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Por sugestão do @naopodtocar , vou falar um pouquinho sobre minha experiência com patrimônio histórico. Não pretendo que seja uma #AulaFio, mas só um relato.

Vamos lá...
Eu nasci em Pitangui/MG, sétima vila do ouro, fundado em 1715. Meus pais são de Leandro Ferreira, município vizinho que já foi distrito de Pitangui, e onde me criei.
Quando eu era bem molequinho, meu pai e meu avô trabalhava na abertura de uma estrada que a prefeitura estava realizando para facilitar o acesso à zona rural. Ia todos os dias levar as marmitas deles em uma caminhada de uma meia hora.
Um dia, quando cheguei no local, estava rolando uma baita confusão. O tratador, tinha batido e quebrado algo de cerâmica, que descobriu-se ser duas grandes urnas funerárias indígenas! Eram enormes e tinham alguns ossos e miçangas dentro.
O que foi feito? Bem... os ossos e miçangas foram jogados no Ribeirão próximo. As urnas levadas para a sede do município e usadas como vasos para samambaias, um de cada lado da entrada da igreja matriz. Simples assim. Eu já tinha consciência que era errado, assim como meu pai.
Mas o que poderíamos fazer? Vida que segue... anos depois, fui para São Paulo, estudei e me formei em História pela USP (carteirada). Ainda na graduação, fui ver as urnas, que desde o fim da década de 1990 não eram mais usadas como vasos, mas ficavam expostas.
Ficam até hoje no “Museu do Pe. Libério (figura venerada na região por seus milagres e curas). Muitas vezes servindo de lixo para os romeiros que frequentam o local.
Já em Pitangui, minha relação com o patrimônio era mais distante, pois o casario colonial não era para gente como nós, mas apenas para a elite local. O museu, que ficava na antiga prefeitura, foi fechado quando eu estava nos primeiros anos de escola.
Já falei aqui que Pitangui não valoriza seu papado colonial de fato. O museu foi fechado para restauração, o que durou mais de 30 anos. Eu mesmo nunca tinha entrado nele, nem minha escola realizou qualquer projeto com o seu acervo.
Em 2016, eu e minha esposa fomos para Leandro, promessa de empregos por lá... Ela trabalhando como coordenadora pedagógica, eu em escolas e no conselho municipal de patrimônio, que fazia reuniões mensais para assinarem a ata que não refletia a realidade.
Em 2017, setembro, a sede do Instituto Histórico de Pitangui foi incendiada quando a agência do Banco do Brasil que fica no mesmo prédio foi assaltada e seu cofre explodido. Todo o acervo da biblioteca perdeu-se no incêndio.

em.com.br/app/noticia/ge…
Na época, o relato dos envolvidos era de total descaso da prefeitura e do ministério público em relação ao restante do acervo que foi transferido em parte para um outro imóvel colonial com buracos nas paredes e teto à beira de um riacho. Parte ficou no local do incêndio.
Em maio de 2018, eu comecei a reorganizar o arquivo colonial e notei que os documentos estavam em pessimo Estado, devido à umidade. Limpei as caixas, numerei e identifiquei tudo. Sem receber um tostão. Viajava de carro por mais de 80 km por minha conta.

g1.globo.com/mg/centro-oest…
Mas era identificado como diretor do museu ou museólogo (fiz disciplinas mas não tenho esta formação, como sempre corrigi) por quem era envolvido. Trabalhei assim em maio e junho, quando acabei de limpar e organizar, além de ter escrito uma prévia de descrição documental.
Em outubro, começaram as chuvas e fui lá ver como as coisas andavam, e vi que tinha-se perdido 4 caixas de documentos do século XVIII. Chamei a presidente do IHP e fomos atrás da prefeitura.
E começou um jogo de empurra-empurra de onde ficaria o IHP, de quem era o verdadeiro proprietário do casarão colonial que estava sendo restaurado a quase 30 anos. E então percebi uma coisa...
A prefeitura de Pitangui, não tinha interesse e nem recursos para salvar e administrar o arquivo. Todo o interesse era apenas em pontuar no ICMS Cultural e ganhar verbas do governo Estadual. A política de patrimônio cultural de Pitangui sempre foi sofrível como já falei antes.
Acham que construir cenários equivale a preservar o que está se arruinando. Em Pitangui, existe um grande desprezo por tudo que é velho. Tradições, patrimônio histórico, servemapenas para dar um verniz de civilidade para os que sempre governaram a cidade.

em.com.br/app/noticia/ge…
A diretoria do IHP ficava entre a falta de interesse criar atritos com a prefeitura, pois sua diretoria tinha parentesco com membros do governo local, frequentavam os mesmos ambientes.
E o ministério público não tinha nenhum interesse em se enfiar em um problema que não via como seu. E a população?
A população ignorava tudo isto, pois aquele patrimônio nunca foi visto como seu, apenas da elite da cidade. Como nunca houve um projeto de educação patrimonial e nem de criação de uma identidade histórica na cidade, se amanhã todo o arquivo pegar fogo, a população não sentirá.
Depois de dezembro, vendo que a situação não iria mudar (não mudou até hoje...) resolvi voltar para São Paulo com a minha esposa. Lamento pela situação, mas percebi que tinha chego ao limite do que poderia fazer. Este relato não é de sucesso, mas de um fracasso meu.
Sinto lhes decepcionar, mas hoje um acervo riquíssimo está em uma casa sem nenhuma infraestutura para ser processado, catalogado, digitalizado é disponibilizado para consulta e exposição. É isto.
*trator
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