“Os vendedores de doenças”. Desde posts no Instagram (dos mais inocentes aos mais picaretas), propagandas de vitaminas nas farmácias, até os meses coloridos e a criação de Diretrizes.
Por que é tão fácil fazer dinheiro convencendo pessoas saudáveis de que elas estão doentes?
"Disease mongering” é o termo dado à invenção de doenças. Doenças podem ser inventadas por:
- Associações anedóticas: “sentindo-se cansado e com falta de memória? Só pode ser falta de vitaminas! Tome aqui essa associação de placebos”.
A hipérbole do tweet anterior é a “criação de novas especialidades” (na verdade nem são reconhecidas) como “longevidade saudável” que promove doenças inexistentes, como a baixa testosterona em homens e até mulheres. Isso cria a necessidade da reposição hormonal.
Evidência: zero.
- Exames desnecessários: aquele inocente check-up do Instagram pode “inventar” doenças.
Além da alta taxa de falsos positivos, exames de check-up tendem a demonstrar sinais da presença da doença, não a doença em si.
Muitos dos exames confirmatórios também são subjetivos.
- Definições de doenças: a diretriz americana de hipertensão define como hipertenso alguém com valores acima de 130 x 80 mmHg.
Um “limiar” assim tão baixo vem carregado de boas intenções, pois hipertensos podem ter maior risco de eventos cardiovasculares. É louvável reduzi-lo.
O que não se fala tão abertamente, contudo, é que essa nova diretriz carimbou 7.5 milhões de americanos como hipertensos do dia pra noite - assim mesmo, na canetada.
Também não se fala: o tratamento com remédios não reduz o risco do hipertensos leves, apenas reduz a sua PA.
- Os meses coloridos promovem testes de screening que não reduzem mortalidade global pelos cânceres em questão.
-> Ao mesmo tempo, pela quantidade de falsos-positivos, levam a procedimentos invasivos desnecessários.
-> Mesmo quando positivos, podem encontrar cânceres indolentes.
- Médicos predatórios se aproveitam da subjetividade dos diagnósticos.
Ter uma lesão na coronária não significa que você infartou ou está prestes a infartar. Esse é um conceito de difícil entendimento para o leigo e o médico predatório se aproveita para propor tratamentos.
Exemplo: Você internou na nossa UTI por uma queixa que nem precisaria (mas esse hospital é dos bons e faz tudo por você) e pediram uma troponina que foi elevada -> “você infartou sem saber” (na verdade, é falso positivo) -> “mas doutor…” -> “aqui está seu stent”.
Se você é leigo e acha que a história do tweet anterior faz sentido, não se preocupe. Você só está refletindo todos os anos de Medicina falha que recebeu.
Se você é médico e também acha isso, então você também é só um reflexo do ensino médico falho em ética e evidências.
O irônico é que tudo vem travestido de boas intenções:
- Seja saudável como eu e tome vitaminas.
- Faça seu check-up e viva tranquilo.
- Trate sua hipertensão leve para não morrer.
- Meses coloridos salvam vidas!
- Esse hospital faz tudo por mim.
Todas as afirmações são mentiras
Não é fácil evitar tudo isso. É cultural: pacientes saem insatisfeitos de consultórios/hospitais que não seguem os mantras do tweet anterior.
É fácil prescrever placebos inúteis e pedir exames de screening para dar a falsa sensação de segurança.
A pele do médico está salva.
PS: Leigos e médicos podem conhecer casos isolados de pessoas que se beneficiaram das estratégias citadas acima.
Isso é anedótico e não bate de frente com evidências mais robustas que já existem sobre os temas citados.
Importante: estou falando em termos de chances e riscos.
Todo dia me perguntam o que eu achei sobre o novo artigo da Hidroxicloroquina, ou Ivermectina, ou Annita, ou qualquer droga com mais narrativa do que ação contra COVID.
A minha resposta é uma reflexão: diante de tantos resultados negativos, um positivo faria você mudar de ideia?
