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Ontem eu li a coluna da @_pinheira e de novo me peguei pensando no meu pai e nos meus dois avôs.
Não vai ser uma #AulaFio, mas espero que seja instrutivo.

Desculpe, mas este fio não tem GIFs!

interc.pt/358w9M6
Sou neto de lavradores por parte de mãe e meu avô paterno era auxiliar de obras na prefeitura de Leandro Ferreira (a esposa, minha única avó ainda viva, fazia bolos, doces e costura para complementar a renda). Nenhum deles foi além da antiga 4ª Série (atual 5º ano).
Meu pai já fez de tudo um pouco. Lavrador, comerciante, porteiro, segurança, dono de restaurante, e hoje aposentado, por vontade própria, voltou para a lavoura. Enquanto escrevo isto, se não estiver chovendo, ele está na roça.
E eu, o primeiro Almeida a graduar-se na Universidade (e pública de quebra). E logo História. Se tem gente que acha que eu tenho "causo" para contar, é porque nunca chegou perto desta galera que estou mencionando. Eram verdadeiras enciclopédias de causos.
E obvio que queria conversar com eles sobre isto. Principalmente com meus dois avôs. Ambos acompanhavam os noticiários, eram homens informados, críticos. Fui para Minas em 2003 (fim do primeiro semestre da faculdade) cheio de vontade de conversar com os dois.
Chego primeiro no "Sô Nego", pai da minha mãe. Vou com ele consertar uma cerca (nunca fiquei na varanda da casa nas férias, ia para a lida), e começo:
"Vô, o que o senhor lembra da Segunda Guerra?"
e ele: "quase nada, só uma notícia ou outra."
"E do Getúlio? Como era?"
E ele impassível, sem tirar o olho do arame: "Lembro quando ele morreu. Foi dois meses depois do meu pai morrer."
"E do Homem na Lua?"
Nem me olhando, ele respondeu: "Ouvi falar quando fui no armazém."
Com uma nota de desespero, eu mando: "E na época da ditadura?"
E ele me olha nos olhos e manda: "Sobrevivi e criei meus filhos".
E daí ele manda a real:

"Na vida da roça mesmo, a gente não tinha acesso e nem tempo a perder com as notícias. A menos que nos afetassem de maneira óbvia, em geral a gente passava por cima. Não que nos importássemos, mas quem vive lutando para sobrevier tem outras prioridades"
"Eu tinha que pensar em como tirar da terra o nosso sustento, mas quase sempre a terra não ajuda muito, você sabe muito bem disto. Além do mais, jornal era um luxo que eu não podia dispor, muito menos rádio, que só comprei depois que você nasceu."
"Não é motivo de orgulho o que vou lhe dizer, mas eu estava ocupado demais para prestar atenção em coisas como guerras, foguetes ou presidentes enquanto eu não sabia o que colocar na mesa para os meus filhos comerem. Isto não é desculpa e nem argumentação. É constatação."
Engoli seco, e entendi bem o que ele disse, e antes de Jacques LeGoff, aprendi o que são os tais "níveis de cultura".

Mas idiota que sou, fui querer trocar ideia com o "Sô Zé do Guinéu", meu outro avô.
Ali não tinha erro. Ele vivia na cidade, era do sindicato dos servidores (fez muita coisa pelos servidores da cidade). Ali eu achava que ia sair da bad vibe que entrei fazendo cerca .

Pois eu me ferrei!
Quando perguntei sobre organização sindical, ditadura militar, alinhamento político e outras groselhas (naquele contexto, é claro), o Zé do Guinéu já mandou a real (ele era mais lacônico):

"Ninguém ali ligava pra política, pois estudante e político não entendia a nossa luta!"
"Nossa luta era pelo mínimo de dignidade. Era para ter o salário em dia, aumento era luxo. Era para ter ferramenta para trabalhar, vale refeição era luxo. Era para escola na cidade para todo mundo, férias de 30 dias era luxo."
"Quando a gente trabalha com menos que o mínimo, alinhamento político (que é importante sim!), passa a ser luxo. E dai acontece a coisa mais triste: Quem manda tira tudo o que puder de nós, e se a esquerda não toma cuidado, perde a perspectiva e esquece do João ou do Zé."
Aquilo ficou na minha cabeça, e está até hoje. A questão não é de pauta, mas de conexão. Conexão com os anseios, carências e frustrações do povo. Já que falaram tanto do Mano Brown, vou lembrar destes dois homens muito mais sábios do que eu, "Sô Nego e o Sô Zé do Guinéu"
Tão importante quanto a militância político/partidária é conectar-se com estes anseios e lacunas dos que pouco têm. Quem está no poder hoje, finge fazer isto, com uma pauta moralizante que é só fachada. Podemos e precisamos fazer mais neste sentido.
“mas quem vive lutando para sobreviver tem outras prioridades"
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