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Quero fazer neste início de domingo uma breve reflexão sobre o que vou denominar de "mansidão popular" que parece tomar grande parte da população brasileira, incluindo suas organizações de representação
1) Há uma série de pesquisas recentes que indicam um hiperindividualismo e comunitarismo da massa da população brasileira. Valorizam a família, o círculo mais íntimo de amizades e instituições que os apoiam diretamente em momentos de sufoco (igrejas e bombeiros)
2) no caso das expectativas de futuro, parece ocorrer uma crença cega que a vida tem que melhorar, mas não por ação coletiva, mas por iniciativa e esforço pessoal. Esta é a conclusão de recentes pesquisas sobre confiança nas nossas instituições e a realizada nas favelas
3) não podemos afirmar que a população brasileira é estruturalmente mansa ou apática. Temos casos e casos na nossa história que revelam revoltas, rebeliões e protestos com multidões. Mas há certo traço de "carnavalização da política", termos empregado por Boaventura Santos
4) por carnavalização, Boaventura sugeria a projeção do que os brasileiros fazem durante o carnaval (que se avizinha): transgridem por alguns dias, mas sem romper com a ordem. Na verdade, é algo mais complexo. A ordem, nestes dias, parece "dilatada" e suas fronteiras se espandem
5) uma espécie de acordo tácito em relação à moral vigente: os foliões sabem que naquele período é possível ir além e as instituições recuam na observação de algumas regras de comportamento. Uma espécie de "Noite de Crime" tupiniquim
6) se transpormos o que ocorre durante o carnaval para as recentes protestos de massa no Brasil, temos um paralelo não totalmente similar. De um lado, as manifestações nunca atingem o campo institucional. Uma ocupação das ruas para logo mais retornar às suas casas
7) de outro lado, uma repressão desmedida das PMs, esse órgão de repressão pouco eficaz no combate aos crimes, mas cada vez mais preparado para dispersar e intimidar mobilizações de cidadãos
8) Suponho que a este cenário, se somem as frustrações de quem imaginou que seria realmente inserido pelo consumo e valorizado pelo que é (e compra) e, agora, percebe que retornou à vida sem futuro. Ora, ninguém sofre sem perspectiva e continua com saúde mental
9) Assim, para viver na frustração é preciso criar uma utopia. E esta utopia tem que ter relação, ao menos algum vínculo narrativo, com a vida atual. Caso contrário, se torna um salto no escuro, um discurso messiânico desesperado. Mas, não é isso que se vê nas periferias
10) que se vê nas periferias é um otimismo escrachado. Algo que perpassa o funk, o vestuário dos morros, o discurso positivo e acolhedor das igrejas evangélicas. Não se trata de desespero, mas algo parecido com orgulho e projeção deste orgulho
11) é daí que me parece que surge o individualismo exacerbado e a aparente passividade das massas no Brasil, neste momento. Primeiro, um orgulho dos iguais, dos excluídos, que se separa de tudo o que tem a ver com as promessas não realizadas dos poderosos
12) segundo, este orgulho ressentido, gera grande rejeição das instituições e promessas dos representantes políticos de sempre. E um fechamento em núcleos familiares ou de agentes sociais que estão o tempo todo presentes na sua vida e se revelaram efetivamente solidários
13) presença é algo importantíssimo no trabalho pastoral e missionário. Tem lastro na parábola do Bom Pastor. O que faz da presença missionária um elemento da história religiosa ou espiritual do brasileiro
14) Termino esta breve digressão sugerindo que esta "mansidão" popular se baseia numa revolta surda, acanhada, não explosiva. Ela se movimenta nos pequenos espaços de convivência social e se alia aos próximos, aos que estão sempre presentes em sua vida
15) a "mansidão" é desinstitucionalizada, é comunitarista, fechada. Não dialoga com a sociedade. Dialoga com os frustrados e excluídos que possuem forte identidade com a sua própria história
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