Se eu puder dar um só conselho aos meus colegas médicos, o conselho é:
PAREM DE SE BASEAR APENAS NO SUPRA DE ST PARA DAR DIAGNÓSTICO DE INFARTO COM SUPRA.
Ué, como assim? Vem comigo no fio mais importante da semana. 🧵
Camada 1 do problema: você precisa saber que a oclusão coronária aguda (OCA) é um evento dinâmico e sua análise também é dinâmica. Quem nos ensinou isso foram Birnbaum e Sclarovsky, que elaboraram os graus que levam seu nome.
O primeiro grau de isquemia de Birnbaum-Sclarovsky é o da onda T hiperaguda (ampla, simétrica e de base larga, como na figura).
Uns pacientes podem ter infarto apenas com onda T hiperaguda. Outros podem evoluir para os graus 2 e 3, e demonstrarem o supra clássico.
Apenas para enfatizar o que eu falo sempre aqui, revise os graus de Birnbaum-Sclarovsky e me diga onde estão as ondas T negativas de isquemia sub-epicárdica?
Pois é. Em lugar nenhum. Porque elas não significam isquemia aguda. Já falei disso várias vezes (reveja meu feed).
Camada 2 do problema: sério que você acha que todas as pessoas do mundo são obrigadas a respeitar os critérios de supra da diretriz?
Há grandes estudos para definir o valor de normalidade do nível do ST nos diferentes sexos e idades. A diretriz é só uma simplificação disso.
Até a amplitude do QRS e a artéria ocluída interferem nisso.
É por isso que por volta de 30% dos casos classificados como infarto SEM supra de ST têm, na verdade, uma coronária agudamente ocluída (a Cx chega a valores de 60% de falsos-positivos).
Camada 3 do problema: médicos discordam sobre o supra de ST. Por incrível que pareça, a concordância inter-observador para detectar supra de ST é de 33%. Muitos nem sabem onde medir.
Piora a situação a existência de uma lenda urbana que fala que “supra feliz” não é isquêmico.
Camada 4 do problema: o nome “infarto com supra” é um obstáculo cognitivo ao diagnóstico correto. Se chamássemos de “oclusão coronária aguda” ao invés, talvez a onda T hiper-aguda fosse mais conhecida. Ou as pessoas parariam de se ater tanto ao valor do supra.
Como evitar falsos-negativos de oclusões coronárias agudas:
- Conheça a onda T hiper-aguda
- Saiba que a diretriz é uma simplificação de vários estudos. Seja sensível e não descarte um supra apenas porque não tem X mm de desnível
- Mande para o CATE pessoas com dor refratária
Tudo isso está bem descrito em meu livro, o Manual de ECG (exceto a figura da lenda urbana do “supra feliz”, lógico - esse erro você só encontra no concorrente).
Observação: esse fio foi motivado por mais um caso de paciente que evoluiu para parada cardiorrespiratória porque o ECG estava “normal” - na verdade já tinha T hiperaguda. Me mostraram o ECG apenas após o desfecho.
Uma pena.
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Não importa o que disseram o Ministro e o Presidente,
O tal estudo com Nitazoxamida/Annita foi NEGATIVO (não se comprovou eficácia do medicamento contra COVID-19).
Segue o fio que explico:
- “Responda apenas o que foi perguntado”.
O estudo tem um objetivo primário (e foi pra isso que foi desenhado) - saber se Annita resolve os sintomas de tosse, febre e fadiga em comparação ao placebo em 5 d.
E esse resultado foi similar entre os grupos, sendo portanto, negativo
Já o PCR foi estatisticamente mais negativo no grupo Annita.
O que significa isso?
Resposta: não muita coisa. Porque: uma pessoa pode ter PCR negativo e mesmo assim ter COVID-19 (lembrando que 30% das pessoas com COVID têm PCR falso-negativos - sensibilidade 70%).
- Buscar e corrigir as causas secundárias da parada
No PALS, houve sim mudanças importantes:
- Para ventilações de resgate em crianças com parada respiratória e para ventilações por via aérea avançada em parada cardiorrespiratória, a taxa de ventilações é 1 a cada 2 a 3 s (antes a cada 3 a 5 s e a cada 6 s, respectivamente).
Aproveitando que amanhã (21/10/2020), será lançada a Diretriz 2020 da American Heart Association sobre Ressuscitação Cardiopulmonar (RCP), ou, para os mais íntimos, o ACLS 2020, convido-os a contemplar “a desconhecida do Sena” e um pouco da história do ACLS.
🧵💙
Uma jovem senhorita havia se mudado do interior para Paris no final do século XIX. A lenda diz que ela se apaixonou, mas não fora correspondida.
Foi encontrada morta, boiando nas águas do rio Sena, com um sorriso sereno e enigmático.
O enigma da história de vida e da causa da morte da “desconhecida do Sena” permanece até hoje. Mas, seu rosto é conhecido mundialmente, e garanto que meus colegas profissionais da saúde a conhecem.
A desconhecida do Sena é o rosto da Resusci Anne, o manequim de simulação médica.
A interpretação de resultados de testes em Medicina é muito mais complexa que o vigente sistema de “exame positivo = presença de doença”.
- Muitas vezes o exame testa algo indireto sobre doença, não a doença em si;
- Testes podem ser falsos.
Vejamos o caso da Dona Rosa. 🧵
Certa manhã, Dona Rosa assistiu na televisão um “importante médico” falando sobre um teste de screening. Como ela se encaixava no perfil citado pelo médico, decidiu fazer o teste.
E foi positivo. O teste tem 97% de sensibilidade e 64,5% de especificidade.
Definições:
Sensibilidade é a capacidade de detectar resultados positivos entre quem tem alteração.
Especificidade é a capacidade de detectar resultados negativos entre quem não tem.
Dona Rosa tem alteração ou não? Perceba, ela estava em casa assistindo TV.
Desde os conceitos de “sensibilidade e especificidade” até a análise do valor de p em pesquisas. Todos são interpretados de maneira determinista pela maioria.
Não somos ensinados a seguir o raciocínio bayesiano. Segue mais esse fio.
Ainda na graduação, somos introduzidos aos conceitos de “sensibilidade” e “especificidade”.
- Sensibilidade: capacidade de um teste de dar verdadeiros positivos entre os doentes.
- Especificidade: capacidade de um teste de dar verdadeiros negativos entre quem não tem a doença.
Imagine uma doença com 70% de sensibilidade (30% de falsos negativos entre quem tem a doença).
Se uma pessoa faz o teste e ele é negativo, existe 30% de chance de ser falso?
Resposta: NÃO. Perceba que troquei a palavra “doente” por “pessoa”. É aí que mora o bayesianismo.
A Aspirina não reduz em 100% a mortalidade do Infarto. Na Medicina, não existe medicamento assim.
No ISIS-2, a Aspirina reduziu a mortalidade de 11.8% a 9.4%.