Tem uma conversa que nós não estamos preparados para ter no Brasil.
É sobre como pensamos impeachment.
Por isso, sei em que vai dar este fio aqui. Vai implodir.
Ainda assim, a maneira como os americanos pensam impeachment, em tempos de Bolsonaro, tem muito a nos ensinar.
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Fernando Collor de Mello sofreu impeachment acusado por agir de forma incompatível com o cargo. Por quebra de decoro. O crime tinha provas tão frágeis que ele foi inocentado no Supremo.
Mas estávamos confortáveis com isso.
A diferença real entre Collor e Dilma, queiramos admitir ou não, é que o PRN não era um partido. O PT era
O PT tem base popular real, tem militância real, representa de fato um conjunto de valores na sociedade.
O PRN não era nada, Collor não era uma liderança política relevante
Politicamente, os processos de impeachment de Collor e Dilma são muito semelhantes.
Presidentes impopulares — ele com 11% de aprovação, ela com 9%.
Grandes movimentos populares nas ruas contra ambos.
E um último ponto igualmente importante.
Ambos, por suas inabilidades, foram presidentes que hostilizavam congressistas.
Temos um regime, da Constituição de 1988, que exige maioria que garanta reforma constitucional para alterar políticas públicas de impacto.
E temos um regime que incentiva a fragmentação de partidos.
Não adianta.
Presidente brasileiro que acha que vai governar sem amaciar um Congresso sempre muito fragmentado, com uma base fisiológica grande, está viajando.
Calha de ter crise econômica, baixa popularidade, o sistema engole.
Este é o processo político.
Foi isso que aconteceu com Collor. Aprendido este modo de atuar, foi isto que aconteceu com Dilma.
As razões do impeachment são políticas num caso e no outro.
Só que o PT é um partido com base real na sociedade e o PRN não era.
Aí o PT vendeu o impeachment como golpe.
Meu objetivo não é entrar nessa discussão.
Ela é inútil porque ela não é uma discussão de verdade, ela é debate identitário.
Se você tem uma determinada identidade política, você acha que foi golpe.
Se você tem outra identidade política, acha que não foi.
O fato é que uma solução aplicada de forma fluida em 1992, quando aplicada em 2016 criou um problema gigante.
Não é só porque o PRN não existia e o PT é um partido de verdade.
É também porque já havia, na sociedade, um questionamento de todo o sistema político. Do regime.
Este questionamento não é só brasileiro, ele ocorre em todo o mundo.
E de dentro desta crise das democracias liberais, assim como aconteceu nos anos 1930, surgiu um movimento autoritário protofascista que viu na crise a oportunidade de crescer.
Em cada país a história particular é uma, mas o fenômeno é comum a todos.
Uma democracia barbaramente estável como a americana teve seus vícios mais profundos tão explorados pelo protofascismo como nós, com a democracia ainda se estabelecendo.
Só que há uma diferença.
A diferença entre tempo corrido histórico, de experiência democrática mesmo, se mostra nas armas para resistência.
E, nisso, os americanos têm mais habilidade do que nós.
Uma das habilidades é que eles compreendem melhor as possibilidades de um impeachment.
Aqui estou pegando emprestado um insight do @CECLynch de uns dias atrás.
A gente, depois de 2016, ficou com medo de impeachment.
E, por conta da experiência de sucesso de 1992, aprendemos uma lição fundamental errada.
A gente usa o verbo ‘sofreu impeachment’ quando o Senado condena.
Eles usam ‘sofreu impeachment’ quando a Câmara abre o processo.
Faz muita diferença.
Com o tempo, estabelecemos parâmetros na ciência política para quais as condições de abertura de impeachment.
Menos de 15% de aprovação, crise econômica, manifestações nas ruas, sem base parlamentar.
Isto tirou do presidente da Câmara uma responsabilidade política.
Virou um algoritmo.
Fica olhando o Ibope, fica olhando as ruas, ouve os deputados. Enquanto não completa a cartela de bingo, não se move.
Por que não se move?
Porque impeachment só pode ser aberto quando há garantia de condenação até o estágio final.
Mas por quê?
A ideia seria de que um presidente que tem aberto contra ele um processo de impeachment mas não termina destituído sai de alguma forma fortalecido.
Não, não sai. Sai mais fraco. É ruim mesmo que ganhe.
Bill Clinton tem uma mancha em seu currículo. A Câmara ‘impeached him’.
Richard Nixon renunciou antes que a Câmara o fizesse.
Donald Trump, agora, tem mancha dupla. Só o fato de que a Câmara abriu o processo duas vezes já faz dele candidato forte a pior presidente da história.
É uma vergonha imensa. Uma nódoa grave.
