Sobre o projeto de autonomia do BC, aprovado nesta semana pelo Senado, seguem alguns esclarecimentos e sugestões para a Câmara melhorar.

(1/n)
Antes de tudo: autonomia não é a mesma coisa que independência. Com autonomia, a sociedade escolhe as metas e o BC persegue as metas sem influência política. Com independência, o BC escolhe e persegue as metas.

(2/n)
O projeto aprovado no Senado dá autonomia ao BCB. Isso significa que a sociedade seguirá escolhendo as metas por meio de seu representante eleito (que indica as pessoas para o CMN) e o BCB utilizará os seus instrumentos para alcançá-las.

(3/n)
Autonomia, em bom português, significa mandatos fixos para a diretoria do BC. Isso impede que presidentes destituam ou pressionem o BC por interesses políticos (por exemplo, por vontade de estimular a economia e reduzir o desemprego perto de uma eleição).

(4/n)
Dentre todos os BC’s que operam sob o regime de metas de inflação no mundo, só o brasileiro não tinha mandatos fixos para a sua diretoria. Ou seja, o projeto do Senado não tem nada de extraordinário; só aproxima o país de uma boa prática adotada por todos os nossos pares.

(5/n)
Como uma queda do juro estimula o PIB num 1º momento e só depois, com defasagem, eleva a inflação, é importante criar mandatos no BC intercalados com o do presidente. Se mandatos fosse coincidentes, a influencia politica poderia ocorrer, deixando problemas para o sucessor.

(6/n)
Segundo uma média de 8 modelos do BC, o efeito máximo de um choque monetário sobre a inflação ocorre após 6,8 trimestres (quase dois anos). É razoável, portanto, que o mandato fixo do Presidente do BC se inicie a partir do final do segundo ano do governo.

(7/n)
É baixo o risco do novo desenho permitir grandes radicais no BC, não sendo possível removê-los depois. O BC tem 8 diretores e 1 presidente. Cada nomeação deve passar pelo Senado (filtro crucial). Difícil que haja radicalismos em um cenário de autonomia com metas claras.

(8/n)
Além disso, o presidente e os diretores do BC “apresentarem comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos do BC”, eles podem ser exonerados sob aprovação do Senado. Ah, e o CV de todos os indicados p/ BC fica disponível p/ consulta pública.

(9/n)
É mentira que a sociedade discutiu pouco o projeto de autonomia do BC. Esses projetos estão no Congresso há 30 anos e esse tema frequentemente surge no debate público e eleitoral.

(10/n)
Sim, o projeto do Senado colocou outros objetivos para o BC para além do objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços. Mas o texto coloca estes como objetivos secundários (“sem prejuízo de seu objetivo fundamental”).

(11/n)
Não é preciso muita polêmica quanto aos objetivos extras do BC. O BCB já suaviza flutuações do nível de atividade (regras de Taylor mostram um coeficiente do hiato do produto sempre positivo e estatisticamente significante).

(12/n)
Para que tem dúvidas se faz sentido um BC considerar flutuações da atividade na sua função de reação, segue um exemplo publicado no Economic Journal que responde melhor do que eu: “yes, a dual mandate makes a lot of sense”.

(13/n)

onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.111…
Sim, o Senado também colocou o objetivo de “fomentar o pleno emprego”, mas isso desde que sem prejuízo da inflação. Não há metas para o desemprego (se houvesse, como há trade-off, poderia ser bem problemático, mas não é o caso).

(14/n)
Por precaução, talvez a Câmara dos Deputados possa alterar “fomentar pleno emprego” para “buscar o máximo emprego sustentável”, em linha com o que se discute hoje em parte do mundo (como na Europa).

(15/n)

igmchicago.org/surveys/object…)
Na prática, estes novos objetivos forçarão o BC a divulgar suas estimativas de taxa natural de desemprego e/ou de hiato do produto, como fazem outros bancos centrais, o que é positivo.

(16/n)
Entrando nas mudanças que a Câmara poderia fazer, acho que são várias possíveis. Autonomia é bem-vinda e deve ser aplaudida. Mas o BCB precisa ser mais transparente do que é hoje. Ou seja, tem que mostrar mais da “cozinha” por trás de suas decisões de juros.

(17/n)
Sim, o BCB tem espaço para avançar no quesito transparêca. Vejam, por exemplo, comparação com EUA e Chile, segundo índice do Dincer, Eichengreem e Geraats (2019).

(18/n)
Mais transparência é importante por 3 motivos. 1- dá legitimidade às decisões tecnocráticas; 2- aumenta a previsibilidade das ações do BC, facilitando a ancoragem das expectativas. 3- melhora a capacidade de as economias reagirem a choques adversos sem muito sacrifício.

(19/n)
Como já escrevi algumas vezes no @valoreconomico, há espaço para o nosso BC ser mais transparente em algumas dimensões, mas, em particular, em relação aos modelos que geram suas projeções de inflação. Sabemos os números, mas não sabemos como estes números foram gerados.

(20/n)
BC do Chile, por exemplo, mostra as hipóteses por trás dos cenários de inflação (BCB apenas qualifica com adjetivos), apresenta projeções também para os núcleos (mais correlacionados com o hiato doméstico) e divulga range das estimativas de hiato do produto.

(21/n)
Além da transparência, há outras alterações que eu faria na lei. Primeiro, acho bizarro que um diretor do BC, que deveria ter muitas tarefas e preocupações, possa seguir dando aulas em paralelo (art. 10 da lei). Uma diretoria de BC deveria requerer dedicação exclusiva.