Eu sei, eu sei. Você está tentando aprender mais sobre vieses cognitivos e raciocínio crítico. Mas é difícil, seja como médico ou como leigo, entender de que lado ficar:
Todo dia saem estudos negativos sobre drogas anunciadas por políticos;
Todo dia saem estudos positivos.
O raciocínio aqui é que cada estudo lançado aumenta ou reduz a PLAUSIBILIDADE das drogas, mas raramente as confirma.. Especialmente se são contraditórios.
Depois que os estudos metodologicamente mais robustos foram negativos, a plausibilidade está muito baixa. Digamos: 2%.
Imagine que você apostará as suas economias em uma moeda que será jogada para cima. Você sabe que sua chance é 50%.
Você apostaria se alguém te dissesse, antes do jogo, que a moeda está enviesada para um dos lados?
Troque “economias” por “remédios na pandemia”. E segue o fio.
A inclusão da condição “a moeda está enviesada e eu não sei para qual lado” mudou completamente minha chance no jogo da moeda.
A inclusão da simples pergunta “o artigo científico com qualquer medicamento bizarro para COVID-19 tem vieses?” também muda completamente o jogo.
A análise bayesiana dos artigos científicos é bem ilustrada por John Ioannidis em um dos seus papers mais famosos, em que ele afirma “ser possível provar matematicamente que a maioria das pesquisas são falsas”.
A primeira crítica é a quem interpreta artigos baseado apenas em p.
Médicos se formam sem nunca ouvir falar de pensamento Bayesiano. Os mesmos médicos graduam-se pensando que “sensibilidade” e “especificidade” de testes ou achados são suficientes para elaborar suas hipóteses.
Para ilustrar o problema gerado, trago o paciente Xandy.
Segue o fio.
Xandy é um homem de 38 anos e procurou o pronto atendimento por dor torácica que piorava à movimentação e à palpação de um ponto bem localizado.
O médico do pronto atendimento decidiu fazer uma TC de tórax “apenas para descartar coisas graves”.
O laudo: tromboembolismo pulmonar.
Neste momento, o médico recorda que a angioTC de tórax tem 90% de sensibilidade e 92% de especificidade para o diagnóstico de TEP.
Não importa o que disseram o Ministro e o Presidente,
O tal estudo com Nitazoxamida/Annita foi NEGATIVO (não se comprovou eficácia do medicamento contra COVID-19).
Segue o fio que explico:
- “Responda apenas o que foi perguntado”.
O estudo tem um objetivo primário (e foi pra isso que foi desenhado) - saber se Annita resolve os sintomas de tosse, febre e fadiga em comparação ao placebo em 5 d.
E esse resultado foi similar entre os grupos, sendo portanto, negativo
Já o PCR foi estatisticamente mais negativo no grupo Annita.
O que significa isso?
Resposta: não muita coisa. Porque: uma pessoa pode ter PCR negativo e mesmo assim ter COVID-19 (lembrando que 30% das pessoas com COVID têm PCR falso-negativos - sensibilidade 70%).
Se eu puder dar um só conselho aos meus colegas médicos, o conselho é:
PAREM DE SE BASEAR APENAS NO SUPRA DE ST PARA DAR DIAGNÓSTICO DE INFARTO COM SUPRA.
Ué, como assim? Vem comigo no fio mais importante da semana. 🧵
Camada 1 do problema: você precisa saber que a oclusão coronária aguda (OCA) é um evento dinâmico e sua análise também é dinâmica. Quem nos ensinou isso foram Birnbaum e Sclarovsky, que elaboraram os graus que levam seu nome.
O primeiro grau de isquemia de Birnbaum-Sclarovsky é o da onda T hiperaguda (ampla, simétrica e de base larga, como na figura).
Uns pacientes podem ter infarto apenas com onda T hiperaguda. Outros podem evoluir para os graus 2 e 3, e demonstrarem o supra clássico.
- Buscar e corrigir as causas secundárias da parada
No PALS, houve sim mudanças importantes:
- Para ventilações de resgate em crianças com parada respiratória e para ventilações por via aérea avançada em parada cardiorrespiratória, a taxa de ventilações é 1 a cada 2 a 3 s (antes a cada 3 a 5 s e a cada 6 s, respectivamente).