Podem empresas privadas como Twitter e Facebook calar alguém?

Devemos ficar confortáveis com a ideia de que duas ou três empresas privadas tenham poder de calar o presidente dos Estados Unidos?

Três pontos num fio.

🧵
1. É censura?

Depende de como entendemos a praça pública, o ambiente em que as conversas da sociedade sobre o que e interesse público se dá.

Em geral, quem tem poder de censura ou não é o Estado, não uma empresa privada.
O Estado não pode proibir um jornal, uma rádio, um escritor de levar uma informação ao público.

Mas um jornal, uma rádio ou um escritor podem escolher que mensagens levam ao público.
Ou seja: vc não pode proibir q um ponto de vista circule.

Mas vc não pode obrigar alguém a fazer circular um ponto de vista específico.

Então a pergunta é a seguinte: qual o papel das redes sociais?

O Twitter é a praça pública?

Ou o Twitter é um veículo na praça pública?
Hoje, consideramos Twitter — ou Face, ou Insta, ou YouTube, ou Twitch etc. — veículos na praça pública.

Mas podemos mudar nosso ponto de vista.

Dizer que são a própria praça pública, o próprio espaço onde temos nossos debates neste tempo digital.

Neste caso, seria censura.
Só que isto tem consequências.

A praça é necessariamente pública.

Neste caso, estas empresas perdem por completo a autonomia sobre seu espaço virtual e devem ser encaradas como concessionárias privadas de um serviço público.
Não podem ter autonomia sobre que algoritmos usam, como distribuem as informações que aqui circulam e quais as regras de quem entra e quem sai.

As regras devem ser estabelecidas por parlamentos e congressos e serão, necessariamente, distintas em cada país.

É outro modelo.
2. Mas não é poder demais?

É poder demais, sim. Estas empresas têm o poder de calar o presidente dos Estados Unidos. De cercear seu acesso à população americana.

No caso do Face, este poder está sozinho nas mãos de Mark Zuckerberg.

É um poder extraordinário. Pode?
É evidente que há um problema.

Mas não me parece que a solução regulatória seja a de transformar as redes sociais em concessionárias de um serviço público.

Me parece que o problema é outro.

Trata-se de um monopólio. Há redes demais.
Neste sentido, sou favorável ao direito do Twitter ou do Facebook de decidirem se Donald Trump pode publicar ou não em seus espaços.

Mas acho muito perigosa a decisão de Google ou Apple de suspenderem a circulação do app para a rede de direita Parler.
O que precisamos é de um ambiente de livre competição onde existam muitas redes sociais de médio porte.

Mais Twitters e nenhum Facebook com seu tamanho, dominante como ele é.
O problema, em essência, não é um debate sobre os direitos fundamentais do cidadão — como o da garantia à sua liberdade de expressão.

O problema é um de regulação de mercado, de controle de monopólios. É um problema de antitruste.
Evidentemente, um demagogo, para ter o poder de impacto num ambiente de várias redes sociais médias teria muito mais dificuldades do que num em que o acesso é centralizado.

O caminho é este.

E, por fim, o último ponto...
3. Paradoxo da Tolerância de Karl Popper

Numa nota de pé de página do seu A Sociedade Aberta, Popper afirmou que a sociedade aberta não pode ser tolerante a ponto de permitir que os inimigos da sociedade aberta usem seus instrumentos para destruir a sociedade aberta.
Ou seja, deve necessariamente haver um limite, em democracia, para a livre expressão.

Popper, um filósofo austríaco, se referia ao nazismo que viu. Quando, usando-se da livre expressão e de eleições livres, Hitler e os seus tomaram o poder para destruir a própria democracia.
Este é um fenômeno raríssimo na história.

Mas estamos no meio do furacão.

O que Donald Trump — e Jair Bolsonaro, e Matteo Salvini, e Orbán, Erdogan etc. — representam é exatamente isso.

Movimentos políticos que atacam os regimes democráticos por dentro.
Fazem isso desde o instante que chegam ao poder.

Trump é o exemplo de almanaque.

Terminou seu mandato questionando uma eleição.

Seus questionamentos foram recusados legalmente pelos juízes que ele próprio indicou.

Insatisfeito, incitou uma turba a invadir o Congresso.
Invadir o Congresso, com violência, com o objetivo de bloquear a homologação de uma eleição.

Ou seja: usando direitos como o da expressão, da livre manifestação, da reunião para debates, para atacar instituições da democracia como Eleições Livres e um dos Três Poderes.
Não tem nada de trivial o debate sobre como identificar onde ocorre o Paradoxo da Tolerância.

Quando uma democracia deve mostrar intolerância com um movimento político para sua proteção.

Então vamos abrir o debate.

Agora...
Agora: se estes demagogos, populistas e autoritários de extrema-direita não são exatamente o exemplo perfeito do Paradoxo de Popper, ninguém mais é.

Se suas ações não são claros ataques ao regime, nenhuma outra ação com as regras da democracia pode ser considerada ataque.

