Bom dia. Retomo o fio sobre o neopetismo, a queda de qualidade das direções petistas contemporâneas e a permanência do PT como partido âncora do sistema partidário brasileiro. Segue o fio.
1) No fio de ontem, procurei retratar como as direções petistas foram se afastando do projeto socialista, se tornaram pragmáticas e parlamentarizadas, perderam o foco na mudança da sociedade e na disputa de valores, se acomodando ao status quo e, daí, subordinadas ao marketing
2) Uma das características desta mudança profunda no perfil das direções petistas é a acelerada transição para o que a literatura especializada denomina de "partido cartel". Trata-se de partido que independe do eleitor ou da base social, vivendo dos recursos públicos
3) Em outras palavras, o partido cartel profissionaliza seus quadros a partir de cargos comissionados; alimenta seus prefeitos com emendas parlamentares ou conquista de convênios com o Estado; faz campanha com fundos eleitorais... enfim, a relação com a base social é efêmera
4) Como já afirmei ontem, a base petista (ou neopetista) que se forjou nos anos de gestão lulista se acomodou e até mesmo alimentou esta transformação do PT num partido tradicional. Com baixa formação política e acostumada com vitórias e o poder, passou a refutar todas críticas
5) Ao ouvirem a trajetória de mudança organizativa e de mecanismos internos de tomada de decisão no PT, os neopetistas acusam de saudosismo. O que levaria, assim, à extinção de todo estudo histórico. Outro argumento raso é que se não tivessem mudado, não venceriam eleições
6) O problema é que as derrotas eleitorais, para os neopetistas, não são fruto de erro de direção ou partidário, mas resultado de uma campanha de destruição da imagem do partido. A lógica circular vem empacando o PT: nada muda, nada deve mudar, se alguém tem que mudar é o mundo
7) Durkheim já havia nos ensinado como a solidariedade mecânica (de natureza grupal) é autorreferente. Fechada em relações afetivas e defensivas, qualquer crítica ao grupo ou membro do grupo cria um fechamento ainda maior dos seus membros. A bolha, enfim, é seu habitat
8) Mas, mesmo assim, o PT se mantém como partido-líder ou partido-âncora do sistema partidário. Vejamos: Datafolha de 2017 indicava o partido como o de preferência de 21% dos eleitores. No ano passado, pesquisa do Atlas Política indicava se manter nesta posição (com 15%)
9) Tendo 21% ou 15% da preferência dos eleitores brasileiros, o fato é que o segundo partido da preferência aparece com 5%. Mais: o PT é o único partido que, desde 1989, chegou no segundo turno (quando ocorreu) de todas eleições para Presidente da República.
10) Ainda mais: com Haddad - um candidato sem força eleitoral até mesmo na cidade em que foi prefeito - o PT venceu na maioria dos municípios brasileiros em 2018. Demonstrou, portanto, capilaridade e interiorização. Uma potência eleitoral consolidada.
11) Assim, PT é o partido mais consolidado e enraizado do sistema partidário brasileiro. Sistema, é verdade, que vem demonstrando fortes rachaduras, com cada vez menor impacto junto ao eleitorado. Então, o que estaria acontecendo? Minha hipótese é: PT se acomodou
12) Como um camaleão, de partido rebelde se tornou um partido da Ordem. O passado lhe confere um perfil de aguerrido; os governos lulistas criaram a imagem de partido com preocupação social; mas, na sua definição estratégica, não é mais um partido da mudança social ou política
13) Acomodado, criou regras e controles internos que impedem a renovação de quadros e limitam drasticamente a disputa no seu interior. Daí ter se tornado mais um partido de "cabeça branca".
14) Assim, PT se tornou a expressão viva do sistema partidário brasileiro. Um partido potente porque acomodado ao ideário conservador e pragmático de uma base eleitoral desconfiada e pouco exigente (que deseja sobreviver e se inserir numa sociedade profundamente desigual).
