4.913.100 Patrões em Portugal

O trabalho gera riqueza. Não houve demonstração mais clara disso quando os mercados foram abaixo com a mera ameaça dos trabalhadores serem forçados a ficar em casa. Empresas que dependiam do trabalho presencial e não eram “essenciais” (1/27)
sofreram as maiores dificuldades durante o confinamento. Sem trabalho, sem trabalhadores, não há a tal “riqueza” que a direita diz que é preciso criar para depois poder redistribuir (que eles juram que também querem, mas eu confiava mais se houvesse assim um limite (2/27)
claro. É a partir dos 30k per capita? 40k? 50k? Quando é que se começa a redistribuir riqueza?). A resposta automática é “Ah, mas às vezes o patrão trabalha mais que os trabalhadores!” e “e as empresas unipessoais?” e ainda “e se eu encontrar petróleo no chão? E outras (3/27)
coisas igualmente geniais. Mas o que se nota nestas respostas é que todas elas reconhecem que é o trabalho que gera a riqueza. Eu percebo a reacção defensiva que muitos, especialmente pequenos empresários em nome próprio que não se revêem na imagem do milionário (4/27)
explorador e entende-se. Muitos deles são tão explorados e precários quanto o trabalhador assalariado médio. Mas são vítimas também de propaganda que os faz defender os seus opressores e demonizar esses mesmo trabalhadores precários com quem têm muito mais em comum (5/27)
que com o capital que os explora. A definição clássica Marxiana separa o proletariado (quem trabalha) da classe capitalista (que vive de meter o dinheiro a trabalhar por ele, basicamente). Existe muita confusão hoje em dia em relação a estes termos, especialmente porque (5/27)
há uma série de mistificações que tentam obscurecer os termos da divisão de classe. O clássico “estes detêm os meios de produção” vs “estes não têm” fica obscurecido por definições baseadas em rendimento (classe baixa, classe média, classe alta) e pelos avanços (6/27)
tecnológicos. Por partes. Às vezes estas categorias sobrepõem-se: um profissional liberal (arquitectos, advogados, veterinários) podem ter rendimentos de “classe alta”, mas não deter nenhum meio de produção. Artistas e desportistas também costumam ser usados como(7/27)
exemplos. Do outro lado um pequeno empresário ou proprietário que viva de rendas pode ter rendimentos bastante menores que assalariado, mas detém tecnicamente meios de produção e/ou propriedade privada para explorar. Mas a qualidade de vida relativa das pessoas (8/27)
esconde a relação de poder que a sua posição lhes dá. Sim, ter um rendimento maior pode possibilitar uma vida melhor e pode permitir que passes a deter propriedade e meios privados... mas em si não diz nada do poder que têm sobre a vida dos outros. Um senhorio (9/27)
mais pobre tem poder sobre os seus inquilinos. Um empresário mais pobre tem poder sobre os seus empregados. As pessoas precisam de onde viver e a maioria precisa de trabalhar para viver, o que os coloca em desvantagem nestas “relações voluntárias” como chamaria um (10/27)
liberal. Pior, os fracos rendimentos destes exemplos criam um incentivo para extrair o máximo possível dos seus investimentos e dar o menos em troca e o poder que têm sobre empregados e inquilinos permite-os explorar, enquanto que a sua própria posição precária dá-lhes (11/27)
a justificação moral para explorar, afinal, eles próprios têm contas e despesas que pesam sobre eles. Muitos sentirão que não têm sequer opção. Entre o inquilino e o trabalhador e a família deles, por que é que hão de se sacrificar pelos outros? E era aqui que (12/27)
queria chegar. A direita no seu discurso gosta muito de fazer aquela demagogia de confundir pequenos e grandes empresários, pequenos proprietários e “classe média” e grandes grupos económicos. Um exemplo disto é a flat tax: se o interesse fosse aumentar os rendimentos (13/27)