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7 Jan
Esta é a melhor matéria que li sobre o problema de segurança, ontem, no Capitólio.

washingtonpost.com/politics/capit…

No fio, os principais pontos desta e de outras matérias...

🧵
1. A responsabilidade pela segurança cabia à Polícia do Capitólio, que tem por chefes a Presidente da Câmara e os líderes.

2. Os oficiais no comando da PC não trabalharam com a hipótese de que pudesse haver invasão.
3. Não bastasse, a PC também teve uma falta importante de pessoal — vários afastados por terem tido contato com um paciente de Covid.

4. Resultado prático: não estavam com uniforme ou equipamento para resistência a multidões no momento em que a turba apareceu.
Read 8 tweets
29 Nov 20
Não vou fazer previsões, mas as pesquisas de ontem dão pistas sobre o que deve acontecer nas eleições de hoje em algumas capitais.

Vou falar sobre Rio, SP, Recife e POA.

Em uma dá para cravar resultado, em outra quase... Nas últimas duas é no cara ou coroa.

Um fio.
A vantagem de Bruno Covas é clara, em São Paulo.

O Ibope de sábado dá 48% para ele contra 36% para Guilherme Boulos.

O que faz deste resultado difícil de virar não é só a distância entre os dois. É que não há movimento no eleitorado. No dia 18, Covas tinha 47% e, Boulos, 35%.
Mas há dois pontos que vale ressaltar.

Primeiro começou nos zaps bolsonaristas, nestes últimos dias, um movimento pró-Boulos. O ódio ao governador paulista João Doria é grande.

É bizarro, mas Wilson Witzel está aí para lembrar que coisas esquisitas acontecem na última hora.
Read 13 tweets
25 Nov 20
A gente ainda vai colecionar lições deste pleito municipal para composição de chapas com vistas 2022.

Mas uma delas tem de ser aprendida num erro tático do Bruno Covas nesta eleição de São Paulo.

É a escolha do vice.

Fio rápido.
Caso Jair Bolsonaro sobreviva à crise imensa que virá em 2021 — e não é certo que sobreviverá —, o Brasil provavelmente ainda estará num ciclo conservador.

Digamos, pois, que Bolsonaro vá a um hipotético segundo turno em 2022.
Isto quer dizer que o candidato à presidente que for disputar com ele tem de ser atraente para eleitores de centro-esquerda.

Não basta levar os votos de quem não vota em Bolsonaro.

Precisa tirar votos de Bolsonaro.

Mas o que nos diz o vice de Bruno Covas?
Read 7 tweets
14 Nov 20
Existe um centro.

Esquerda e direita, muitas vezes, fazem de conta que não existe.

Tudo certo, é estratégia eleitoral: melhor pintar ‘o outro lado’ como uma coisa só.

Vira briga de mocinho e bandido, mais fácil de explicar.

Só que o mundo é complicado.
Existem vários centros, na verdade.

O mais comum é um que mistura uma visão em geral descrita como de esquerda das questões sociais e de costumes com uma em geral descrita como de direita da economia.

O que isso quer dizer?
Ora...

Isso quer dizer que reconhece que o Brasil é um país desigual pacas, que o Estado precisa atuar neste problema. Reconhece a liberdade para fumar um baseado, de casar com quem se ama, da mulher de escolher e de que o Meio Ambiente é causa urgente, imediata.
Read 9 tweets
23 Oct 20
‘Todo mundo também dizia que Hillary ia ganhar. Essas pesquisas não são confiáveis.’

Vc já ouviu isso?

Donald Trump tem chances vencer?

Claro que tem.

Mas 2020 é muito diferente de 2016 e é importante compreender o que houve de ‘errado’ com as previsões daquele ano.
Primeiro: as pesquisas nacionais não erraram. Hillary venceu a eleição. Mas não é o voto popular que elege quem preside os EUA. É o Colégio Eleitoral, escolhido de acordo com o resultado dos pleitos de cada estado.

Quase sempre dá na mesma. Em 2000 não foi, em 2016 também não.
As pesquisas estaduais variam em acurácia. Primeiro porque é mais difícil, mesmo, com amostras menores. Depois porque, em alguns casos, prestava-se menos atenção.

Em algumas, no Cinturão da Ferrugem, o erro médio foi ligeiramente superior ao habitual.
Read 14 tweets
16 Oct 20
Estou numa posição que não costumo estar.

Sendo criticado ao mesmo tempo por gente que tem argumentos consistentes, gente que respeito como @pablo_ortellado e @ctardaguila, e, ao mesmo tempo, gente que está sempre do mesmo lado não importa o quê. Nomes que não vou citar.
O debate é o seguinte: o @nypost publicou uma reportagem na qual diz ter um email em que um ucraniano corrupto agradece a Hunter Biden, filho do candidato democrata à presidência dos EUA Joe Biden, por ter promovido um encontro com seu pai, quando vice-presidente.
Que evidências que o Post apresenta de que o email é real? Nenhuma.

Que evidências que o Post apresenta de que o encontro ocorreu? Nenhuma.

A campanha de Biden tem fortes indícios de que Biden teria outro compromisso na hora.
Read 19 tweets

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