Thread by @LuanSperandio

Quando Jair Bolsonaro diz que o governo já fez sua parte ao entregar o projeto da reforma da previdência para o Congresso e que a bola agora está com eles, o presidente apenas confirma todos os prognósticos que afirmavam que ele era incompetente em articulação política.

Fico surpreso como que a narrativa de que "articulação política é o mesmo que corrupção" pegou para defender um governo que se recusa a DIALOGAR, até mesmo com a própria base.

Segue a THREAD explicando o basicão do que é a articulação política e de como o governo pode melhorar.

O processo legislativo é, formalmente, função do Congresso Nacional. Mas, na prática, ela se desenvolve por meio de uma dinâmica entre Legislativo e Executivo, especialmente quando o projeto é enviado por este.

Essa dinâmica não é simples e pode resultar em paralisia política.

Sempre há: a) proposta do governo; b) a posição do legislador mediano; e c) o status quo.

Quando o legislador mediano está mais próximo ao status quo do que da pretensão do Executivo, há um impasse e a aprovação tende a ser mais complexa. É o que se chama de "deadlock interval".

A única forma possível de sair deste impasse é por negociações, a que se dá o nome de "logrolling".

Pode haver acordos individuais, incluindo até troca de votos entre parlamentares de nichos diferentes para se apoiarem reciprocamente em diferentes propostas.

ISSO NÃO É ILÍCITO.

Virou moda criminalizar todo tipo de articulação em virtude de escândalos de corrupção — como o Mensalão, que consistiu em propina para apoio político a fim de aprovar projetos do Executivo.

Mas isso é CRIME, diferente de negociar conteúdo de projetos, natural em uma democracia.

Negociações existem porque nunca todos os atores políticos estão interessados por todos os projetos de lei da mesma forma.

Um deputado professor terá mais interesse em questões referentes ao ensino; um parlamentar ambientalista, em questões de meio ambiente. É natural.

É exatamente por esta razão que o Executivo já envia uma proposta com "gordura" para negociar possíveis concessões nas emendas que serão apresentadas.

A reforma da previdência, por exemplo, possui questões que parecem já colocadas para haver concessões, como a mudança no BPC.

Porém, isso apenas faz sentido se houver lideranças dispostas a dialogar sobre o projeto para conquistar mais apoio para a aprovação — e aqui o governo Bolsonaro tem falhado na reforma da previdência.

Isso passa por Jair Bolsonaro defendê-la de forma mais enfática, como Guedes.

Onyx Lorenzoni pode ajudar nesse processo, mas ele é Ministro da Casa Civil, possui outras atribuições, como gerenciamento do governo.

O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Alberto Santos Cruz, deveria assumir seu papel, mas parece não ter traquejo político algum.

Entre janeiro e fevereiro, Santos Cruz registrou audiências com 32 parlamentares. Onyx conversou com mais de 150.

Maioria dos parlamentares dizem conhecer Santos Cruz apenas por fotos. Nem o líder do PSDB na Câmara (Carlos Sampaio), nem o do MDB (Balela Rossi) o conhecem ainda!

Além do governo defender de forma mais enfática a reforma da previdência, deve dialogar mais com parlamentares, além de parar de desviar o debate público para frivolidades, focando na necessidade da reforma dia e noite.

O sucesso do governo (e melhoria do Brasil) depende dela.

Tu podes sentir desconforto com negociações se houver conflito entre o seu idealismo e o realismo, mas parte disso é desconhecimento sobre como funciona o processo legislativo. Nos EUA as negociações são mais transparentes, divulgadas pela mídia e conhecidas pela opinião pública.

Lideranças do PSL no Senado e na Câmara criticaram duramente a reforma da previdência esta semana.

Jair Bolsonaro não foi capaz até o momento nem de convencer os líderes de seu próprio partido, mas há quem feche os olhos pra isso com a falsa muleta do "articulação é corrupção".