Acaba de sair um artigo científico brasileiro que avança um passo no sentido de demonstrar uma potencial proteção a formas graves da covid-19 pela infecção prévia com o vírus da dengue.

Segue o cordel para entender essa rinha de vírus.
Vou resumir os achados do artigo abaixo, publicado por cientistas brasileiros da UFAC, Unicamp e UFPR, e um infectologista da Harvard. O artigo se chama 'Previous dengue infection and mortality in COVID-19' e saiu na revista Clinical Infectious Diseases.

academic.oup.com/cid/advance-ar…
Essa ideia já tinha sido proposta há 3 meses em um pré-print (artigo ainda não publicado em revista científica) do neurocientista @MiguelNicolelis, em um estudo que é mais preliminar, por ter usado dados populacionais e não individuais (estudo ecológico).
medrxiv.org/content/10.110…
Vale dizer ainda que há relatos de casos de pacientes com dengue que testaram positivo para covid-19 e vice-versa.

Outro achado curioso é que algumas áreas com alta incidência de dengue parecem ter menos casos de covid-19 e também menor mortalidade causada pela doença.
Partindo das ideias anteriores, neste estudo foram entrevistados 2.351 participantes com diagnóstico positivo para covid-19 no Acre, tendo sido perguntado, entre outros dados, se estas pessoas já tinham tido dengue. Elas foram depois acompanhadas por até 60 dias.
Metade dos pacientes de covid-19 relatou ter tido dengue. No total de pacientes acompanhados avaliados, faleceram 38: 12 entre os que relataram terem tido dengue prévia e 26 entre os que não relataram. Um cálculo foi feito para investigar o risco de morte associado a ter dengue.
Controlando para outras variáveis importantes, encontrou-se uma razão de riscos de 0,44 para quem relatou ter tido dengue. Ou seja, invertendo o referencial, encontrou-se uma chance 2,3 vezes maior de morrer de covid-19 para quem não relatou ter tido dengue anteriormente.
ATENÇÃO: Estes são dados instigantes, mas ter tido um diagnóstico prévio de dengue NÃO torna você necessariamente imune ou isento/a de riscos.

Afinal de contas, 12 pessoas com o diagnóstico relatado morreram. Além disso, este estudo apenas começa a investigar esta associação.
Entre os problemas metodológicos, o principal é o fato de que o 'diagnóstico' de dengue nele dependeu do relato verbal dos participantes, algo muito sujeito a erro. Isso não quer dizer que os resultados sejam inválidos, mas mais pesquisa é necessária para fechar esta questão.
Além disso, vale apontar que o estudo sugeriu que apesar de morrerem menos, participantes que relataram dengue prévia tiveram mais sintomas. Pode ser que um histórico de dengue esteja associado a mais inflamação, além de uma potencial resposta imune mais protetiva. Não sabemos.
Então fica combinado: a gente continua se protegendo - e protegendo os outros - se mantiver o distanciamento social e o uso de máscaras, com ou sem diagnóstico de dengue. E de quebra evite água parada no verão pra não criar mosquito - não se brinca com dengue também, né?
CORREÇÃO:

Evidentemente o meu revisor (que sou eu) se distraiu e não avisou para o artista gráfico (que sou eu também) que na imagem de capa estava escrito ~protenção~. Foi mal, acho que era uma dica para eu “prestenção” mais nas coisas que faço.
Conforme especialistas forem se manifestando - e eu me dê conta disso - irei atualizando o cordel. Na opinião do @otavio_ranzani o achado é espúrio, ou seja, se dá por variáveis de confusão, não pelo fato de ter tido dengue.
Vou adicionar desde o início o cordel do Otávio de 11/2020 sobre reações cruzadas em testes de covid e dengue, algo que pode vir a ser um problema para diagnóstico com anticorpos.

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More from @lftofoli

11 Dec 20
Você viram o abaixo-assinado de mil psiquiatras contra o revogaço nas políticas públicas de saúde mental que o governo Bolsonaro quer fazer com o conluio da Associação Brasileira de Psiquiatria?

Aqui está a prova de que há psiquiatras que não concordam com isso. Segue o cordel.
Apenas alguns dias depois da notícia de que o governo brasileiro quer deletar e reescrever a política de saúde mental que vem sendo construída desde 1991, saiu um manifesto assinado por mil psiquiatras que é contrário à decisão.
medium.com/@leipsi/manife…
Apesar da ABP dizer que representa os cerca de 12 mil psiquiatras no Brasil, a entidade tem não mais que cerca de 1/3 desse número. Quando mil psiquiatras se juntam e dizem que não concordam, o argumento corporativista da entidade perde força.
www1.folha.uol.com.br/equilibrioesau…
Read 6 tweets
8 Dec 20
A excelente matéria da @CollucciClaudia na @Folha sobre as pretendidas mudanças na Saúde Mental vale um cordel de comentários à parte.