de quem ganha menos, podiam simplesmente sugerir baixar os impostos de quem ganha menos, sem baixar os de quem ganha mais. Mais ainda, podia aliá-lo a um reforço do poder sindical e negocial dos trabalhadores porque baixar impostos sobre o trabalho não garante que (14/27)
o trabalhador receba mais a longo-prazo, mas garante que empregador tem o poder de decidir para onde vai essa folga orçamental criada. A estupidez é que a maior parte das pessoas considera-se de classe média, ganhem 5000€ por mês ou 800€, o que só prova que isto (15/27)
não diz nada sobre o poder real nem a qualidade de vida das pessoas na “classe média”. Tanto terás uns que estão a um mau mês de perder a casa como outros que essencialmente estão blindados contra as agruras da vida. Mas a direita tentará sempre usar os mais pobres (16/27)
entre os empresários para escudar os mais ricos de qualquer responsabilidade e regulação. Mas a pressão crescente de décadas de desregulação e concentração de poder, proletarizou grande parte do tecido empresarial português. Muitos estão completamente dependentes (17/27)
de certos clientes, certos fornecedores ou certas cadeias de distribuição. O agricultor é um exemplo claro: as cadeias de hipermercados cartelizaram completamente a compra de fruta e legumes. Mesmo sendo dono do seu terreno e possivelmente empregador, este (18/27)
minifundiário não tem realmente controlo sobre os seus rendimentos. Um dono de um franchise, idem, tem uma renda imposta para explorar uma marca e está limitado a preços fixos de fornecedores pré-determinados. A gig economy criou ainda uma casta de “empresários” (19/27)
que fornecem trabalho a empresas ao ponto de serem seus empregados, mas sem direitos, sem vínculo e ainda uma cultura tóxica que os torna os seus próprios tiranos, que se exploram para proveito de outros. Podes ser dono do teu hardware, mas és dono sequer do teu (20/27)
sistema operativo? Do software de edição que agora é uma licença que tens de renovar e pode ser revogada a qualquer momento? Um condutor é “dono” da app que usa para trabalhar? A todos esses empresários faço um apelo. Temos uma causa comum e queremos todos o mesmo: (21/27)
ser donos do nosso trabalho. Ser patrões do nosso destino. E quantos mais formos a exigir a distribuição justa dos frutos do nosso trabalho, para que ele não vá para empresas monopolistas de energia, de transporte e correios das quais dependemos, para que não sejamos (22/27)
todos precarizados por cartéis exploradores rentistas da Big Tech, de bancos, de telecomunicações e das cadeias de distribuição, precisamos de nos unir para proteger os nossos interesses comuns: em vez de parasitas que sugam o nosso trabalho, que tenhamos (23/27)
infraestruturas comuns que todos controlamos e melhoramos e nas quais investimos. Que tenham todos acesso a capital para fazer valer as suas ideias e não só os que herdaram sem mérito seu. Que todos os trabalhadores se possam sentir realizados e participem tanto (24/27)
na construção do sucesso das empresas, como na sua gestão, como na prosperidade. E que protejamos juntos aqueles que arriscam e tentam criar conjuntamente o futuro contra aqueles que atrasam o progresso, matando a concorrência e a inovação. Há duas classes, sim, há os que (25/27)
trabalham para viver e os que vivem dos que trabalham. E quanto mais cedo os pequenos empresários perceberem que têm mais em comum com os trabalhadores que com multinacionais e fundos abutres, mais perto estarão de se libertarem da precariedade. Precários, empresários do (26/27)
mundo uni-vos, não têm nada a perder senão os grilhões. Livrem-se dos parasitas que vos vendem ilusões liberais e abram porta para um mundo em que todos somos patrões. 4.913.100 patrões em Portugal, a trabalhar para si e para os outros, em união a caminho da prosperidade. (27/27)

