Marisa e o mito da superioridade da gestão privada na saúde.

Parece estar a causar alguma estranheza o argumento usado pela Marisa no debate mas os dados apontam mesmo nesse sentido, e é preciso estar bastante desatento para não o compreender. Uma sequência (1/16) 👇
As PPPs da saúde foram sempre elogiadas pela direita como sendo modelos de eficiência. Normalmente, esta tese é apoiada em notícias sobre estudos realizados ou pagos pelos próprios privados, embora também aconteça ser apoiada em coisa nenhuma. Atenção às fontes (2/16)
Se formos ver relatórios e estudos de entidades independentes, é cada cavadela, cada minhoca: na PPP de Loures havia manipulação de consultas para maximizar lucro e na PPP de Cascais houve denúncias de burla e corrupção. Mas há mais (3/16) 👇
A PPP de Vila Franca de Xira foi investigada pela Entidade Reguladora da Saúde por internar doentes em refeitórios/casas de banho. A ERS concluiu que esta "não é 1 medida excepcional, não tem qualquer relação com o aumento de procura [...] não respeita dignidade de utentes"(4/16)
Além disso, há 6 estudos oficiais sobre PPPs da saúde: um da ERS (2016), duas auditorias gerais do Tribunal de Contas (2009 e 2013) e três auditorias do TdC sobre Cascais (2014), Loures (2015) e Braga (2016). E nenhum permite concluir que foram mais eficientes que o público(5/16)
TdC (2013): "Ainda não existem evidências que permitam confirmar que a opção pelo modelo PPP gera valor acrescentado face ao modelo de contratação tradicional".

Auditoria a PPP Cascais (2014): "desempenho do hospital foi idêntico ao do centro hospitalar de Entre Douro e Vouga".
Auditoria a Loures (2015): "Não resulta evidente maior eficiência do modelo de gestão privada, face à gestão de outras unidades com gestão pública empresarial do SNS"

"Financiamento por doente padrão, em 2013, foi mais elevado do q o d centros hospitalares públicos comparáveis"
ERS 2016: "Não foi possível identificar diferenças estatisticamente significativas entre os resultados dos hospitais PPP e os outros hospitais do SNS"

"PPP apresentaram quase sempre menor % de 1as consultas médicas realizadas dentro do tempo máximo de resposta garantida" (8/16)
Auditoria a PPP de Braga (2016): "a produção acordada não se tem subordinado às necessidades da população, o que levou ao aumento das listas e tempos de espera".

Este hospital melhorou os indicadores de produtividade após passar para a gestão pública. (9/16)
Os que gostam de citar o relatório do TdC sobre Braga deviam lê-lo na íntegra: a atividade contratada era inferior às necessidades, daí o dinheiro "poupado" pelo Estado, depois gasto nos hospitais públicos do Porto que recebiam doentes transferidos (o que originou multas da ARS).
Estes relatórios já tinham sido avaliados pelo Francisco Louçã, que apontara a discrepância entre o discurso sobre a superioridade da gestão privada e os relatórios sobre a situação realmente existente na saúde (11/16)
expresso.pt/opiniao/2019-0…
Isto depois de uma notícia de João D'Espiney que conclui que "não há evidências suficientes que sustentem que as PPP são melhores. Muito pelo contrário." (12/16)
jornaldenegocios.pt/economia/saude…
É preciso ter em conta que as PPPs tiveram casos de adulteração de dados clínicos ou sobrefaturação denunciados pela PGR ou pelo TdC. A gestão privada não só obriga os contribuintes a pagar a margem de lucro dos privados, como implica custos de fiscalização e litigância (13/16)
É o cenário enquanto ainda existe provisão pública. No dia em que não existissem hospitais públicos e o SNS fosse mero pagador, os privados podiam chantagear o Estado, usando os próprios utentes p/ obter valores de extorsão. O Estado não teria capacidade negocial nenhuma (14/16)
Daí q sistemas assentes em provisão privada saiam mais caros. O RPM explicou as falácias sobre a superioridade da gestão privada, apontando o exemplo alemão, que não só gasta mais do q Portugal na saúde em % do PIB, como não apresenta melhores resultados, de forma geral. (15/16)
Esta sequência diz apenas respeito à questão da eficiência. Deixei de fora todos os problemas éticos e deontológicos que resultam de orientar cuidados de saúde de acordo com a maximização do lucro. Fazer da Saúde um negócio funciona mal. E, além disso, sai mais caro (16/16).

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21 Sep 20
Em jeito de rescaldo, diria que nos separam três questões:
1. As propostas de redução do IRS que o bloco propõe concentram o seu impacto nos rendimentos mais baixos. A proposta de iniciativa liberal faz rigorosamente o contrário.
2. Também por isso, as propostas que o Bloco aprovou na Geringonça beneficiaram rendimentos mais baixos, com perda de receita fiscal mt inferior à que propõe a IL. E, ao contrário da IL, o Bloco fez aprovar medidas de tributação de quem não paga, redistribuindo a carga fiscal.
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16 Sep 20
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25 Jun 20
APROVADO! Fui relator principal do relatório sobre as orientações para as políticas de emprego. Este relatório integra-se no Semestre Europeu e é a base para as famosas recomendações específicas aos Estados-membros. esquerda.net/artigo/aprovad…
Essas recomendações, infelizmente têm-se caracterizado por pressões permanentes para a precarização das relações de trabalho. É por isso que é tão positivo, e até surpreendente, que tenha sido possível um apoio tão alargado para orientações diametralmente opostas.
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19 Jun 20
SOBRE O CONSELHO

O #euco reúne hoje no que deverá ser um primeiro confronto sem conclusões. O grupo dos quatro colocará a sua proposta em cima da mesa e o debate centrar-se-á entre a sua proposta (que é nada) e a proposta insuficiente da Comissão. Qual o ponto da situação?
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publico.pt/1914308
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