Aqui está o link (sim, eu sei que tem paywall, mas vem comigo que eu dou alguns spoilers do que tem lá dentro):

www1.folha.uol.com.br/equilibrioesau…
Em primeiro lugar, a narrativa clássica do bolsonarismo de que a notícia de que queriam mudar as portariasde saúde mental e extinguir serviços eram 'fake news' já cai por terra.

O próprio Ministério da Saúde admite que tinha a intenção de revogar portaria.
Está na proposta:

1. Extinguir o Programa de Volta para Casa, que facilita o retorno de moradores crônicos de hospitais psiquiátricos para a comunidade;

2. Acabar com os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) para tratamento de problemas relacionados ao uso de álcool e drogas;
Read 9 tweets
8 Dec 20
Mas afinal de contas, o que é que o Governo Bolsonaro está querendo fazer com a rede pública de Atenção à Saúde Mental do Brasil?

Vou explicar nesse cordel porque o que estão tentando fazer não parece ser nada republicano ou democrático. Segue aí pra entender.
Tudo começou com o vazamento de informações sobre uma reunião virtual do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (@CONASSOficial) que aconteceu do dia 3 de dezembro último.

Na pauta da reunião, uma proposta de mudança drástica nas políticas de saúde mental no país.
Em uma apresentação se explicava que, baseado em um documento capitaneado pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e um grupo de trabalho instituído pelo Ministério da Saúde, se pretenderia 'rever a atual política de saúde mental e a RAPS [Rede de Atenção Psicossocial]'.
Read 16 tweets
2 Dec 20
Hoje a Comissão sobre Narcóticos da ONU, decidiu reclassificar a maconha no documento internacional que norteia a política internacional de drogas, a Convenção Única sobre Entorpecentes, ou Convenção de Viena. O Brasil de Jair Bolsonaro votou contra.

Leia o cordel aí e entenda.
Até hoje, a maconha era classificada na lista IV. Isso significa que ela estava acompanhada da heroína, uma substância sem propriedades terapêuticas e alto risco de uso.

Diante das evidências dos riscos associados e de seu potencial terapêutico, essa classificação era absurda.
Só para se ter uma ideia, a morfina, uma substância também com grande potencial de vício, mas com evidentes propriedades médicas, está classificada em outra lista, a lista I.

O documento tem repercussão para todos os países membros e dificulta o uso terapêutico e científico.
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26 Nov 20
MARADONA E AS DROGAS

Eu gostaria de dirigir algumas palavras sobre Diego Armando Maradona e seu problema com drogas.

A linha fina deste cordel de tuítes é: “Julgar Maradona por sua dependência química e medi-lo somente pelo estigma”.
Quem me conhece sabe que sou muito pouco afeito ao futebol. Não tenho time, o que me deixa um pouco à parte do universo - majoritariamente masculino e ainda bem homofóbico - de se zoar e ser zoado pelas afiliações futebolísticas.
Mas aí está, a morte de Maradona me faz escrever sobre ele. Nasci em 1972 e não vi Pelé jogar ao vivo em seu auge. Mas Maradona sim, eu vi, pela TV. Vi o dia da forra pelas Malvinas. Vi o gol de mão mais famoso da história. E como sudaca e latinoamericano, vibrei.
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7 Nov 20
TERAPIA COM PSICODÉLICOS: O QUE RESPONDO QUANDO ME PEDEM INDICAÇÕES

Eu recebo muitas solicitações –tanto de quem busca ajuda para tratar transtornos mentais quanto de colegas médicos– sobre como fazer tratamento com psilocibina, ayahuasca ou MDMA. Aqui vai um cordel sobre isso.
Antes de começar:
• Os psicodélicos são poderosos. Seu uso não é inócuo. Nem todos podem usá-los.
• Este cordel não tem a intenção de incentivar qualquer pessoa a fazer 'automedicação' com psicodélicos.
• Informe-se. Não dá para esclarecer completamente um tema via Twitter.
Tem sido divulgado na imprensa que, junto com as eleições nos EUA de 2020, os cidadãos do estado do Oregon aprovaram por meio de um plebiscito uma medida que permite a administração assistida de 'cogumelos mágicos' para o tratamento de transtornos mentais.
viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/11/04/ore…
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