Direito penal para quem? Algumas lições do putsch frustrado de ontem (segue o fio).
Circularam fotos comparando a atuação da polícia no Capitólio em manifestação do Black Lives Matter versus a tentativa de putsch de ontem. Sem surpresa, os golpistas eram brancos e majoritariamente homens; muito diálogo, foto com os invasores, composição.
Evidente que eu não quero que eles sejam tratados com a mesma truculência reservada aos negros, porém que aos negros se lhes estenda a mesma civilidade. O privilégio branco, denunciado, entre outros, pelo @thiamparo, é uma face da seletividade racista do Direito Penal.
Há, porém, uma dimensão mais profunda da limitação do Direito Penal que merece alguma reflexão: Trump provavelmente não responderá pelo putsch, em que pese ter sido um claro artífice do maior ataque à democracia nos EUA na história recente.
O putsch não foi gestado dia 6 de janeiro; ele começa muito antes. Para além de toda a retórica e prática fascista, suas raízes mais recentes estão na campanha diária de descrédito das eleições, por Trump. Diariamente, denunciava uma fraude nunca provada, sequer indiciariamente
rejeitada por dezenas de Tribunais, incluindo a Suprema Corte. Diversos locais de contagem de votos necessitaram proteção policial. Quando conclama o "povo" para "protestar" diante do Capitólio, Trump sabia que todos os ingredientes para uma escalada violenta estavam presentes.
Havia manifestante com moletom escrito: 6 de janeiro. Guerra civil. Não foi confeccionado do dia, às pressas, convenhamos.
Mas isso não basta para sua criminalização. Nexo de causalidade e dolo (intent), com um padrão probatório bem mais sério que o brasileiro, levam à quase impossibilidade de responsabilizá-lo criminalmente. E é positivo que seja assim.
Abrir mão dessas balizas permitiria um Direito Penal ainda mais abrangente e errático, acentuando a já intolerável seletividade. O foco aqui é outro: o Direito Penal funciona relativamente bem para crimes patrimoniais e pequenos/médios traficantes.
Mas deixa de fora os maiores ataques à ordem social. Trump é um exemplo, mas Bolsonaro é outro. Tal qual o putsch de ontem, o sangue de 200 mil brasileiros (que sejam 10 mil desses 200, por amor ao argumento) está em suas mãos. Mas não será criminalizado.
Trata o COVID como gripezinha; não usa máscara; promove aglomerações; desacredita a vacinação; não buscou vacina, sequer seringas. O número de pessoas que não acreditam na vacina mais que dobrou pela influência presidencial. Não apenas os descrentes estarão mais expostos;
eu e você, nossos pais, amigos, servidores da saúde etc. estaremos mais expostos se eles não se vacinarem. Se houver vacina no Brasil, diga-se. E mesmo assim, Bolsonaro não ocupará o banco dos réus.
A solução para Trump e Bolsonaro, porém, há de ser política (para esses eventos). O DPenal não deve ser desnaturado para capturar esses casos, com desprezo às balizas duramente conquistadas; digo com absoluta certeza, toda brecha para capturar um caso excepcional será, depois,
sentida nos lombos dos de sempre. O ponto aqui - e já está bem longo :) - é que o Direito Penal, por natureza, serve para bem pouco, captura apenas os conflitos mais individuais e visíveis. Age por amostragem. É classista e racista. Desconfiem sempre do poder punitivo. Sempre.
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Meu pitaco sobre a polêmica do banimento de Trump do Tuínto (segue o fio).
Primeiro, temos que afastar as falsas equivalências. Barrar o acesso a plataformas por raça, origem, identidade de gênero etc. é diferente de excluir alguém por uso da plataforma em contrariedade aos termos de uso. É um ambiente plural, mas regrado.
Segundo, liberdade de expressão diz respeito, fundamentalmente, à liberdade de opinião, ou seja, fazer juízos de valor sobre fatos.
Feminicídio e júri. Pode o júri absolver com base na legítima defesa da honra? Se o fizer, pode a decisão ser reformada? (segue o fio).
A CF considera soberana o veredito, no júri. O que isso quer dizer? Não é simples responder a essa pergunta; para além da vagueza do termo, há leis anteriores e posteriores à CF que precisam ser analisadas em conjunto.
A resposta clássica à soberania é a seguinte: o mérito da decisão dos jurados não pode ser revisto, "salvo quando eles decidem de maneira manifesta contra a prova dos autos". Essa exceção, entre aspas, vem de uma alteração do CPP em 1948. Ela é constitucional?
A grande mídia vai morrer abraçada ao PSDB, não tem jeito. Repetem que o PT foi o 2o maior derrotado nas urnas desta eleição, depois de Bolsonaro. Dória é apontado como candidato natural à Presidência, por ser o Governador de São Paulo. Os dados contradizem essa leitura (segue).
O PT perdeu 71 prefeituras, cerca de 39%; o PSDB perdeu 264, o equivalente a 60%. Perdeu, proporcionalmente, 50% mais prefeituras que o PT. pt.wikipedia.org/wiki/Eleições_…
Ah, mas ganhou em SP. E daí? O último prefeito a se tornar Presidente foi... Washington Luis em 1926. Tem um tempinho, né? (Jânio foi Prefeito depois de ser Presidente).
Sem dúvida, o maior derrotado foi o bolsonarismo. Dos 13 candidatos a prefeito apoiados pelo PR, só 2 foram eleitos no 1o T e os 2 q foram para o 2o T perderam (Rio e Fortaleza). Foram eleitos com seu apoio os prefeitos de Ipatinga (46 mil votos) e Parnaíba/PI (52 mil votos).
Difícil comparar com Lula, já que Bolsonaro espertamente deixou morrer a Aliança e não abraçou nenhuma legenda, justamente para que hoje ficasse difícil medir sua derrota.
Pode haver crime na decisão da ANVISA de suspender a pesquisa da vacina Sinovac? Segue o fio. Spoiler: sim.
Premissa: não estou afirmando que a decisão extrapola as finalidades do ato administrativo. Estou apenas discutindo quais seriam as consequências CASO isso tenha acontecido.
O Estado pode muito, mas não pode tudo. O ato administrativo (como a decisão da ANVISA) tem como requisito atender a uma finalidade; quando serve a "satisfazer finalidade alheia à natureza do ato utilizado", fala-se em desvio de poder (cf. Celso Antônio Bandeira de Mello).
Eleições em São Paulo. Por que vou de @GuilhermeBoulos. Covas está no segundo turno. Com quem? Russomano, Boulos ou França. Continuo na toada de que é importante derrotar o fascismo. O primeiro passo é não ter Russomano no segundo turno.
@GuilhermeBoulos é quem tem mais chances e, de quebra, é vocal contra Bolsonaro, que não é o caso do Márcio França. Para vereadora, vou de @quilomboperifa (50020), chapa coletiva de lideranças negras na periferia de São Paulo.
Política é, no mais das vezes, a escolha do menos pior. Contra a dobradinha bolsodória, votei em França para governador.