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1. Em 14/07/1789, houve a covarde, sangrenta e grotesca "Queda da Bastilha", que inaugura o caos, a paranóia, o terror, o morticínio, a loucura e a injustiça da Revolução Francesa, da qual a França — antes potência cultural, moral e econômica européia — nunca mais se recuperou.
2. Paulatinamente vão caindo os inúmeros mitos laudatórios e falsos sobre o que foram estes anos finais do séc. XVIII. Mas há muitos crápulas e imbecis que continuam adulando esta barbárie maldita.
Aqui vai o relato do historiador francês Pierre Gaxotte sobre esta bestialidade:
3. "A noite de 12 para 13 e o dia 13 são sinistros. Dir-se-ia que se assiste à decomposição total da sociedade. Os burgueses barricam-se nas suas casas. A rua está entregue à populaça mais vil e mais temível.
4. "Os eleitores do segundo grau, reunidos à pressa nos Paços do Concelho e aterrorizados pelos acontecimentos, tentam organizar uma milícia urbana em que os primeiros habitantes, com os gentis-homens à frente, se apressam a alistar-se.
5. "Mas os bandidos, que acabam de saquear o edifício da polícia, armam-se também e mais depressa. Invadem a prisão de Force, soltam os presos e engrossam com eles a sua onda enlameada.
6. "Bandos de amotinados invadem todos os lugares onde há espingardas e lanças. Na manhã do dia 14, esses bandos lançam-se sobre os Inválidos. Uma hora depois, afluem junto da Bastilha.
7. "O governador Launay, com a sua pequena guarnição de Suíços e Inválidos, teria podido, sem dúvida, defender-se. Mas a sua filosofia impedia-o disso.
8. "Parlamenta, retira os seus canhões, obstrue as canhoneiras das muralhas, permite que um emissário dos Paços do Concelho visite a velha fortaleza e convida para a sua mesa dois dos sitiantes.
9. "Esta atitude dum homem da sociedade não impede, contudo, que uma multidão furiosa, reforçada por milhares de curiosos, se reúna ao pé das muralhas, disparando incessantemente e procurando o meio de incendiar uma das torres.
10. "Por fim, dois homens, armados com machados, conseguem quebrar as amarras da ponte levadiça que abate com enorme estrondo. O primeiro pátio é invadido, os primeiros edifícios são postos a saque e assestam-se quatro canhões sobre a segunda porta.
11. "Nessa ocasião, o medo apodera-se da guarnição. Instintivamente, reage; depois, perdendo a cabeça, obriga Launay a capitular. Um oficial inferior, que comandava a guarda revoltosa, promete, sob a sua honra de soldado, que fará mal a ninguém.
12. "Não obstante isso, Launay é assassinado e o seu corpo arrastado para o rio. Um moço de cozinha, «que sabia preparar a carne», corta-lhe a cabeça, espeta-a na ponta duma lança e, seguido por uma multidão selvagem, anda passeá-la até à noite.
13. "O major, o ajudante do major e um tenente são mortos por sua vez. Dois dos Inválidos são enforcados e outro com a mão cortada. A multidão, ébria de assassinatos, corre aos Paços do Conselho. O presidente do município, Flesselles, muito pálido, vem ao seu encontro.
14. "Ainda não dado três passos, quando, por sua vez, é morto e degolado. Durante este tempo, inspecionavam a Bastilha. Havia lá sete prisioneiros: quatro falsificadores, um jovem debochado, preso a pedido da família, e dois loucos.
15. "Os falsificadores fugiram sem pedir qualquer explicação. O discípulo do marquês de Sade foi recebido com grande pompa pelas Sociedades e pronunciou enternecedores discursos contra a Tirania e contra o Despotismo.
16. "(...) A notícia da insurreição chegou a Versalhes durante a noite. A Assembléia conservava lucidez bastante para compreender que os horrores que se seguiram à rendição da fortaleza (...) davam a Breteuil excelentes razões para organizar uma repressão implacável (...).
17. "Por isso, os chefes da esquerda apressaram-se, sem demora, a transformar em outros tantos atos heróicos os crimes cujos instigadores queriam encobrir. A lenda da Bastilha nasceu quatro horas depois do acontecimento.
18. "No dia 15, os capitalistas parisienses, que acordaram envergonhados e inquietos por terem deixado o campo livre aos assassinos, souberam que tais assassinos não tinham existido e que o Povo se levantara em defesa da Liberdade;
19. "os assassinatos de Launay e de Flesselles tinham sido manifestações da sua justiça soberana.
Todas as precauções eram supérfluas. O Rei não reagiu mais perante a notícia da tomada da Bastilha (...). Ou melhor: reagiu da mesma maneira, cedendo em tudo quanto lhe era pedido.
20. "(...) A tomada da Bastilha era, para o "regímen", um golpe sensível: a revelação de fraqueza. Conservando o seu caráter de insurreição, ela não teria significado senão uma impotência policial momentânea, sem que nada de essencial ficasse irremediavelmente comprometido.
21. "Exaltada pelos jornalistas, enaltecida pela Assembléia, aprovada pela Corte e legitimada por Luiz XVI, tornava-se o sinal da abdicação real, a prova de que a Monarquia renunciava aos seus próprios princípios.
22. "Imagine-se a perturbação que produziu nas imaginações populares o súbito desmoronamento de tudo quanto, desde há muitas gerações, era nesta terra o supremo recurso contra a maldade dos homens e a hostilidade das coisas.
23. "O Rei era, para a massa, o pai, junto do qual se ia procurar amparo e abrigo. Sobre ele, através dos séculos, estavam fixos os olhares de todos. Para a sua bondade se apelava contra as exações, contra os impostos, contra os maus ministros.
24. "(...) E eis que o Rei humilha-se, reconhece a suserania da revolta e a santidade da insurreição. E há então, entre o povo de França, um mal-estar e um terror vago que se insinuam nos corações e que obscurecem os espíritos.
O futuro é ameaçador.
25. "Mas, no limiar deste desconhecido, quantos motivos de temor instantes e imediatos! Com fortes abalos desta vez, a França resvala para o abismo. Já não há juízes, já não há exército, já não há leis. Não se sabe quem manda nem quem obedece.
26. "Todos os poderes caem por terra. Em 22 de Julho, o intendente de Paris, Bertier de Sauvigny, um dos grandes administradores do século, é preso em Compiégne, coberto de ultrages, conduzido para Paris, atacado pela populaça e assassinado.
27. "Um soldado rasga-lhe o peito e arranca-lhe o coração. Outro corta-lhe a cabeça e passeia-a na ponta dum pau.
28. "O sogro de Bertier, o conselheiro de Estado Foulon, um ancião de setenta e quatro anos, é preso perto de Fontainebleau, com um colar de cardos ao pescoço e com a boca cheia de feno, arrastam-no para a prisão. Pelo caminho, apoderam-se dele e enforcam-no num lampeão.
29. "No dia seguinte, o tenente da polícia Crosne foge para não sofrer a mesma sorte.
30. "Na província, governadores, intendentes, juízes, comandantes militares, oficiais da administração, da polícia e das finanças ficam aterrados e fogem também. Bem poucos são aqueles que escapam a ameaças e a violências".

Pierre Gaxotte
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