78 dias.

É o que separa a atuação do São Paulo contra a LDU, que custou vaga na Libertadores, do 4 a 0 no Botafogo que reforça a liderança do Brasileirão.

O elenco é o mesmo, o técnico é o mesmo....

Sabe o que mudou?

O tempo. Logo ele, que teimamos desrespeitar. Segue o fio👇
Para muitos, futebol é um exercício simples onde 22 pessoas chutam uma bola até fazer o gol. Então basta contratar as melhores pessoas em cada tarefa dentro de campo (que são as posições), juntá-las e pronto! O time vence. Não é errado pensar assim, parece uma conclusão lógica.
Só que precisamos lembrar que o futebol é uma atividade humana. Seria muito mais fácil se não tivessem pessoas na equação, com suas diferenças, visões e mentalidades diferentes. Então não basta simplesmente juntar os bons. É preciso que eles formem um time.
E quando falamos em time, uma palavra mágica entra em cena: processo. Processo é uma série de etapas que algo precisa passar para acontecer. Tem começo, meio e fim. Jogar futebol não é levar a bola da defesa pro meio, chegar no ataque e finalizar? Olha aí as etapas, tarefas....
Se futebol é um jogo de processos, executados por pessoas com suas diferenças, qual é a única coisa que pode fazer todo mundo entender quais são as etapas e como executá-las para chegar o objetivo final?

Simples: tempo de trabalho. Treino. Derrota. E mais repetição até entender.
Desde o ano passado, Diniz pensa a primeira etapa de construção do São Paulo com dois meias na linha dos zagueiros, como Tchê Tchê faz aqui. Ele quer que os laterais fiquem mais no ataque e o meio se junte por dentro. Eis o processo. Falta executá-lo.
Na imagem acima, todo mundo executa a etapa. Só o Hernanes que demora a circular por dentro (nas costas da pressão do River).

Se há processo, há multidependência. Cada ação interfere na ação do companheiro.

Essa demora do Hernanes faz Tchê Tchê levar a bola até o lado.
O zagueiro encaixa no lateral (que executou seu papel e ficou aberto). Como a bola passou do meio, o time entra numa outra etapa: a de criação.

Tanto que o lateral recebe a bola, vira o corpo e irá criar a jogada aos companheiros. O que ele vê na frente é uma falha de processo.
Sabe qual é a falha? Olha a posição corporal e local do campo em quem está perto da bola. Simplesmente não dá pra continuar a troca de passes, porque não há apoios (ou opções de jogo) seguras o suficiente para impedir que o River retome a posse.
Então o lateral opta por jogar em Igor Gomes. Ao fazer isso, ele se preserva do risco de driblar ou correr para a área, resolvendo um problema que o time não resolveu. É uma opção segura, que o resguarda diante do não cumprimento do processo que o time deveria fazer.
O Igor recebe e vira o corpo pra proteger. Uns segundos depois, o Sara entendeu que era hora de dar apoio e foi lá e virou o corpo pra receber o passe. Gabriel Sara entendeu o processo, só não entendia que tinha que executar esse movimento mais rapidamente pra cumprir a etapa.
Tática é a coisa mais humana que existe. É ela que explica quem está ou não está dentro do processo. Quem precisa melhorar sua atitude, quem se arrisca mais que o necessário, quem se protege. Veja o Hernanes, que não dá apoio ou Igor. E o lateral, que continua na posição do passe
As pequenas falhas de cumprimento das etapas fazem o São Paulo tocar para trás, não invadir a área do River num jogo que terminou empatado.

É natural pedir a cabeça do técnico. Afinal, ele é o responsável.

Só que o técnico só pode corrigir os erros se ele tem tempo.
O São Paulo fez a mesma jogada contra o Botafogo. Ele é apenas melhor executado porque Tchê Tchê e Luan tiveram tempo pra avaliar os erros e corrigir no próximo jogo.

Agora os meias sabem que precisam estar mais próximos e não longe como o Hernanes lá em cima.
Isso faz com que o zagueiro possa avançar mais. Dá mais confiança pra ele se arriscar como o lateral não arriscou na outra jogada.

