Thread by @lucasmafaldo

Ontem eu fiz uma thread explicando como fazer para evitar que as redes sociais puxem sua inteligência para baixo.

Hoje vou complementar o trabalho e explicar como pensar com MAIS eficiência: graus de confiança e cenários.

E ainda segue um bônus: estudo de caso com o corona.

Não vou repetir aqui o conteúdo de ontem, mas é preciso avisar: isso só funciona se você não estiver desregulado emocionalmente ou preso demais a um grupo.

Porém, mesmo depois de se livrar disso, você pode ainda cair em uma armadilha: querer ter certezas demais.

É preciso ter equilíbrio em tudo na vida -- incluindo na quantidade de certezas.

Não é saudável viver hesitando e duvidando de tudo, mas é igualmente errado ter convicções absolutas sobre todas as coisas. A dúvida paralisa e a certeza nos cega.

Felizmente, existe um meio-termo.

No mundo dos formadores de opinião, temos um excesso de certezas. Para parecer mais importante, o sujeito começa a emitir vaticínios definitivos: "pode anotar que vai acontecer x".

O objetivo dessa postura é criar uma reputação de autoridade e virar referência.

Porém, quando eu vejo esse tipo de postura, um alerta é imediatamente ativado na minha mente: se o sujeito está mais preocupado mais com sua imagem social do que com a verdade, ele não é um bom guia.

Eu não quero um médico que me diagnostica em dois segundos com confiança...

... total. Eu prefiro o médico que considera várias hipóteses e faz uma série de testes para ver qual é a mais provável -- e que muda a direção quando o tratamento não dar os resultados esperados.

O segredo, portanto, não é tentar cultivar imagem de profeta -- o que ninguém é...

-- mas sim, ter sempre vários cenários em mente e atribuir pesos diferentes a cada uma das opções.

Por exemplo, em vez de você dizer: "é impossível Bolsonaro sofrer impeachment", é melhor dizer: "eu acho que há x% de probabilidade de Bolsonaro sofrer impeachment".

Obviamente, você não precisa usar um número exato (o que seria impossível). Basta fazer uma análise qualitativa e pensar nos argumentos em favor de cada cenário.

Depois que você fizer esse exercício, você terá inúmeras vantagens:

1 - Nada lhe surpreenderá demais....

... porque todos os cenários principais já estavam em sua mente.

2 - Quando alguém discordar de você, em vez de ficar irritado, você pode aproveitar essa oportunidade para conseguir mais informações para cada cenário.

3 - E, principalmente, você pode se PREVENIR...

... dos cenários mais negativos.

Obviamente, ter esse tipo de nuance não funciona bem em uma cultura voltada para lacradas -- mas isso evita que você quebre a cara.

Inúmeros dos influenciadores atuais que agora estão em pânico com o coronavírus estavam há dois meses...

... dizendo o contrário.

Obviamente, não há problema em mudar de opinião. Porém, se eles tinham tanta certeza no momento anterior, era necessário agora fazer um mea culpa, admitir que seus modelos mentais estavam errados e criar novas explicações.

Em vezes disso, alguns tomam a atitude desonrada: apagaram tweets antigos e fizeram de conta que nada aconteceu.

Agora vejam o que eu falei lá em janeiro sobre o assunto (0 tweets apagados, aliás): eu disse que há vários cenários possíveis sobre o corona, alguns...

... mais leves e outros mais pesados. Tendo esses cenários em mente, fui atualizando a confiança em cada cenário com as novas informações que vinham chegando.

(Ainda estou fazendo isso, aliás.)

Creio que meu modelo funcionou bem e previu muito do que aconteceu até agora: (i) crise internacional causada pelo crescimento acelerado de casos; (ii) capacidade de reação forte restrita a alguns países asiáticos; (iii) demora de ação dos EUA seguida de resposta firme, etc.

Olhando para os dois últimos dois meses, só encontrei uma falha séria no meu modelo: achei que a economia internacional era mais sólida. Pensei que a crise das cadeias produtivas demoraria mais chegar. A alavancagem atual nos deixou frágeis.

Tirando isso, fui fazendo vários ajustes menores ao longo da semana e continuo atualizando meus modelos. Por isso, em vez de entrar em pânico ou ficar tranquilo, vou flutuando em níveis de otimismo e pessimismo ao longo do tempo.

Recomendo isso para todos: troquem as certezas por dois ou três cenários básicos (um positivo, um médio e um negativo) e pensem nas razões para acreditar em A, B ou C.

Depois, veja que tipo de informação vai aumentar sua confiança em cada um deles.

Por fim, pense em como se..

... se proteger e aproveitar os cenários mais prováveis (levando em conta sempre os riscos e oportunidades não-lineares).

Depois dou uma atualizada nos meus modelos do corona para dar um exemplo mais concreto.