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Imigrar é uma experiência mais profunda e difícil do que eu esperava -- e eu não estava esperando pouca coisa. A nova língua, o novo círculo social, o novo ambiente físico, a nova arquitetura, tudo enfim, tem uma impacto muito forte em nossa personalidade.
Obviamente, é difícil -- quase impossível -- separar isso das mudanças normais da própria vida. Já vou, afinal, completando o quarto ano por aqui. O mero acúmulo de experiência também teria me transformado mesmo se eu não tivesse saído do lugar.
Imigrar é como passar por todo o processo de desenvolvimento psicológico intensamente: você começa por re-aprender a falar, a navegar o ambiente físico, a re-aprender as novas sociais, fazer novos amigos e conseguir inserção profissional até conseguir encontrar um lugar social.
Embora esse "segundo amadurecimento" seja facilitado por já termos feito isso uma vez, o outro lado da história é que não temos mais a energia e o tempo de ir passando lentamente por essas etapas ao longo os anos. Estamos mais velhos, cansados... e, ainda assim, com pressa.
Afinal, a urgência de inserção social do imigrante é ainda maior: sem a rede natural de apoio, a dificuldade de adaptação não significa apenas ficar em uma faixa social mais baixa -- significa a pura e simples... ruína. Ou você se adapta ou volta de mãos abanando.
Embora a crescente facilidade de mobilidade e comunicação internacionais ajudem a suavizar o impacto, essas vantagens trazem um risco alto: creio que a maioria subestima o risco que está tomando. Eles começam a achar que o mundo está tão conectado que não é tão sério assim.
Mas é sério sim. Skype e Twitter não substituem a presença concreta do mundo inteiro ao seu redor. O avião pode ajudar, mas é um escapismo: é um jeito de não encarar o fato que suas raízes foram transplantadas. Outro escapismo é a comunidade dos expatriados, que permitem...
... uma espécie de "semi-inserção": você está agora em uma versão em miniatura do seu país de origem, o que simplesmente não funciona por vários motivos. Em primeiro lugar, a comunidade é pequena demais e comprime regionalismo, sub-culturas e personalidades que jamais se...
... se encontrariam no seu habitat natural. Em segundo, a comunidade inteira está cercada por um ambiente inteiramente diferente que lança uma série de novos desafios. Os jogos sociais brasileiros começam a parecer uma distração dos verdadeiros jogos de integração.
E aí volto para o desafio da integração.

E eis o ponto que deveria ser óbvio: não é tão simples quanto se mudar fisicamente. Você precisa fazer parte da nova sociedade -- saber sua língua, seus códigos, seus hábitos, seus ideais. Mesmo que você não seja totalmente...
... "assimilado", você precisa, no mínimo, expandir imensamente seu "mundo interior" para que duas culturas possam caber dentro de você. A grande maioria, obviamente, não é capaz disso -- e, por isso, acaba bastante frustrada, vivendo em comunidades semi-isolados.
Creio que meu caso foi bem sucedido por uma combinação de pura sorte (cai diante das pessoas certas) e de ter um conjunto bem específico de características que, não sendo tão importantes para uma carreira normal no BR, se tornaram extremamente úteis para essa adaptação.
Ser bastante curioso culturalmente -- ou até antropologicamente -- e ter muita "flexibilidade psicológica" (capacidade de mudar de hábitos, planos e até de identidade) é crucial. Nem preciso comentar sobre a necessidade da capacidade verbal -- o grande fator limitante.
Mas, como eu dizia, as pessoas subestimam o risco. É um processo complexo demais para entender de antemão. Eu mesmo considero que o subestimo e fico muito aliviado, olhando para trás, de ter dado tão certo. Foi uma das coisas mais difíceis que já fiz.
E, por falar em dificuldade, e voltando à questão do tempo, foi nesse processo que, pela primeira vez, eu realmente me senti... velho.

Sei que talvez soe estranho dizer isso porque "velho" é obviamente um termo relativo. Mas creio que o termo se tornou apropriado para mim.
O sentimento da própria idade é algo escorregadio demais. Sempre há gente com mais e menos idade. E há sempre marcadores muito subjetivos que usamos para marcar a passagem da nossa vida (tipo: querer fazer y antes de ter x anos, etc.).
Porém, além da dimensão subjetiva, há algo extremamente concreto em envelhecer. O tempo passa. Coisas acontecem. Fazemos escolhas. Nosso corpo muda. Nossa personalidade carrega as marcas de todo esse passado.
Há cinco anos, tudo me parecia possível. Meus olhos estavam sempre voltados para um futuro altamente moldável. Hoje, eu tenho uma consciência muito maior do passado, do contexto imediato e, principalmente, dos custos e limites adiante.
(Lembro uma piada do Louis CK: escola técnica é onde a gente deixa de dizer que os jovens podem "ser o que eles quiserem" para dizer "você pode ser duas coisas".)
Parte disso é extremamente saudável e fruto da simples distância da cultura-br. Hoje estou convicto que os brasileiros sofrem de um "excesso imaginativo". Eles geralmente calculam mal a probabilidade de cada evento e gastam energia correndo em direções inúteis.
Mas parte disso é também ficar mais velho. O jovem tem o luxo de jogar energia fora porque tem tempo sobrando -- e porque o corpo se recupera mais dos excessos e as responsabilidades são menores.
Nos últimos anos, fui ficando cada vez mais realista: aprendi melhor a calcular o tempo e os passos para cada objetivo. Isso significou que minhas ambições ficaram mais concentradas: fui limitando os alvos para ter uma taxa mais alta de sucesso.
Parte foi crescimento, parte foi necessidade. O nível de trabalho dos últimos anos me exigiu um nível de produtividade muito acima de tudo que veio antes. E o corpo começou a exigir certas condições para manter esse nível -- sono, alimentação, exercício.
Aos poucos, minha sensação de mim mesmo foi mudando: já não tinha um mundo aberto diante de mim, mas um mundo altamente concreto e presente -- eu fiz certas promessas, tenho certas responsabilidades, tenho certos recursos. Tudo ficou muito específico.
Espero que isso não soe pessimista. Continuo achando que "o meu melhor trabalho está adiante de mim". Mas, justamente, esse "melhor" deixou de ser uma imagem vaga e se tornou mais um passo de uma caminhada que já percorreu uma boa distância... e que vai terminar.
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