Prometi um fio sobre os como os eleitores brasileiros expressam grande desencanto com a política e o Brasil e uma possível revisão em relação à aposta na renovação política. Lá vai.
1) Nas eleições municipais passadas e na eleição de 2018, houve consenso entre analistas políticos que o eleitorado brasileiro se inclinava para a renovação radical como fator decisivo para seu voto. Daí a eleição de candidatos do Partido Novo e do PSL.
2) Conduto, uma análise mais criteriosa e apurada da renovação real na Câmara de Deputados indicava um índice muito baixo. A despeito da imprensa divulgar um percentual de renovação superior a 45%, minha equipe chegou a um índice muito menor: 17%
3) Por renovação, não se pode eleger uma identificação nominal, mas o que denominamos de análise sistêmica: apuração em que se analisa os vínculos dos eleitos com núcleos políticos liderados por caciques tradicionais da política ou parlamentares de outras legislaturas
4) Não se pode, por exemplo, afirmar que uma possível eleição de Maluf para deputado federal numa eleição futura signifique renovação, já que assumiu por diversas vezes esta função pelo PDS e pelo PP. Sendo assim, a renovação efetiva na Câmara de Deputados foi muito baixa
5) O voto em deputado federal é muito peculiar no Brasil. A grande maioria dos eleitores, segundo o Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB), só decide em quem votar 10 dias antes do pleito por não entender qual a serventia deste parlamentar na sua vida.
6) A escolha do deputado federal se dá por consulta aos familiares, aos amigos e naquele que apresentar mais força eleitoral (a famosa mania brasileira de "não jogar voto fora"). Ora, o candidato mais forte é o mais rico ou aquele que já possui estrutura político-eleitoral
7) Assim, o eleitor brasileiro crava voto nos mais fortes, principalmente no que tange aos representantes para Assembleias Legislativas e Congresso Nacional. Mas, para os executivos e Câmara de Vereadores, os critérios são outros. E foi aí que apareceu o voto na renovação
8) Contudo, ao que parece, em 4 anos, este ímpeto se esvaiu. Parece ter sido uma aposta errada. Em 9 capitais, os candidatos à reeleição estão à frente. Corrobora sinais que pesquisadores que estão em pesquisa de campo no interior do Brasil estão capturando. Cito minha equipe
9) Nossa equipe de pesquisa está em campo em algumas cidades do interior. Também venho consultando candidatos a vereador em capitais do país por diversas agremiações políticas. A constatação é sempre a mesma: dizem que nunca viram tanta dificuldade em abordar eleitores
10) Há uma fortíssima rejeição à política e ao processo eleitoral. Uma frustração com as tantas tentativa de mudança dos últimos anos que parece levar o eleitor à irritação. Pesquisadores experientes afirmam que nunca enfrentaram algo parecido.
11) Embora não possa afirmar que seja algo conclusivo, esta sinalização enseja algumas considerações, ao menos, hipóteses explicativas. Uma delas é que se trata do resultado de anos seguidos de feroz discurso niilista em relação à democracia provinda das hostes da extrema-direita
12) A ideia de "faxina geral" ecoou em muitas cidades brasileiras principalmente em 2015, o ápice da mobilização extremista em nosso país. Em 2016, permaneceu histericamente no Brasil até o final do primeiro semestre. A partir daí, arrefeceu e deu lugar às manifestações sindicais
13) O alto índice de aprovação dos governos lulistas (entre 70% e 85%) cedeu a partir de 2014 e oscilou a partir de então. No final do primeiro trimestre deste ano, Lula empatava em intenção de voto (caso a eleição para presidente fosse naquele momento) com Bolsonaro
14) Então, a sensação de bem-estar que o lulismo havia gerado em grande parte da população do nosso país, foi abalada. Contudo, pesquisa Fórum realizada em julho deste ano indicava que Lula era ainda considerado o melhor presidente desde a redemocratização (por 36%)
15) Lembremos que a pesquisa que acabo de reproduzir, realizada em julho, era embalada pela ajuda emergencial de 600 reais que dobrou a renda mensal de 44% dos brasileiros residentes no Norte do Brasil e 41% dos brasileiros do Nordeste.
16) O eleitor médio, então, cravou no novo. E o que tivemos foi uma enorme decepção com os "novos" políticos, de governadores a prefeitos "apolíticos", incluindo as inúmeras denúncias de corrupção e evidente incapacidade de governar
17) A gangorra de expectativas do eleitor arriou. E este pode ser a sinalização que candidatos a vereador e pesquisadores de campo estão repassando. Pelos informes, não se trata de retorno ao tradicional, mas desilusão radical, chegando à forte niilismo político
18) Na última metade dos anos 1980, fui pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC), dirigido por Francisco Weffort. Fiz parte de um time seleto que envolvia, entre outros, Eder Sader. Lembro de uma sequência de seminários sobre o niilismo do eleitor
19) Weffort e Régis Andrade apontavam os riscos à nossa tenra democracia, recém reconquistada. O eleitor não se sentia parte do sistema de poder político do país. Weffort chegou a escrever um ensaio sobre a política dual brasileira: a dos eleitos e a do eleitor.