Outro que entendeu melhor o processo desse jogo ultra apoiado do São Paulo é o Igor Gomes, que se aproximou como não fez há meses atrás.
Aliás, pra quem quer saber mais sobre jogo apoiado, expliquei no Redação SporTV como que funciona.

globoesporte.globo.com/sportv/program…
O zagueiro dá a bola ao lateral como contra o River.

AGORA OLHA A DIFERENÇA.

O time inteiro entendeu que precisa dar apoio pro lateral. Todo mundo virou o corpo e aproximou.

Reinaldo tem quatro opções de passe. Contra o River, o lateral tinha apenas uma.
Não teve nenhuma mágica. Não teve mudança de jogador. Não teve nada além do poder do tempo, do treino e da repetição.

O que o Diniz faz no São Paulo é básico: treina o time, depois vê no vídeo o que deu certo e o que não deu e no outro dia conversa e treina pra arrumar.
A diferença do Diniz que "não tinha capacidade pra estar no SP" com o Diniz "maravilhoso e líder" é só o tempo que ele teve para fazer esse trabalho. Se ele sai, viria um outro técnico, com uma outra visão...

E o time precisaria de tempo pra entender essa visão.
Nenhum jogador gosta de perder. Ele apenas faz coisas que estão mais ou menos conectadas com o restante do time.

Aquele cara que chuta a bola de longe quando poderia passar quer vencer como o torcedor. Apenas a ação dele está desconectada do time.
Futebol é processo porque é a soma dessas ações, dentro de uma organização para cumprir as etapas pra chegar ao gol (ou defendê-lo), que faz o time vencer. E para entender isso é preciso de tempo, de paciência, resiliência...

Por isso técnicos precisam ficar no cargo.
Por quanto tempo? Não é exato. Imagino que um treinador precise ficar uma temporada inteira, assim ele comanda esse processo e o clube avalia se deu certo ou não. Vale pro Diniz, pro Guardiola, pro Abel e pro Luxemburgo. Precisamos ser justos. TODO MUNDO precisa de tempo.
Se o clube demite pelo resultado, contrata pelo nome, depois demite pelo resultado e vai trocando quando perde, ele não dá a chance desses processo se completar. É o que o Flamengo fez com Domènec, cuja troca não surtiu efeito algum em termos de resultado.
globoesporte.globo.com/blogs/painel-t…
Passamos muito tempo discutindo qualidades individuais - se o cara é bom, se é ruim, se é campeão ou não. Isso é um desperdício. Precisamos discutir mais o tempo das coisas. Temos que falar mais sobre qual etapa do processo de construção de uma equipe que seu time está.
O Flamengo, por exemplo, acabou de começar um novo processo. Então as derrotas são quase que naturais, porque o elenco tá entendendo as ideias do Rogério Ceni, que em plena pandemia, não teve treinos o suficiente para corrigir e melhorar o time. globoesporte.globo.com/blogs/painel-t…
Já o Tottenham está com Mourinho há mais tempo, então o time já entende as ideias do treinador, está numa etapa mais avançada de desempenho e consegue cumprir o que é proposto e até mudar isso estrategicamente pensando num adversário, como o City. globoesporte.globo.com/blogs/painel-t…
O Vasco fez a opção de demitir Ramon no início do processo, sabe-se lá o porquê. Então aquelas ideias "ramonizadas" não tiveram continuidade, não puderam ser desenvolvidas e equipe entrou em colapso total.

E se o Ramon tivesse ficado?

globoesporte.globo.com/blogs/painel-t…
Tiago Nunes foi demitido do Corinthians após uma derrota num clássico. E se ele tivesse ficado para desenvolver suas ideias, comandado esse processo para passar por cima da má-fase? Não deu muito certo trocar o técnico...
globoesporte.globo.com/blogs/painel-t…
Manter o técnico no cargo no momento de maior pressão, quando o torcedor o detesta, é confiar no processo.

O São Paulo comprou a briga. Não sei se por planejamento, mas comprou. Deu o tempo pra Diniz corrigir até os próprios erros.

globoesporte.globo.com/blogs/painel-t…
O São Paulo pode ser campeão ou não. Mas respeitou aquilo que há de mais humano, tão óbvio que nossa ignorância diária insiste em não ver: pessoas precisam de tempo.

Não dá pra colher resultados diferentes fazendo a mesma coisa. O São Paulo fez diferente. E é líder por isso.

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