Thread by @lucasmafaldo

Nos últimos dias, ganhou força aqui no twitter o argumento de que a recusa de Bolsonaro em instaurar uma quarentena total é equivalente a um genocídio -- uma levantada de bola que Ciro já cortou, falando que vai levá-lo ao Tribunal de Haia.

O argumento é, na verdade, muito...

... parecido com o que está rolando no debate americano: a imprensa progressista está acusando Trump de ter perdido seis semanas cruciais no combate ao coronavírus.

Quem me acompanha sabe que eu fui um dos primeiros a defender medidas duras contra o coronavírus, mas...

... o que me espanta nisso tudo não é o vírus, mas uma imensa falsificação da nossa história imediata.

Quem ouve agora a indignação atual dos nossos influenciadores não imagina que há seis semanas eles estavam defendendo EXATAMENTE O CONTRÁRIO do que...

... defendem agora.

Eu lembro muito bem que a gente chique aqui da internet estava repetindo exatamente o que a imprensa progressista estava dizendo: (i) não era preciso se preocupar com o coronavírus porque a gripe é pior; (ii) não compre máscaras, porque isso é paranóia e...

... e não funciona; (iii) os custos da quarentena chinesa são muito maiores do que os benefícios de saúde; (iv) e, é claro, o maior risco do momento é sermos preconceituosos com os chineses.

Tanto a grande mídia progressista (Vox, Atlantic), quanto as autoridades de saúde e...

... os influenciadores que importam isso para o Brasil passaram quase dois meses repetindo esse mesmo discurso.

Ou seja, a combinação de "sinalização de virtude" e "confiança nos especialistas" foi exatamente o que deixou o ocidente despreparado para lidar com o vírus chinês.

Na época, eu mesmo defendi repetidas vezes que fossem tomadas medidas duras de contenção.

Eu fiz isso porque naquele momento não era preciso fazer cálculo de custo-benefício: era mais do que óbvio que fechar as fronteiras por algumas semanas era um seguro barato para evitar...

... um risco potencialmente catastrófico.

A opinião pública, no entanto, só reagiu quando Trump voltou atrás da sua posição mais rígida e SEGUIU os especialistas, minimizando o vírus.

Perdeu-se então mais uma semana quando Boris Johnson anunciou que a estratégia britânica...

... seria inteiramente preparada pelos técnicos.

Foi só em março que a opinião pública realmente acordou para a ameaça do vírus e passou a exigir medidas duras de contenção.

Porém, a dura verdade é que as CONDIÇÕES CONCRETAS mudaram totalmente.

O mundo inteiro está agora com contaminação comunitária. Ou seja, as fronteiras que precisam ser fechadas agora não é mais entre países, mas entre todas as famílias e seus ambientes de trabalho.

O custo de uma quarentena total aumentou enormemente.

Como o @alencaramatos escreveu ontem, não é "bolsonarismo" perceber que o contexto mudou. O vírus continua o mesmo, mas o custo da quarentena agora também tem efeitos não-lineares.

Nas próximas semanas, o setor privado vai começar a quebrar e o setor informal vai começar a...

... passar fome. Só hoje recebi vários relatos de pessoas depressivas, com pensamentos suicidas, preocupações com saques, relatos de trabalhadores informais com medo dos filhos passarem fome.

Quem é de classe média para cima e tem emprego público está razoavelmente isolado...

... porque tem poupança e cartão de crédito. Isso não é a realidade da maioria da população. Fechar as lotéricas é condenar uma parcela da população ao desespero. O dinheiro vivo e pagamentos apalavrados movimentam uma parte enorme da nossa economia.

Pacotes econômicos podem dar uma ajuda, mas o Brasil simplesmente não tem rede de seguridade social capaz de segurar essa bomba. Não está claro nem que países ricos tenham. Aqui já começaram as demissões.

A verdade é que passividade de janeiro já está cobrando o preço --

-- passividade, aliás, recomendada pelas autoridades científicas e repetidas pela imprensa progressista, não custa lembrar.

Se os governantes atuais têm alguma culpa, foi a de não terem ignorado o consenso atual e fechado as fronteiras em janeiro. Porém, a verdade...

... é que a opinião pública os deixou de mãos atadas: em janeiro, isso era racismo e autoritarismo (ironicamente, agora é a China que quer fechar suas fronteiras para se proteger da nossa população infectada).

E agora, a mesma opinião pública quer condená-los por não...

... tomar medidas muito mais autoritárias que lançariam o país em uma espiral de caos social e econômico do qual talvez não se recuperaria.

Vejam que isso não é ser economicista ou "cabeça de planilha": é entender a realidade concreta do contexto.

Eu entendo as críticas à comunicação do governo, mas culpar Bolsonaro por essa situação é tomá-lo como bode expiatório: é dirigir a raiva para uma figura que NÃO causou o problema, esperando que o sacrifício provoque uma solução mágica.

Trocar de presidente mudaria apenas o..

... estilo de comunicação. O problema continuará sério e o estado brasileiro continuará igualmente incapaz de fornecer boas soluções.

Ou você acha que Dória, Ciro, Lula e Maia possuem o segredo de trabalhar juntos para multiplicar ventiladores e arrecadar bilhões de reais?

Sem falar que o processo de impeachment paralisaria o Brasil por um ano -- tempo mais do que suficiente para o vírus percorrer a sociedade inteira. O único método rápido de remover Bolsonaro é por meio de uma aliança exército-STF-Maia para dar um golpe disfarçado.

Vocês acham...

... que esse novo governo duraria quantos dias? E por que isso seria uma evolução em relação à situação atual? Quantos brasileiros apoiariam o novo governo? Quantos sairiam de casa para derrubá-lo?

Tirando a Janaína, ninguém é maluco o suficiente para achar que isso daria certo.

Tudo isso que eu escrevo, aliás, nasce de uma preocupação por pessoas de carne e osso. Há dois meses, estava pensando em quantas perderia para o vírus. Hoje, vi que talvez perca algumas para a quarentena.

O debate não é entre dinheiro e vida. É perda de vida dos dois lados.