um caso que eu acho bem ilustrativo dos riscos que o ódio aos professores pode representar não só para quem atua na carreira docente, mas para a sociedade como um todo
30. Ano passado, um caso envolvendo violência em uma escola de SC ganhou muita repercussão em.com.br/app/noticia/na…
31. O ocorrido mostrou a situação de vulnerabilidade que muitos profs enfrentam todos os dias em salas de aula e tranquilamente poderia servir como ponto de partida para um debate amplo sobre como lidar com uma questão que é do interesse de todos. Mas ñ foi isso que aconteceu
32. Pouco depois a violência sofrida pela professora começou a ser relativizada por certas figuras públicas, que usaram como base alguns posts no perfil PESSOAL da professora no Facebook onde ela elogiava um protesto que jogou ovos no Jair Bolsonaro
33. Esse foi o caso de políticos como João Rodrigues, deputado de SC "o parlamentar disse que a professora, ao defender nas redes sociais as pessoas que jogam ovos contra políticos é "óbvio que desperta a revolta também de um estudante". jconline.ne10.uol.com.br/canal/politica…
34. Outros políticos fizeram eco às declarações de Rodrigues. Porém, o mais curioso das reações criticando a professora é que o caso de agressão nada teve a ver com questões políticas
35. O ódio aos professores não é só a banalização da violência. Essa violência tem uma utilidade política bem prática. Ela permite que os professores sejam os únicos responsabilizados pelos problemas e tensões que perpassam os espaços da escola, da família e da sociedade
36. Afinal, como explicar que meu filho ou minha filha não se comportam do jeito que eu gostaria; como explicar a violência nas escolas; como explicar os maus resultados do Brasil no Pisa? Em algum momento, o discurso encontrou nos professores o bode expiatórios perfeito
37. Assim, as possíveis soluções políticas para esses problemas são deixadas de lado, pois a única política que resta é a do ódio aos professores.
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