Em economia temos conceito de bem comum, que é um bem rival e não-excludente. Exemplo: vagas na rua. Vacinas não são bem comum porque são excludentes. Se elas não tivessem propriedade da exclusão, não conseguiríamos criar a lista de priorização que diz quem pode recebê-las antes.
Dizer que vacinas são bem comum provavelmente se deve a uma confusão com a saúde dos outros ser bem público (não-rival e não-excludente). Viver numa população imunizada contra uma doença traz benefícios individuais que são não-rivais e não é possível excluir alguém de recebê-los.
Isso explica, por ex, por que é tão difícil lidar com movimento antivacina. Eles recusam a vacina, mas pegam carona (free-ride) no bem público que a vacina gera que é a imunidade coletiva. Se esse comportamento se generaliza, acaba destruindo o bem público da imunidade coletiva.
Isso explica também a estratégia de exigir vacinação em escolas ou viagens. Depois que a pessoa está no novo ambiente, ela colherá os benefícios do bem público da imunidade coletiva. O jeito de impedir a carona é condicionar a entrada à adesão ao esforço de imunidade coletiva.
A vacina em si mesma não ser bem comum não quer dizer que distribuição desregulada funcione. Vacinas são bens rivais e excludentes com nível altíssimo de externalidades positivas e é isso que faz com que apenas por incentivos individuais elas sejam propensas a falhas de mercado.
O que acontece é que na decisão individual de se vacinar a pessoa tenderá a pesar mais benefícios da vacina para si, sem incorporar os benefícios sociais da imunidade coletiva. Isso levaria a uma demanda voluntária por vacinas que pode ser insuficiente para imunidade de rebanho.
Sem a imunidade de rebanho, todos são prejudicados - quem se vacinou e quem não se vacinou também. Essa falha de mercado gravíssima é o que leva o setor a ser altamente regulado, subsidiado, alvo de campanhas gratuitas de vacinação, campanha de conscientização, etc.
A falha de mercado é previsível e com custos altíssimos. Nas campanhas contra a gripe, conscientização e campanha gratuita por grupos prioritários (pressupõe exclusão) é suficiente para chegar perto do limite da imunidade coletiva. Com o covid precisaremos de adesão muito maior.
Aqui uma tabela adaptada que fiz para ilustrar o tamanho do desafio. Enquanto na gripe comum ter ~38% da população imune é suficiente para imunidade coletiva (bem público), Covid precisará de 60%+. A nova variante do Covid talvez precise de 76%+. Se não atingir, todos perdem.
Resumo: vacina tem propriedade de rivalidade e exclusão, logo não é bem comum. Porém são altamente propensas à falha de mercado devido a externalidades positivas muito grandes e não-lineares. Essa falha destruiria o bem público (não-rival e não-excludente) da imunidade coletiva.
Obs: bem comum e bem público em economia não são sinônimos.
Bem comum: rival e não-excludente
Bem público: não-rival e não-excludente
Rivalidade é propriedade de só ser consumido por uma pessoa ou uso de um diminuir do outro. Cada vaga só cabe um carro, cada vacina uma pessoa.
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Oferta de vacinas pelo setor privado em uma pandemia é muito polêmico. Além da saúde pública, toca questões morais e políticas sensíveis. Há risco grave de cairmos em respostas simples que só prejudicarão combate ao Covid. Um pouco de análise econômica pode ajudar. Segue o fio👇
Antes de termos uma resposta, é preciso definir devidamente o problema. No caso são vários, vou numerar:
1 Maior nº de acordos de vacinas
2 Maior nº de doses
3 Máxima velocidade
4 Máximo impacto preventivo
5 Máximo impacto na redução do contágio
NÃO há resposta simples e fácil.
Vou apresentar duas respostas simples, fáceis e erradas que acredito que terão maior adesão no Brasil porque nós costumamos gostar muito desse tipo de resposta errada. Apresentarei a intuição e em seguida por que não é uma boa. Pode não caber no mesmo tweet então segue lendo.
