Todo dia me perguntam o que eu achei sobre o novo artigo da Hidroxicloroquina, ou Ivermectina, ou Annita, ou qualquer droga com mais narrativa do que ação contra COVID.
A minha resposta é uma reflexão: diante de tantos resultados negativos, um positivo faria você mudar de ideia?
Eu sei, eu sei. Você está tentando aprender mais sobre vieses cognitivos e raciocínio crítico. Mas é difícil, seja como médico ou como leigo, entender de que lado ficar:
Todo dia saem estudos negativos sobre drogas anunciadas por políticos;
Todo dia saem estudos positivos.
O raciocínio aqui é que cada estudo lançado aumenta ou reduz a PLAUSIBILIDADE das drogas, mas raramente as confirma.. Especialmente se são contraditórios.
Depois que os estudos metodologicamente mais robustos foram negativos, a plausibilidade está muito baixa. Digamos: 2%.
Pausa para recordar que, na natureza, poucas coisas são totalmente implausíveis, como as afirmações:
- Amanhã o sol não nascerá nos trópicos;
- Se eu soltar essa maçã, ela cairá para cima.
- Especialidade x é melhor que cardiologia.
Outras coisas são, no mínimo, “pesquisáveis”.
Mesmo que um estudo metodologicamente perfeito apareça hoje com p significativo demonstrando benefício de qualquer uma dessas drogas,
o resultado não confirmará o benefício, apenas aumentará a sua plausibilidade. Afinal, lembre-se que há muitos outros artigos negativos.
Transformando em estatística bayesiana, um estudo metodologicamente perfeito, randomizado e controlado com placebo com 80% de power, p < 5% e sem vieses (estudo inexistente na Medicina) transformaria o 2% de plausibilidade em 24% de probabilidade pós-teste (não em 100%!).
Um estudo enviesado (como são os estudos de quem está pesquisando sob motivações políticas ou tentando lucrar) poderia gerar probabilidades pós-teste tão ruins quanto 3 ou 4%.
Mesmo metanálises não estão livres de (aliás, muitas vezes estão até mais dispostas a) vieses.
A mensagem que fica é:
- Não é porque saiu um estudo “confirmando” que ovo faz mal, que foi confirmado que ovo faz mal.
- Depois de tantos estudos negativos, a HCQ e afins são implausíveis. Um estudo positivo apenas aumenta um pouco sua chance.
- Não percamos tempo com bobagens.
Para não perder tempo com bobagens:
- Pare de achar que político e twitteiro entendem de Medicina
- Pare de dar audiência e cliques em artigos ou notícias de pesquisas que já nascem pouco plausíveis
- Entenda que não é um estudo positivo que vai mudar os negativos mais robusto.
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Imagine que você apostará as suas economias em uma moeda que será jogada para cima. Você sabe que sua chance é 50%.
Você apostaria se alguém te dissesse, antes do jogo, que a moeda está enviesada para um dos lados?
Troque “economias” por “remédios na pandemia”. E segue o fio.
A inclusão da condição “a moeda está enviesada e eu não sei para qual lado” mudou completamente minha chance no jogo da moeda.
A inclusão da simples pergunta “o artigo científico com qualquer medicamento bizarro para COVID-19 tem vieses?” também muda completamente o jogo.
A análise bayesiana dos artigos científicos é bem ilustrada por John Ioannidis em um dos seus papers mais famosos, em que ele afirma “ser possível provar matematicamente que a maioria das pesquisas são falsas”.
A primeira crítica é a quem interpreta artigos baseado apenas em p.
Médicos se formam sem nunca ouvir falar de pensamento Bayesiano. Os mesmos médicos graduam-se pensando que “sensibilidade” e “especificidade” de testes ou achados são suficientes para elaborar suas hipóteses.
Para ilustrar o problema gerado, trago o paciente Xandy.
Segue o fio.
Xandy é um homem de 38 anos e procurou o pronto atendimento por dor torácica que piorava à movimentação e à palpação de um ponto bem localizado.
O médico do pronto atendimento decidiu fazer uma TC de tórax “apenas para descartar coisas graves”.
O laudo: tromboembolismo pulmonar.
Neste momento, o médico recorda que a angioTC de tórax tem 90% de sensibilidade e 92% de especificidade para o diagnóstico de TEP.
Não importa o que disseram o Ministro e o Presidente,
O tal estudo com Nitazoxamida/Annita foi NEGATIVO (não se comprovou eficácia do medicamento contra COVID-19).
Segue o fio que explico:
- “Responda apenas o que foi perguntado”.
O estudo tem um objetivo primário (e foi pra isso que foi desenhado) - saber se Annita resolve os sintomas de tosse, febre e fadiga em comparação ao placebo em 5 d.
E esse resultado foi similar entre os grupos, sendo portanto, negativo
Já o PCR foi estatisticamente mais negativo no grupo Annita.
O que significa isso?
Resposta: não muita coisa. Porque: uma pessoa pode ter PCR negativo e mesmo assim ter COVID-19 (lembrando que 30% das pessoas com COVID têm PCR falso-negativos - sensibilidade 70%).
Se eu puder dar um só conselho aos meus colegas médicos, o conselho é:
PAREM DE SE BASEAR APENAS NO SUPRA DE ST PARA DAR DIAGNÓSTICO DE INFARTO COM SUPRA.
Ué, como assim? Vem comigo no fio mais importante da semana. 🧵
Camada 1 do problema: você precisa saber que a oclusão coronária aguda (OCA) é um evento dinâmico e sua análise também é dinâmica. Quem nos ensinou isso foram Birnbaum e Sclarovsky, que elaboraram os graus que levam seu nome.
O primeiro grau de isquemia de Birnbaum-Sclarovsky é o da onda T hiperaguda (ampla, simétrica e de base larga, como na figura).
Uns pacientes podem ter infarto apenas com onda T hiperaguda. Outros podem evoluir para os graus 2 e 3, e demonstrarem o supra clássico.
- Buscar e corrigir as causas secundárias da parada
No PALS, houve sim mudanças importantes:
- Para ventilações de resgate em crianças com parada respiratória e para ventilações por via aérea avançada em parada cardiorrespiratória, a taxa de ventilações é 1 a cada 2 a 3 s (antes a cada 3 a 5 s e a cada 6 s, respectivamente).
Aproveitando que amanhã (21/10/2020), será lançada a Diretriz 2020 da American Heart Association sobre Ressuscitação Cardiopulmonar (RCP), ou, para os mais íntimos, o ACLS 2020, convido-os a contemplar “a desconhecida do Sena” e um pouco da história do ACLS.
🧵💙
Uma jovem senhorita havia se mudado do interior para Paris no final do século XIX. A lenda diz que ela se apaixonou, mas não fora correspondida.
Foi encontrada morta, boiando nas águas do rio Sena, com um sorriso sereno e enigmático.
O enigma da história de vida e da causa da morte da “desconhecida do Sena” permanece até hoje. Mas, seu rosto é conhecido mundialmente, e garanto que meus colegas profissionais da saúde a conhecem.
A desconhecida do Sena é o rosto da Resusci Anne, o manequim de simulação médica.