Houve vários momentos em que Rodrigo Maia poderia ter aberto um processo de impeachment contra Jair Bolsonaro.
Talvez sequer tivesse sido aprovado na Câmara.
Mas seria um gesto político forte de resistência parlamentar contra um golpista. Contra um radical. Contra um extremista
Este presidente da República declara desejar armar pessoas para resistirem a governadores e prefeitos eleitos.
Declara desconfiar de que a eleição será fraudada no contexto em que Donald Trump tentou dar um golpe de Estado nos EUA usando a mesma desculpa.
Este presidente atrasou em mais de um mês o início da vacinação de um país que há décadas é modelo mundial em campanhas de vacinação.
É um negacionista da ciência que sonha com bandeirantes do setecentismo e nos nega o século 21.
Este presidente quis fechar o STF e só não atuou porque os militares não embarcaram.
E, como Trump, ele tem uma base de protojornalistas que dirão o que for para servirem de escada, para espalharem mentiras, para desinformarem.
Seguimos com uma democracia sob ataque.
Nós não vamos nos entender a respeito do que aconteceu em 2016 — ou mesmo durante a última década.
Mas precisamos, os democratas, deixar aquela discussão de lado um pouco para focar na defesa do regime agora.
Se Baleia Rossi for eleito presidente da Câmara, é importante planejar o impeachment de Bolsonaro.
Mesmo que não exista certeza de que será aprovado.
É importante porque há razões e para despertar o debate numa sociedade que vive um momento excepcional por conta da pandemia.
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Tenho essa sensação generalizada de que o mundo ficou muito mais careta em sexualidade.
Ontem, aqui no Twitter, alguém me chamou atenção para uma entrevista da @BSurfistinha em que ela citou o perfil que escrevi dela faz uns 15 anos.
Um fio.
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O texto foi parte de uma série de reportagens sobre sexualidade que escrevi para o NoMínimo e que depois foram reunidas num livro chamado ‘Eu Gosto de Uma Coisa Errada’
Na época, eu escrevia sobre política internacional e estava exausto após uns três anos do Onze de Setembro.
A internet já era popular, claro, mas ainda era jovem e bastante amadora.
Histórias em que pessoas vivem próximas de seus limites emocionais são sempre ricas. A gente sempre aprende alguma coisa.
É fértil para jornalismo e era muito diferente do que eu fazia.
Não vou fazer previsões, mas as pesquisas de ontem dão pistas sobre o que deve acontecer nas eleições de hoje em algumas capitais.
Vou falar sobre Rio, SP, Recife e POA.
Em uma dá para cravar resultado, em outra quase... Nas últimas duas é no cara ou coroa.
Um fio.
A vantagem de Bruno Covas é clara, em São Paulo.
O Ibope de sábado dá 48% para ele contra 36% para Guilherme Boulos.
O que faz deste resultado difícil de virar não é só a distância entre os dois. É que não há movimento no eleitorado. No dia 18, Covas tinha 47% e, Boulos, 35%.
Mas há dois pontos que vale ressaltar.
Primeiro começou nos zaps bolsonaristas, nestes últimos dias, um movimento pró-Boulos. O ódio ao governador paulista João Doria é grande.
É bizarro, mas Wilson Witzel está aí para lembrar que coisas esquisitas acontecem na última hora.
A gente ainda vai colecionar lições deste pleito municipal para composição de chapas com vistas 2022.
Mas uma delas tem de ser aprendida num erro tático do Bruno Covas nesta eleição de São Paulo.
É a escolha do vice.
Fio rápido.
Caso Jair Bolsonaro sobreviva à crise imensa que virá em 2021 — e não é certo que sobreviverá —, o Brasil provavelmente ainda estará num ciclo conservador.
Digamos, pois, que Bolsonaro vá a um hipotético segundo turno em 2022.
Isto quer dizer que o candidato à presidente que for disputar com ele tem de ser atraente para eleitores de centro-esquerda.
Não basta levar os votos de quem não vota em Bolsonaro.
Esquerda e direita, muitas vezes, fazem de conta que não existe.
Tudo certo, é estratégia eleitoral: melhor pintar ‘o outro lado’ como uma coisa só.
Vira briga de mocinho e bandido, mais fácil de explicar.
Só que o mundo é complicado.
Existem vários centros, na verdade.
O mais comum é um que mistura uma visão em geral descrita como de esquerda das questões sociais e de costumes com uma em geral descrita como de direita da economia.
O que isso quer dizer?
Ora...
Isso quer dizer que reconhece que o Brasil é um país desigual pacas, que o Estado precisa atuar neste problema. Reconhece a liberdade para fumar um baseado, de casar com quem se ama, da mulher de escolher e de que o Meio Ambiente é causa urgente, imediata.