15) Um alto dirigente petista me disse recentemente que percebe que PT tem garantido entre 20% e 30% dos votos nacionais. Tem força eleitoral, mas não gera mais paixões. Não é mais o partido da mudança. Esta é a minha tese. (FIM)
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Prometi um fio sobre o neopestismo e o paradoxo entre o PT ter as piores direções de sua história e se manter como principal partido do sistema político nacional. Segue uma análise sobre este paradoxo
1) Começo explicando o que denomino de neopetismo. Trata-se da geração que emerge à direção do PT (e dos filiados) do pós-2002, ou seja, com o advento do lulismo. Gente que não vivenciou o período de adversidades e ataques da construção de um partido que se definiu socialista
2) Em relação aos dirigentes neopetistas, seu perfil passou a ser pragmático, marcado pela lógica rebaixada do marketing (que não se propõe a disputar, mas meramente absorver o ideário popular, mesmo que contrário à linha partidária) e "parlamentarizada"
Farei um breve comentário sobre a avaliação IBOPE sobre avaliação dos cidadãos de Belo Horizonte sobre os governos Bolsonaro, Zema e Kalil. Segue microfio
1) 74% dos moradores de BH aprovam o governo de Alexandre Kalil. O que Kalil tem de tão especial? Ele fez uma composição no governo que foi clássica no governo Sarney: nas políticas sociais, se apoiou na esquerda; em outras áreas, no centro. E assumiu uma postura firme e franca
2) Sobre o governador Zema: 33% de avaliação positiva e 26% de negativa. 37% acham sua gestão razoável. Uma avaliação que indica um governo morno, mais para medíocre (que está no meio, regular). Tem relação com a imagem simplória que ele plantou
Hoje, vários postaram aqui um questionamento a partir deste virtual apoio do PT à candidatura Boulos/Erudina. A questão foi: o PSOL não teria que fazer o mesmo gesto em relação às candidaturas petistas com mais intenção de votos? Vou tentar fazer uma ponderação a respeito:
1) Toda aliança das esquerdas é positiva. O caso mais emblemático, neste momento, é o de Portugal. O PS português, que por anos se aliou com o centro e centro-direita, após a prisão do ex-primeiro ministro Sócrates, deu uma guinada à esquerda e se aliou ao Bloco de Esquerda
2) A aliança PS (meio PT de Portugal) com Bloco de Esquerda (meio PSOL de lá) gerou um potente governo português com imenso sucesso, denominada de Geringonça.
Finalmente, a direção do PT SP decidiu ser direção. Não há como sustentar uma candidatura com 1% de intenção de votos. É destruir a biografia do candidato, é diminuir as chances dos candidatos a vereador, é ignorar o recado popular. Apoiar Boulos/Erundina é fortalecer a esquerda
Mais que isso: é demonstrar inteligência política e se revelar simpático aos olhos de grande parte do eleitorado progressista de São Paulo, que gira ao redor de 30% (concentrado, em especial, nas periferias sul e leste da cidade).
Que este desastre deixe a lição de como decisões protocolares, autorreferentes, sem consulta ou olhar sobre o mundo fora da bolha da burocracia partidária, destrói qualquer agremiação política, por mais lastro que tenha, porque a política não está na direção. Está nas ruas.
Bom dia. Prometi fazer um fio sobre os fanatismos políticos que assolam o Brasil. Serão 3 fanatismos que tentarei analisar: os "camisa de força", os "sossega leão" e os "psicanalista, já!". Segue o fio
1) Comecemos pela definição do que entendo ser fanatismo político. São aqueles que, a partir de uma ideia-força simplista, interditam qualquer dúvida. A dúvida destrói a crença e, portanto, é sinal do demônio, como o riso era vistos, na Idade Média, como obra de Lúcifer
2) A interdição da dúvida tem o efeito, para o fanático, de impedir que a realidade se imponha, destruindo a construção de seu mundo paralelo. Como se percebe, o fanatismo tem relação com um trauma ou profundo medo que o joga num armário escuro, quente e acolhedor
Boa tarde. Prometi um fio sobre a necessidade de enraizamento de candidatos a cargos majoritários ou não passarão de celebridades. Então, lá vai.
1) Zygmunt Bauman é o autor que alertou para o mundo das celebridades efêmeras que o século XXI gerou e, muitas vezes, substitui a liderança social. Para o autor: "as celebridades do nosso tempo são pessoas comuns que são percebidas como pessoas comuns"blogacritica.blogspot.com/2014/10/conver…
2) Mais: para Bauman, "a sociedade de consumo cria a demanda por celebridades, e reconstrói o sistema de estrelas." Moro, Ciro Gomes e Luciano Huck são projetos de liderança que não conseguem romper com a tarja de celebridades. Mas, o que são lideranças sociais ou políticas?