Sinceramente, eu entendo essa ideia de igualar democratas com republicanos para quem não é americano. Mas há diferenças entre imperialismo em suas formas mais fascistas e um imperialismo que se mostra como "não-imperialista".
A diferença se dá na nossa própria correlação de forças políticas. Sem Trump, Bolsonaro poderia se tornar o fenômeno político que se tornou? Talvez sim, mas seria por outros meios e caminhos.
Trump e o trumpismo alargaram o campo do possível na política dos EUA.
E, consequentemente, em toda a América Latina. O chamado "populismo de direita" ganhou representação política em quase toda América do Sul, ainda que só no Brasil e nos EUA ele triunfou eleitoralmente.
A eleição de Trump normalizou forças anormais em vários países e isso, no país do genocídio negro e que o agronegócio odeia indígenas, foi um componente explosivo. Muito da estética do trumpismo foi absorvida por Bolsonaro e seus apoiadores.
E não é só estética, claro, valores políticos partilhados, essa coisa teocrática e anticomunista partilhada, uma retórica de ódio e agressão, um racismo cada vez menos velado... A complementaridade é total.
Disso decorre que a postura de Bolsonaro com os EUA não foi só de submissão, foi de total submissão, algo nunca antes visto na História do Brasil. E olha que já tivemos governos entreguistas. Mas nunca compramos tanta briga com nossos parceiros comerciais porque os EUA queriam.
Até mesmo na política externa, entramos no rol dos pariás internacionais só para agradar Trump, um governo imbuído do sentimento de destruição de todo organismo multilateral existente.
Então, sim, Democrata ou Republicano, os EUA continuarão sendo uma potência imperialista que, em sua crise global de hegemonia, seguirão vampirizando o seu quintal. Nenhuma ilusão.
Mas a correlação de forças sobre essas relações me parece importante. Um recuo provisório e frágil do fascismo nos EUA tende a significar maior fragilidade da nossa variação fascista aqui também.
Esperemos que a gente consiga aproveitar esse momentum.
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O que mais me impressiona é que no tom da matéria, o Jones representaria toda a esquerda radical (que aparentemente é tão inofensiva que tiveram que publicar uma matéria sobre ela).
Faz mais de 15 anos que tô nesse bonde.
E nenhum desses anos eu defendi ou relativizei Stalin.
Sabem por quê? Porque a esquerda radical é gente pra caralho (tá, não é, mas metaforicamente, é muito mais plural que essa caricatura que pintaram aí).
Eu me vejo muito mais próximo do Safatle nessa e a pergunta dele parece ser boa para ser retomada:
O que se ganha colocando toda a esquerda radical no mesmo barco, sendo obrigada a falar o que pensam sobre socialismo real???
A porcaria do Novo tem uma van com a Thatcher. O El País foi perguntar para o Amoedo se ele também é fã do Pinochet?
Sobre influencers na história, queria dividir um "causo" aqui:
Era 2013, eu dava aula em duas escolas particulares enquanto estava no doutorado. Entre trabalho, pesquisa e deslocamentos, todo dia era umas 10-12h fácil.
Certo dia eu chego numa turma de segundo ano e um dos alunos, que gostava de mim inclusive, chega com o Guia Politicamente Incorreto, do Narloch, perguntando o que eu achava.
Não entrei de sola, mas falei que menosprezava qualquer publicação que dissesse que eu ensinava errado meus alunos.
O guri seguiu insistindo, até que um colega dele se irritou e falou: "mas cara, tu acha que o sôr tá mentindo pra ti, é?"
A alternativa mais óbvia (processos, exonerações, ou até acordos de anistia) requer um imenso capital político. Mas é necessário justamente para isolar setores que serviram ao golpe e garantir que eles não possam mais agir na ilegalidade.
Tem também toda a questão do lítio, que é a principal cartada boliviana na economia global hoje. É preciso suspender os contratos do governo Anez, o que significa ter que afirmar sua própria ilegalidade.
É um bom debate, mas faço a ressalva, de historiador, que isso é também um projeto de construção de memória.
O capitalismo da ditadura foi campeão mundial em acidente de trabalhos, como bem aponta e analisa a minha colega, Ana Beatriz Silva: periodicos.ufsc.br/index.php/mund… .
Uma boa hipótese para pensar aí é comparar com outras ditaduras latino-americanas, como Chile e Argentina, para ver se há semelhante nostalgia popular de "emprego e segurança" que se criou no Brasil.
Mas meu ponto é que a ditadura foi mobilizada por uma série de candidatos e jornais nos anos 80 e 90 como referenciais nesses campos, apagando assim a memória coletiva e traumática de uma superexploração da força de trabalho.
Todo o respeito a historiadores que estão lá, voltando às fontes do período ptolomaico no Egito para discutir se Cleópatra era negra ou não.
Mas vocês sabem que o debate sobre racialização tem menos a ver com a antiguidade e mais com a contemporaneidade, né?
A racialização das representações históricas é um jogo praticado na era Moderna europeia e que se torna fundamental para a construção de branquitude ocidental desde a ópera Aida, de Verdi.
Cito essa ópera porque talvez ela tenha sido a primeira representação branca do Egito Antigo na cultura de massas europeia (se é que dá para ler a ópera como cultura de massa), mas vá lá.
8 anos depois da apresentação da peça, em pleno Egito em 1871, o Pashá Ismail, ainda disse:
"Puxa, mas como você pode reivindicar a Revolução Chinesa, olha o tanto de gente que morreu".
(alerta de gatilho)
Bom, é complexo. Eu reconheço que os erros cometidos ao longo da Revolução são terríveis, com alto custo humano. Mas reconheço também que...
...a situação da China, sem revolução de 1949, era muito pior. O quão pior?
Bem, só para tocar na questão da fome. É consensual para o próprio governo chinês que a política desastrosa do Grande Salto Para Frente matou 20 milhões de pessoas.
Mas as cifras variam conforme o método dos historiadores. Frank Dikköter, por exemplo, estima em 45 milhões - mas é acusado de inflar os números com estatísticas pouco ou nada confiáveis. Yang Jisheng fala em 36 milhões, mas há desconfiança também: sci-hub.st/https://www.js…