(22/n)
Muito já foi discutido sobre a tal “porta giratória” entre BC e mercado. Isso pode ser sim um problema pelos incentivos que a porta giratória gera. Nesse sentido, acho que 6 meses de quarentena para um ex-diretor do BC é pouco (art. 10).

(23/23)

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13 Oct
Convido a todos que se importam com a decadência do Rio de Janeiro para participar do lançamento do livro “Maravilhosa para Todos: políticas públicas para o Rio de Janeiro”, que tive o prazer de organizar. Amanhã, dia 14/10, às 20 horas, ao vivo no link: m.youtube.com/channel/UCTlpK… Image
O livro foi escrito por 42 especialistas em diversos temas que afetam a cidade:

Educação - Vitor Pereira (@vit_pereira)

Contas Públicas - Vilma Pinto (@Vilmauerj).

Mercado de Trabalho - Bruno Ottoni (@ottoni_bruno), Gabriel Ulyssea (@GUlyssea) e Daniel Duque (@dannielduque).
Políticas de Gênero - Maria Oaquim (@mariaomed), Renata Avila, Maria Eduarda Couto e Helena Arruda.

Segurança Pública - Daniel Cerqueira (IPEA) e Vinícius Peçanha (@viniciuspecanha)

Meio ambiente - Arthur Bragança (@arthurbraganca7), André Sant’Anna (@DecoSantanna) et al.
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29 Jul
A atuação do BNDES tem provocado um debates entre economistas, políticos, formadores de opinião e na população de forma geral.

Esses debates são saudáveis e devem ser estimulados, pois o BNDES é uma instituição pública.

Mas o que realmente aprendemos sobre o BNDES?
No artigo abaixo, feito por mim, em parceria com Samuel Pessoa (FGV/IBRE), Eduardo Pontual (UFRJ) e Fabio Roitman (BNDES), resenhamos toda a evidência empírica causal sobre o principal banco de desenvolvimento do Brasil. Foram 70 papers ao todos.

Link: agenciadenoticias.bndes.gov.br/detalhe/blogde…
O paper também está disponível em inglês no site do IBRE/FGV (blogdoibre.fgv.br/posts/o-que-no…) e no site do Instituto de Economia da UFRJ (ie.ufrj.br/images/IE/TDS/…).
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28 May
O que está acontecendo com a taxa de desemprego?

Taxa de desemprego responde a dois mestres: (i) taxa de ocupação (medida pela razão PO/PIA); (ii) taxa de participação (PEA/PIA).

Qd a taxa de ocupação cai, o desemprego aumenta. Qd a taxa de participação cai, o desemprego cai.
A taxa de ocupação está caindo devido à pandemia. Como o movimento é intenso, a alta do desemprego deveria ser grande.

Mas o desemprego no trimestre móvel até abril com ajuste sazonal foi de 12,1%, o que representa um aumento de apenas 0,5 p.p, ante o trimestre móvel anterior.
Acontece que a taxa de participação está desabando no Brasil. A quarentena e as transferências de renda estão mantendo as pessoas que perderam emprego sem procurar novas ocupações. Isso diminui a população economicamente ativa e a taxa de participação (ver grafico)
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6 May
Queria comentar a decisão do Copom.

Antes de tudo, quero relembrar a comunicação feita em março: o BC havia que quedas da Selic abaixo de 3,75% poderiam ser contraproducentes.

Hoje, não só reduziram para 3%, como já prometeram mais um ajuste, não maior que o atual.
Isso sugere que o discurso do BC para não reduzir mais a taxa de juros era tão somente um discurso. Uma desculpa, como tantas outras que temos assistido nas discussões de política monetária. Como tenho dito com meu amigo Bráulio Borges, é a inflação de desculpas.
Isto posto, o BC reduziu a Selic em 75 bps. Há claramente espaço para juros menores, vide as projeções do cenário híbrido. Mas sabia que o BC estava na dúvida entre 50 bps e 75 bps - essa era a discussão relevante no mercado. Dentro desse leque, foi bom.
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18 Feb
Há capacidade ociosa na economia brasileira? Tenho respondido que SIM. Para isso, recorro a uma média de várias estimativas de hiato do produto no Brasil (como há incerteza sobre essa variável, a média é uma boa escolha). No último dado: PIB ainda 4,3% abaixo do potencial
Na última ata do comitê de política monetária (Copom), o banco central externou preocupação sobre a possibilidade das medidas tradicionais de hiato estarem superestimando a ociosidade da economia.
Hoje, relatório da área macro do Banco Itaú, muito bem feito, mostra que a elevada taxa de desemprego, combinada com o NUCI em níveis mínimos históricos é compatível com significativa capacidade ociosa na economia brasileira.
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17 Feb
O crescimento econômico de 2020 vai frustrar mais uma vez. Como tenho repetido frequentemente, estamos em plena década frustrada: desde 2011, projetamos um crescimento do PIB (linhas vermelhas) sistematicamente acima do PIB efetivo (linha preta). Não aprendemos com nossos erros!
Esse foi tema do meu artigo no @valoreconomico em abril de 2019 (…odemenezesbarboza.files.wordpress.com/2019/05/barboz…).

O @joaovillaverde também escreveu sobre o assunto em artigo no @Poder360. (poder360.com.br/opiniao/econom…).
Em 2020, o ano começou com o consenso de mercado esperando 2,3% de crescimento para 2020. Hoje, o consenso de mercado revisou essa expectativa para 2,23%. E novas revisões devem acontecer nas próximas semanas.
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