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As Comunidades Terapêuticas estão se tornando cada vez mais central na política de saúde mental brasileira. Na prática, o que isso trouxe foi um retrocesso na reforma psiquiátrica e um retorno a um modelo manicomial, religioso e moral de tratamento.
Não dá pra estabelecer um "início" pro retrocesso na política de saúde mental, visto que os últimos 30 anos foram de constante luta. Apesar da Reforma Psiquiátrica ser consolidada na lei 10.216/2001, a lógica manicomial persiste, assim como os interesses privados de quem a apoia.
O primeiro grande impacto veio ainda no governo Temer, com a destinação massiva de recursos para as comunidades terapêuticas (CTs) e os Hospitais psiquiátricos, através da Resolução nº 32/2017; os serviços substitutivos defendidos pela reforma, tais como o CAPS, foram esquecidos.
A nota da Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME) é bem clara quanto à imposição da resolução, a falta de diálogo com profissionais e sociedade civil.

abrasme.org.br/informativo/vi…
Em 2019, a nota técnica nº 11 do ministério da saúde segue caminho semelhante, como pode ser visto no comunidado da Associação Brasileira de Saúde Mental:
abrasme.org.br/informativo/vi…
Pra quem quiser mais detalhes, essa thread da @pseudoruiva_ tem mais informações sobre a reforma psiquiátrica e as consequências da nota técnica nº 11/2019
No meio de maio, o senado aprovou um antigo projeto do então deputado Osmar Terra (atual ministro da Cidadania).
Entre as mudanças está a possibilidade de internação compulsória de usuários de drogas e incorpora ao SISNAD as comunidades terapêuticas.
www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019…
A última grande bomba da atual gestão foram as mudanças no Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, diminuindo ainda mais a participação da sociedade civil
www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019…
No geral, o que se tem visto nos últimos anos é

1) A diminuição da transparência e da participação pública
2) A destruição da política de drogas baseada na redução de danos
3) O desmonte da reforma psiquiátrica e o investimento em CTs e hospitais.
Mas o que são Comunidades Terapêuticas? De forma resumida, segundo a nota técnica do perfil das CTs brasileiras, do IPEA:
Entretanto, isso é uma definição bastante abstrata do que realmente acontece nas CTs. Na prática, as CTs não se distanciam muito dos manicômios que lutamos muito tempo para acabar.
Para se ter um bom exemplo, o documentário Holocausto Brasileiro (2016) é uma boa forma de entender a que ponto se chegava a desumanização dos hospitais psiquiátricos.
Como é, na prática, o trabalho das comunidades terapêuticas? Sob qual lógica elas trabalham? Quem regula e fiscaliza estas instituições? A realidade é que não há fiscalização recorrente nas quase duas mil comunidades terapêuticas espalhadas pelo Brasil.
Em 2017, o relatório da inspeção nacional em comunidades terapêuticas constatou que um dos princípios da reforma psiquiátrica - o atendimento priorizando a inserção na família, trabalho e comunidade - não era cumprido pelas CTs
As CTs usualmente ficam em espaços isolados, cercados. São espaços de circulação restritas, sendo proibida a livre saída, além do estabelecimento reter documentos, cartões bancários e pertences. Ah, e tentativas de fuga são passíveis de punição.
Essas punições, segundo o relatório, incluem desde advertência oral, suspensão de atividades de lazer até suspensão de alimentação, aumento da laborterapia, isolamento, privação de sono e uso de contenção mecânica (amarras) ou química (medicamentos)
A laborterapia - atividade de trabalho com fins "terapêuticos" - é regra em praticamente todas as CTs. Estima-se que mais de 90% delas fazem uso da laborterapia.
Laborterapia, neste caso, não é o mesmo que profissionalizar os pacienteso. É literalmente fazer o interno trabalhar no território da CT, como na preparação de alimentos, limpeza do local, manutenção, administração de medicamentos, chegando a niveis desumanizadores:
Claro que a laborterapia é uma das práticas historicamente presentes também nas instituições psiquiátricas desde seu surgimento. A laborterapia também foi uma das práticas condenadas pelos princípios da reforma psiquiátrica.
Outra prática comum em comunidades terapêuticas é a prática da espiritualidade. Apesar de não especificar o que significa a prática da espiritualidade, em muitos casos se restringe a atividades religiosas, como orações, e a não participação também pode acarretar punições.
Outros crimes também já foram denunciados em CTs. Em uma comunidade no estado de São Paulo, internas eram medicadas e estupradas.
drive.google.com/file/d/0BzuqMf…
Em março, o @TheInterceptBr publicou uma matéria contando um pouco da rotina e das violações de uma comunidade terapêutica em Minas Gerais. Os relatos incluíam situações de tortura e de trabalho escravo.
theintercept.com/2019/03/10/tra…
Vale lembrar que grande parte das CTs recebem financiamento público de pelo menos uma das esferas do governo. A Resolução nº 32/2017 já aumentava o investimento para CTs, e a gestão atual continua no mesmo ritmo.
brasil.elpais.com/brasil/2019/05…
Entretanto, como a falta de transparência nos dados sobre a eficiência do serviço que justificaria ou não o investimento público
theintercept.com/2019/05/30/com…
E claro, como em todo caso, há pessoas que estão se beneficiando desse tipo de política pública:
theintercept.com/2019/05/16/nov…
A Associação Vitória em Cristo, do pastor Silas Malafaia, por exemplo, é uma entidade que tem no seu guarda-chuva de projetos sociais algumas CTs:
Outro deputado que há anos está relacionado com as CTs é Marco Feliciano (PSC), assim como o ex-senador Magno Malta:
oglobo.globo.com/brasil/comunid…
Claro que são as mesmas pessoas que estão propagando, nos últimos anos, a existência de uma epidemia de crack. Epidemia que o estudo da FIOCRUZ engavetado prova que não existe.
theintercept.com/2019/03/31/est…
Bom, mas então vamos favorecer a iniciativa privada, não? Quero dizer, se o financiamento público não tem dado certo, talvez o sagrado mercado resolva. Vamos pegar o exemplo dos EUA, em que não existe serviços universais de saúde (em inglês):
Não há saída fácil, mas na saúde pública o que vemos é um retorno ao modelo manicomial e higienista. O tratamento moral e religioso tem sido a base da atuação na saúde mental e a perspectiva é de que isso seja cada vez mais intensificado.
Lutar contra essa desumanização dos sujeitos, contra o aprisionamento de pessoas ditas "loucas" ou "vagabundas", contra o apagamento delas, é lutar pela reforma psiquiátrica. É lutar pela manutenção do SUS e dos serviços substitutivos.
Algumas fontes importantes
IPEA - Nota técnica sobre o perfil das Comunidades Terapêuticas brasileiras (2017)
ipea.gov.br/portal/images/…
Relatório de insperação de CTs no estado de São Paulo (2016)
drive.google.com/file/d/0BzuqMf…
Relatório da inspeção nacional em CTs (2017)
site.cfp.org.br/wp-content/upl…
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