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14 Aug
COMO SALVAR O JORNALISMO

Espoletado pela polémica recente sobre direito à informação vs. direito à recompensa pelo trabalho em relação à partilha de artigos sob paywall, vou tentar sintetizar aqui uma proposta para salvar o jornalismo em Portugal.

Começa o fio

1/21 (sorry!)
Qualquer proposta teria de assentar em quatro premissas:

1) Todas as sociedades precisam de acesso a informação de qualidade para funcionar. A informação sobre a Covid durante uma pandemia é um bom exemplo. A informação sobre a extrema-direita também.

2/21
2) O mercado cria incentivos perversos que são contrários à função do jornalismo (consolidação de média, sensacionalismo, Nónio, foco em espaços de opinião, paywalls, publicidade disfarçada de notícia, precarização dos jornalistas).

3/21
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3 Aug
Então estamos nisto, né, o esgoto a céu aberto do fascismo. Nível de argumentação infantil, só faltou dizer “se uma pessoa roxa mata uma pessoa às bolinhas é racismo?”
É inteiramente possível um homicídio entre pessoa de grupos étnicos diferentes não ser motivado por ódio racial. As declarações repetidas do homicida de Bruno Candé deixam pouco espaço à imaginação. Era preciso que fosse um antifa infiltrado a querer dar mau nome aos brancos. 🙄
Lá estou eu a dar-lhes ideias. Mas eles identificam-se e empatizam (e imaginam-se) demasiado com ele para essa teoria da conspiração. Mesmo que não houvesse óbvio preconceito do homicida, não se pode remover o contexto social. Mesmo que possa haver minorias com sentimentos +
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23 Jun
Hoje há primárias em Nova Iorque e no Kentucky. Particularmente relevantes:

🚫 Kentucky fechou 95% dos locais de voto (de 3700 para 170), o que vai causar problemas de supressão de voto e filas.

⚔️Amy McGrath e Charles Booker enfrentam-se para decidir quem vai ao Senado

1/11
🐢 O vencedor enfrentará uma batalha difícil contra o líder da maioria do senado republicano, Mitch McConnell. Normalmente seria visto como quase impossível, mas com uma nova “onda azul” os democratas têm esperança.

📈As sondagens metem ambos os candidatos de 1 a 20% de Mitch.🤷🏻‍♂️
💂🏻McGrath, uma ex-militar moderada é a candidata de Schumer e Pelosi, o establishment democrata, enquanto que Booker representa a ala progressista com endossamentos de Bernie, Warren e AOC.

🧬Booker apoia Medicare For All e o Green New Deal. McGrath não.
Read 11 tweets
17 Jun
By the way, não acho que “acha que Portugal é racista?” seja uma pergunta fácil. É, de facto, uma boa armadilha política para dividir as pessoas que têm opiniões fortes sobre o que uma construção política abstrata (o país) ou geográfica concreta (as suas fronteiras) ou uma (1/20)
população inteira não homogénea “sente”. A exigência de uma resposta binária (ou Portugal é 100% racista ou 0% racista) como cada lado exige é absurda. Temos pessoas não-racistas, como temos racistas convictos como temos racistas casuais que defendem o blackface. Estas (2/20)
pessoas não sentem o mesmo e mesmo muitos dos convictos não se vêem como racistas porque sabem do tabu social (racismo = mau). No entanto podemos medir efeitos (mal em Portugal devido à color blindeness exigida pelos censos) de racismo e sondar pessoas pelas suas (3/20)
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6 Jun
Parte de como o capitalismo funciona é a criação de necessidade constante. Quem tem pouco, necessita para sobreviver e aceitará trabalhar por pouco. A quem tem algum farão sentir que nunca chegará. Quantos de nós estarão confortáveis no mês seguinte se ficarmos sem salário (1/15)
subitamente? E a quem tem muito, igual. Uma empresa manter o seu sucesso e nível de receitas de ano para ano é visto como um falhanço. Para os que têm accionistas então, há a pressão para “cortar gorduras” se as receitas não aumentarem, para haver mais (2/15)
dividendos para distribuir. Vimos isso nos CTT e em dezenas de outras grandes empresas em Portugal. O capital exige retorno, cada vez mais retorno. Isso põe-nos em competição artificial uns com os outros. Artificial porquê? Porque vivemos já numa situação de abundância. (3/15)
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