Aproveitando que amanhã (21/10/2020), será lançada a Diretriz 2020 da American Heart Association sobre Ressuscitação Cardiopulmonar (RCP), ou, para os mais íntimos, o ACLS 2020, convido-os a contemplar “a desconhecida do Sena” e um pouco da história do ACLS.
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Uma jovem senhorita havia se mudado do interior para Paris no final do século XIX. A lenda diz que ela se apaixonou, mas não fora correspondida.
Foi encontrada morta, boiando nas águas do rio Sena, com um sorriso sereno e enigmático.
O enigma da história de vida e da causa da morte da “desconhecida do Sena” permanece até hoje. Mas, seu rosto é conhecido mundialmente, e garanto que meus colegas profissionais da saúde a conhecem.
A desconhecida do Sena é o rosto da Resusci Anne, o manequim de simulação médica.
A Resusci Anne nasceu em 1960, e mudou no decorrer das décadas e, até hoje, já treinou mais de 400 milhões de pessoas ao redor do mundo.
Em 1972, Leonard Cobb lança o Medic II, o primeiro treinamento de RCP para cidadãos.
E em 1975, nasce o 1º ACLS.
O ACLS mudou muito no decorrer dos anos. Em 1980, por exemplo, não se sabia que as mortes súbitas eram causadas por arritmias ventriculares. O protocolo de atendimento era ABC (airway, breathing, circulation), dando importância às vias aéreas.
A importância da via aérea era tamanha que era permitido interromper as compressões torácicas para intubar o paciente, um erro gravíssimo, à luz do conhecimento que temos hoje (se você conhece um médico que ainda faz isso, favor informar que está 40 anos atrasado).
Em 1989, meu querido professor Bayés de Luna (com quem fiz fellow em Barcelona), mudou a história da RCP ao demonstrar que 80 a 90% das paradas extra-hospitalares ocorrem por arritmias ventriculares.
Não fazia sentido dar tanta importância às vias aéreas. Urgente era desfibrilar.
E o ACLS de 1992 trouxe essa novidade: o ABC continuava, mas a desfibrilação precoce já fazia parte do protocolo. Naquela época, aliás, eram realizadas até 3 desfibrilações seguidas.
Hoje realizamos uma desfibrilação seguida de 2 minutos de compressões, para novamente checar o ritmo, e repetir o processo caso seja necessário.
A desfibrilação precoce é um dos tratamentos mais efetivos de toda a Medicina, com um NNT de 2,5.
O ACLS salva vidas.
PS: Uma pequena lembrança desse que é um dos meus maiores mestres e mentores: Antoni Bayés de Luna.
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Se eu puder dar um só conselho aos meus colegas médicos, o conselho é:
PAREM DE SE BASEAR APENAS NO SUPRA DE ST PARA DAR DIAGNÓSTICO DE INFARTO COM SUPRA.
Ué, como assim? Vem comigo no fio mais importante da semana. 🧵
Camada 1 do problema: você precisa saber que a oclusão coronária aguda (OCA) é um evento dinâmico e sua análise também é dinâmica. Quem nos ensinou isso foram Birnbaum e Sclarovsky, que elaboraram os graus que levam seu nome.
O primeiro grau de isquemia de Birnbaum-Sclarovsky é o da onda T hiperaguda (ampla, simétrica e de base larga, como na figura).
Uns pacientes podem ter infarto apenas com onda T hiperaguda. Outros podem evoluir para os graus 2 e 3, e demonstrarem o supra clássico.
- Buscar e corrigir as causas secundárias da parada
No PALS, houve sim mudanças importantes:
- Para ventilações de resgate em crianças com parada respiratória e para ventilações por via aérea avançada em parada cardiorrespiratória, a taxa de ventilações é 1 a cada 2 a 3 s (antes a cada 3 a 5 s e a cada 6 s, respectivamente).
A interpretação de resultados de testes em Medicina é muito mais complexa que o vigente sistema de “exame positivo = presença de doença”.
- Muitas vezes o exame testa algo indireto sobre doença, não a doença em si;
- Testes podem ser falsos.
Vejamos o caso da Dona Rosa. 🧵
Certa manhã, Dona Rosa assistiu na televisão um “importante médico” falando sobre um teste de screening. Como ela se encaixava no perfil citado pelo médico, decidiu fazer o teste.
E foi positivo. O teste tem 97% de sensibilidade e 64,5% de especificidade.
Definições:
Sensibilidade é a capacidade de detectar resultados positivos entre quem tem alteração.
Especificidade é a capacidade de detectar resultados negativos entre quem não tem.
Dona Rosa tem alteração ou não? Perceba, ela estava em casa assistindo TV.
Desde os conceitos de “sensibilidade e especificidade” até a análise do valor de p em pesquisas. Todos são interpretados de maneira determinista pela maioria.
Não somos ensinados a seguir o raciocínio bayesiano. Segue mais esse fio.
Ainda na graduação, somos introduzidos aos conceitos de “sensibilidade” e “especificidade”.
- Sensibilidade: capacidade de um teste de dar verdadeiros positivos entre os doentes.
- Especificidade: capacidade de um teste de dar verdadeiros negativos entre quem não tem a doença.
Imagine uma doença com 70% de sensibilidade (30% de falsos negativos entre quem tem a doença).
Se uma pessoa faz o teste e ele é negativo, existe 30% de chance de ser falso?
Resposta: NÃO. Perceba que troquei a palavra “doente” por “pessoa”. É aí que mora o bayesianismo.
A Aspirina não reduz em 100% a mortalidade do Infarto. Na Medicina, não existe medicamento assim.
No ISIS-2, a Aspirina reduziu a mortalidade de 11.8% a 9.4%.
Você é médico, analisou exames hoje e não se perguntou “será que eles são verdadeiros”?
Ou é paciente, e acredita em todo e qualquer exame que recebe?
Então, vamos ver o que ocorre no caso da Dona Joana, paciente hipotética mas com um caso muito rotineiro: ela desmaiou.
Dona Joana é diabética e controla bem com um remédio. Começou a se sentir mal no salão de beleza (náuseas, suor frio, até mesmo vomitou) e desmaiou em seguida. Acordou no hospital, com todas suas funções preservadas.
No hospital, lhe pediram vários exames, entre eles troponina.
A troponina é um exame que tem poder de desencadear uma cascata de eventos que culmina no implante do stent.
Na investigação da síncope, a troponina tem papel limitado, porque pode confundir os menos experientes. Também é limitado o USG de carótidas (assunto pra outra thread).