Thread by @lucasmafaldo

Estou vendo na timeline discussões sobre encarceramento (principalmente o @elton_flaubert com ótimos comentários).

Eis uma boa oportunidade para eu explicar porque acho a categoria de "predadores" importantíssima para evitar falsas estatísticas e resolver problemas sociais.

O problema de todo esforço de abstração -- e, portanto, de qualquer análise estática -- é que a abstração significa pegar algo concreto e RETIRAR tudo menos algumas dimensões que serão objeto de análise.

Essa redução pode revelar coisas interessantíssimas, mas pode também...

... jogar fora algo importantíssimo sobre o fenômeno estudado.

Creio que é exatamente isso que ocorre quando discutimos criminalidade olhando apenas para médias estatísticas em diferentes sociedades. Nós estamos perdendo de vista diferentes mecanismos que podem causar o crime.

Isso pode nos fazer classificar os crimes como algo análogo a acidente, isto é, como se fosse a mesma coisa saber a probabilidade de um assassinato como a de um pneu de carro estourar. Porém, os mecanismos são bem diferentes -- e exigem respostas diferentes.

O jeito de furar essa camada de abstração é pensar o seguinte: nem todo crime é igual. Há algumas pessoas que serão levadas pelas circunstâncias (alto estresse, bebida, etc.) a cometer um ato de violência, mas há também pessoas com personalidades anti-sociais -- predadores.

E eis porque isso é relevante: um predador continua sendo predador dia e note. Um ataque de lobo não é algo que "acontece" randomicamente. Sempre que um ataque de lobo ocorre é porque existe um lobo real e concreto por trás do evento.

Imagine o seguinte: você é um fazendeiro e acordou com um dos seus animais tendo sido morto por um lobo. O que você faz?

Conclui que não há problema algum, já que isso é um evento relativamente raro e que muito mais animais morrem por doença e velhice? Ou procura o mecanismo?

Não importa a raridade estatística do evento. O que importa é que tem uma matilha de lobos solta. Se você não lidar com ela, você em breve sofrerá efeitos não-lineares: mais e mais animais morrerão, em velocidade crescente.

E essa é a questão por trás do problema da criminalidade: quantos crimes são causados por personalidades anti-sociais? Se forem em número significativo, só há uma solução: tirar essas pessoas de circulação. Não importa o número total de encarcerados. Se há sociopatas do lado...

... de fora da cadeia, o número precisa aumentar. E não é por revanchismo, ódio, etc. É por amor às vítimas: se não prendermos os predadores, muita gente sairá ferida.

Outra coisa importante é a seguinte: um predator provoca uma série de efeitos não-lineares. Isso é algo que tanto feministas como conservadores não percebem bem. As feministas dizem que as mulheres são frequentemente vítimas dos homens e os conservadores dizem que a maioria dos..

... homens são bons. Os dois lados podem estar observando pedaços da realidade corretamente. O problema é que os predadores geram efeitos não-lineares que bagunçam essa equação. Um único predator pode causar repetidos ataques em um mesmo grupo.

É só ver o seguinte: um predador tem mais de cem oportunidades ao ano de cometer crimes. Logo, basta 1% da população ser profundamente anti-social para destruir uma sociedade.

E, caso apenas 0.1% da população seja anti-social, ela pode destruir um sub-grupo de 10% em um ano.

Ou seja, pouca gente problemática é suficiente para causar danos enormes. Especialmente caso se concentrem em um pequeno grupo particularmente vulnerável.

Por isso mesmo, para criar uma sociedade saudável, é preciso agir de modo concreto: fortalecendo os grupos vulneráveis, incentivando comportamento pró-social e coesão social e tirando de circulação quem se recusa a colaborar.

O Brasil tem fracassado nesses três objetivos por décadas e foi por isso que a criminalidade generalizada causou tantas vítimas. O encarceramento é uma das ferramentas para resolver o problema. Olhar apenas para números isolados é contra-producente.