20) Viveríamos, talvez, essa ciclotimia do humor do eleitor brasileiro? Viveríamos, como cidadãos, aos embalos de governos socialmente engajados para, logo em seguida, mergulharmos nos extremismos egocêntricos das elites econômicas do país? (FIM)
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Bom dia. Hoje, vou retomar uma tese que defende há tempos: o fim do Senado no Brasil. São muitos países que possuem sistema unicameral. Segue o fio
1) Comecemos pelos países que possuem estrutura unicameral: China, Portugal, Suécia, Finlândia, Islândia, Dinamarca, Israel, Estônia, Croácia, Cuba, Venezuela, Peru, Equador, Angola, Líbano, Grécia, Guatemala, Honduras, Turquia, Sérvia, Hungria, Coreia do Sul, Ucrânia ....
2) No sistema bicameral tupiniquim, o Senado, em especial, possui uma lógica neopatrimonialista, tal como sugere Simon Schwartzman: a existência de uma racionalidade de tipo técnica onde o papel do contrato social e da legalidade jurídica seja mínimo ou inexistente.
Bom dia. Retomo o fio sobre o neopetismo, a queda de qualidade das direções petistas contemporâneas e a permanência do PT como partido âncora do sistema partidário brasileiro. Segue o fio.
1) No fio de ontem, procurei retratar como as direções petistas foram se afastando do projeto socialista, se tornaram pragmáticas e parlamentarizadas, perderam o foco na mudança da sociedade e na disputa de valores, se acomodando ao status quo e, daí, subordinadas ao marketing
2) Uma das características desta mudança profunda no perfil das direções petistas é a acelerada transição para o que a literatura especializada denomina de "partido cartel". Trata-se de partido que independe do eleitor ou da base social, vivendo dos recursos públicos
Prometi um fio sobre o neopestismo e o paradoxo entre o PT ter as piores direções de sua história e se manter como principal partido do sistema político nacional. Segue uma análise sobre este paradoxo
1) Começo explicando o que denomino de neopetismo. Trata-se da geração que emerge à direção do PT (e dos filiados) do pós-2002, ou seja, com o advento do lulismo. Gente que não vivenciou o período de adversidades e ataques da construção de um partido que se definiu socialista
2) Em relação aos dirigentes neopetistas, seu perfil passou a ser pragmático, marcado pela lógica rebaixada do marketing (que não se propõe a disputar, mas meramente absorver o ideário popular, mesmo que contrário à linha partidária) e "parlamentarizada"
Farei um breve comentário sobre a avaliação IBOPE sobre avaliação dos cidadãos de Belo Horizonte sobre os governos Bolsonaro, Zema e Kalil. Segue microfio
1) 74% dos moradores de BH aprovam o governo de Alexandre Kalil. O que Kalil tem de tão especial? Ele fez uma composição no governo que foi clássica no governo Sarney: nas políticas sociais, se apoiou na esquerda; em outras áreas, no centro. E assumiu uma postura firme e franca
2) Sobre o governador Zema: 33% de avaliação positiva e 26% de negativa. 37% acham sua gestão razoável. Uma avaliação que indica um governo morno, mais para medíocre (que está no meio, regular). Tem relação com a imagem simplória que ele plantou
Hoje, vários postaram aqui um questionamento a partir deste virtual apoio do PT à candidatura Boulos/Erudina. A questão foi: o PSOL não teria que fazer o mesmo gesto em relação às candidaturas petistas com mais intenção de votos? Vou tentar fazer uma ponderação a respeito:
1) Toda aliança das esquerdas é positiva. O caso mais emblemático, neste momento, é o de Portugal. O PS português, que por anos se aliou com o centro e centro-direita, após a prisão do ex-primeiro ministro Sócrates, deu uma guinada à esquerda e se aliou ao Bloco de Esquerda
2) A aliança PS (meio PT de Portugal) com Bloco de Esquerda (meio PSOL de lá) gerou um potente governo português com imenso sucesso, denominada de Geringonça.
Finalmente, a direção do PT SP decidiu ser direção. Não há como sustentar uma candidatura com 1% de intenção de votos. É destruir a biografia do candidato, é diminuir as chances dos candidatos a vereador, é ignorar o recado popular. Apoiar Boulos/Erundina é fortalecer a esquerda
Mais que isso: é demonstrar inteligência política e se revelar simpático aos olhos de grande parte do eleitorado progressista de São Paulo, que gira ao redor de 30% (concentrado, em especial, nas periferias sul e leste da cidade).
Que este desastre deixe a lição de como decisões protocolares, autorreferentes, sem consulta ou olhar sobre o mundo fora da bolha da burocracia partidária, destrói qualquer agremiação política, por mais lastro que tenha, porque a política não está na direção. Está nas ruas.