O que os EUA fizeram ontem é um ato bárbaro, pois: 1) eles mataram um comandante estrangeiro sem julga-lo; 2) eles também não tinham jurisdição para julga-lo e 3) eles não declararam guerra contra o Irã para poderem matar um comandante iraniano em batalha. (segue o fio)
Se a Primeira Guerra Mundial destruiu o conceito de *guerra justa* e, praticamente, criou a guerra total, onde populações e cidades se tornaram alvos, nem mesmo a tragédia da Segunda Guerra mudou isso. Hoje, temos a guerra líquida.
Os EUA misturaram quase completamente sua política externa com a guerra, o que parece muito moderno, mas é apenas uma volta ao passado remoto que o direito antigo qualificava como "ato bárbaro" e revela as raízes profundas da América e, antes dela, dos próprios ingleses.
Do ponto de vista estratégico, isso empurra os adversários estratégicos americanos para um permanente, custoso e espartano estado de defesa, o que favorece os lineamentos mais autoritários dos seus regimes e governos. Vide como Gadafi foi morto ao abrir seu regime.
Muitos dos liberais que criticaram o ataque de ontem são os mesmos que condenam a Coreia do Norte, como se ela fosse um regime fechado apenas pela vontade de seus líderes, não pela singela razão de que está sob cerco americano há quase 70 anos.
É claro, quando os EUA cercam país e o levam a um estado de defesa permanente, isso favorece lideranças mais autoritárias, que tendem a cometer excessos. E a mídia americana faz a segunda parte: expõe esse fenômeno como se fosse a causa cerco e não efeito dele.
Como em sã consciência um líder de uma nação cercada pelos EUA pode depor armas para negociar se, do outro lado, obviamente Washington não o fará? Ou você acha que os EUA abrirão mão de suas armas atômicas se a Coreia do Norte o fizer?
Diante disso, o Irã errou ontem ao ser ingênuo ao ponto de fazer uma reunião dessas de forma presencial num Iraque conflagrado. Errou porque se expôs a um adversário bárbaro. E é isso que é a maior potência mundial, seu imperialismo líquido e sua guerra total.
França e Inglaterra quando disputavam a hegemonia mundial cometeram atos quetais, o que revela as próprias origens bárbaras de ambos, mas tinham um sentido outro em direção à História. O mesmo pode se dizer dos soviéticos. A proximidade dos três em relação ao mito de Roma ajudava
A diferença é que os EUA criaram, com as bençãos da elite mundial, uma economia imperial que funciona. Nisso reproduziram Roma, que jamais conseguiu constituir-se civilizada e, até mesmo, funcional, do ponto de vista econômico.
O Império Persa do qual deriva o moderno Irã, ao contrário, foi uma civilização luminosa para seu tempo. E mesmo carcomido por invasões e fanatismo ao longo do tempo, ele conserva algo de seu passado.
E do outro lado, os EUA estão chegando em um ponto de saturação do seu modelo, o que se revela na enorme crise política que atravessa o país. Impérios nunca acabam bem, mas podem acabar de formas piores ou nem tão ruins.
A única esperança de que os EUA não esperneiem levando o mundo para uma espiral de guerra total não-declarada seria, talvez, a eleição de um Bernie Sanders. De resto, isso parece ser um processo inevitável.
E a chave para isso é saber para onde vão os Rics, nada de Brics, o Brasil não conta. E mais do que isso para onde vai a União Europeia. Nada disso é animador, amiguinho.