As vacinas mRNA (da Pfzer-BioNTech e da Moderna) são brilhantes no nível da ciência que têm por trás. O @WheatNOil fez um fio divertido em inglês explicando como elas funcionam, segue aqui minha tradução e entenda essa tecnologia INCRÍVEL 👇🧵
A primeira coisa a saber é como o seu sistema imune funciona. Basicamente, suas células de imunidade atacam qualquer coisa estranha que entra no seu corpo. Se elas veem uma proteína, um vírus, ou uma bactéria ou qualquer coisa que elas não reconhecem, elas lançam um ataque.
Por exemplo, se sistema imune está lutando contra vírus, ele demora para ter contra-ataque completo. Precisa entender qual parte do vírus atacar e então aumentar produção do que ele precisa para atacar essa parte. Pode levar dias. Enquanto isso, o vírus se multiplica e expande.
Com ciência e tecnologia, coisas que aterrorizavam nossos antepassados não existem mais. Daí alguns que sempre viveram no conforto esquecem do que esse bem-estar depende, por ex de VACINAS. Prepare o estômago e segue o fio para saber das doenças que matavam milhões antes delas 👇
VARÍOLA - a doença
Matava por volta de 30% dos infectados pelo vírus. Apenas no século 20, estima-se que a varíola tenha matado mais de 300 MILHÕES de pessoas. Crianças eram principais vítimas.
Na foto de 1901, criança não-vacinada (esq.) ao lado de criança vacinada.
VARÍOLA - a vacina
A 1ª vacina foi descoberta por Edward Jenner em 1796. Jenner investigou por que mulheres que tiravam leite de vacas não contraiam varíola. O gado sofria com variante menos letal da doença e se expor a essa variante criava imunidade contra a varíola humana.
Cenário apocalíptico pela Califórnia durante o grande incêndio que ocorre nas florestas. A tecnologia para prevenir incêndios dessa escala é antiga e dinheiro na Califórnia não falta. Então por que os incêndios voltam todos os anos? É mais complexo do que parece. Segue o fio 👇
1) Por que os incêndios acontecem? A maior umidade é no outono-inverno. Durante primavera e verão, falta de chuvas e alta temperatura secam a vegetação e folhas se acumulam no chão. É o combustível do incêndio. Falta só a fagulha.
2) A fagulha. Ela pode ter causas humanas, mas também há causas naturais e incontroláveis, como raios. Não falta combustível, então é previsível e só questão de tempo. Não por acaso muitas espécies da região tem sementes, folhas e raízes adaptadas ao ciclo de incêndios.
Em tempo de aumento do preço dos alimentos, muita gente lembrando que 70% dos alimentos consumidos no Brasil vem da agricultura familiar. Mas você sabia que essa informação é falsa? A história por trás desse número equivocado é um tanto curiosa. Segue 👇
Para começar, o que significa "70% dos alimentos", como se faz esse cálculo? É uma medida por unidade, por ex "70% das maçãs"? Ou uma medida em quilograma, por ex "70% das toneladas anuais de arroz"? Ou é uma medida por valor de produção, por ex "70% das vendas de feijão"? 👇
Resposta: ninguém sabe. A fonte original dessa estatística parece ter sido notícia em canais oficiais do governo entre 2011 e 2012, mas sem menção a qualquer estudo para avaliarmos qual foi metodologia utilizada. Ao que consta, sequer existe algum estudo por trás da afirmação. 👇
"Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina", disse falsamente Bolsonaro. E a afirmação é falsa até se você for radicalmente contrário a imposições pelo governo, e até se você rejeitar também o argumento utilitarista de que isso promoveria o bem comum ao salvar vidas. Segue👇
Libertários radicais por vezes invocam o argumento de que a autonomia sobre nosso próprio corpo é um direito inviolável. Poucos chegam ao ponto de serem contrários à vacinação obrigatória, mas entre os anti-vacina o argumento é bem recebido. De toda forma, está equivocado. 👇
Na verdade o problema aqui não é com o direito de autonomia sobre o próprio corpo em específico, mas com outro princípio amplamente aceito por libertários e quase toda outra filosofia política: o princípio de evitar o dano aos outros. 👇