Bom dia. Perdemos, ontem à noite, uma dessas pessoas imprescindíveis: padre Ticão. O fio de hoje é sobre ele.
1) Algumas pessoas parecem imortais. Pela sua energia, pela firmeza, pela paixão, parecem indestrutíveis, líderes de tarefas sucessivas, urgentes, sem fim. Padre Ticão era uma dessas pessoas e confesso que a notícia de sua morte parece inverossímil.
2) A última vez que estive com ele o encontrei na entrada da igreja de São Francisco de Assis, em Ermelino Matarazzo. Ele ouvia, em silêncio, uma senhora que parecia angustiada. Logo depois, entramos na sala em que recebia os visitantes, abarrotada de panfletos e jornais.
3) Ainda refletindo sobre a conversa com a senhora, comentou que a fome estava retornando e ele sentia isso todos os dias com famílias inteiras que pediam ajuda. Era governo Temer.
4) Ticão era uma pessoa diferenciada, muito engajada na mudança social. Não recordo com muita clareza quando o conheci. Acredito que tenha surgido de um convite que partiu de um dos alunos da Escola de Governo da USP, onde eu era professor convidado. Algum aluno me convidou
5) Era uma escola de formação de lideranças sociais na zona leste de São Paulo. Acabei sendo convidado para dar uma palestra para esta escola. Lembro que quando cheguei, fui recebido por um padre alto e corpulento com um sorriso contido no rosto.
6) Trocamos algumas palavras e fui conduzido para um enorme salão paroquial, no subsolo da igreja. Ali começava o primeiro impacto: seiscentas pessoas aguardavam o início da atividade, numa sexta-feira à noite, sentadas em cadeiras brancas, dessas de plástico.
7) No pequeno corredor que levava ao salão paroquial, uma grande mesa encostada na parede oferecia dezenas de jornais, panfletos, convocatórias para reuniões ou plenárias, livros. Ao ingressar no salão, à esquerda, uma cantina em que uma família vendia lanches feitos na hora
8) O debate correu solto e muito animado. Para um educador popular, esta é uma das utopias que motivam nosso engajamento: seiscentas pessoas discutindo o Brasil, numa sexta-feira à noite. Padre Ticão iniciava e terminava os eventos da Escola da Cidadania com convites e anúncios
9) Sempre havia um abaixo-assinado a ser entregue ao prefeito ou governador, solicitando espaço para construir um campus de uma universidade pública ou uma visita a um órgão público para pressionar pela melhoria dos serviços.
10) Passei a ser convidado com certa regularidade para dar palestras na Escola da Cidadania da zona leste. Numa dessas visitas, Padre Ticão meio que indicou que eu deveria acompanhá-lo.
11) Entramos no carro e percorremos algumas de suas conquistas: equipamentos de atendimento de idosos, uma cooperativa de habitação popular, e um centro de atendimento de portadores de deficiência, onde almoçamos.
12) Naquele momento, Ticão articulava mais uma dúzia de ações e frentes de luta. Lembro da avaliação dos cursos oferecidos pela unidade da UNIFESP que ele havia brigado para se instalar na zona leste. Discutia os cursos que acreditava ser mais importantes para a comunidade.
13) Ele não se sentia à vontade nas discussões ou engajamento partidário. Por este motivo, alguns diziam que ele era pragmático, mais à esquerda, mas sem alinhamentos. Alguns diziam que ele tinha proximidade com alguns líderes do PSDB, outros, com o PT. Era admirador de Erundina.
14) O fato é que um dia perguntei porque não atacava Geraldo Alckmin e a resposta foi objetiva: “ele cumpre tudo o que acorda com a zona leste”. Havia, aqui, uma crítica velada ao governo Fernando Haddad.
15) Ticão se engajava nas discussões das propostas para o Plano de Metas de São Paulo, esse instrumento e metodologia de planejamento que define as prioridades e ações estratégias do governo ao longo dos quatro anos de mandato. A ilustração desta nota é um jornal que criou
16) Mais recentemente, se engajou na defesa da cannabis para uso medicinal. Um padre muitos anos-luz à frente da mentalidade de uma parte dos católicos que ainda vive nas trevas medievais. cannabisesaude.com.br/revolucao-cato…
17) Era considerado uma das mais importantes lideranças sociais da cidade de São Paulo, temido pela igreja católica de antes do Papa Francisco, seu conhecido. A Folha de S. Paulo chegou a publicar uma matéria onde Ticão aparecia como um dos quatro “prefeitos informais” da capital
18) Andar por Ermelino Matarazzo e dizer que conhece Padre Ticão gera um salvo-conduto. Um dia, atrasado, acabei tomando um táxi para chegar à igreja de São Francisco. O taxista conversava animado, perguntando o que faria na igreja.
19) Contei do meu envolvimento com a Escola da Cidadania e alguns projetos do padre Ticão. Foi o que bastou. Quando chegamos à igreja, o taxista não cobrou nada. Disse que amigo de Ticão era amigo dele. E se foi.
20) Esse é o amigo que a zona leste paulistana acaba de perder. Imagino a multidão que estará no seu velório. O sentido de vazio e orfandade que sua morte vai deixar.
Eu prefiro continuar nutrindo esta estranha sensação de que esta notícia não é real.
21) Padre Ticão era grande demais para morrer assim, tão cedo, sem aviso. Prefiro continuar imaginando que estamos distantes alguns quilômetros que um celular transforma em segundos para termos uma conversa. É a maneira mais tranquila para lidar com a ausência de um amigo querido
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Bom dia. Prometi um fio para hoje tendo como tema central o possível ocaso da forma-partido. Para começar o fio, recordo como os partidos surgiram no mundo político. Vamos a ele.
1) Farei uma breve referência inicial à dois autores clássicos nos estudos sobre partidos políticos: Maurice Duverger (“Os Partidos Políticos”) e Giovanni Sartori (“Partidos e Sistemas de Partidos”). Há muitos outros autores de referência nos estudos sobre partidos, lembremos
2) Sartori alerta para a transição do que se denominava “facção” para o conceito de “partido” que ocorreu na passagem do século XVII para o XVIII. Em 1782, Voltaire demarcou a diferença entre facção e partido
Prometi um fio sobre os motivos para o Senado derrubar o golpe que a Câmara de Deputados deu nos recursos do Fundeb. Lá vai. Será um fio curto.
1) Uma primeira causa foi a enxurrada de mensagens aos deputados com argumentos técnicos. Parece pouca coisa, mas parte dos senadores não está acostumada a aprofundar análises sobre financiamento da área social e seus impactos na vida dos seus eleitores.
2) Outra iniciativa foi uma ação articulada na grande imprensa. Mas, a ação principal foi o corpo-a-corpo que, nos EUA, chama-se lobby. O PSDB acabou rachado. E houve intenso trabalho envolvendo PDT, MDB, PSD e Rede. Todos senadores se reuniram com os articuladores pró-Fundeb.
Bom dia. Farei um mini fio analisando como empresários, Centrão e Bolsonaro decidiram mirar nos fundos públicos da educação e saúde neste último período e o papel do Centrão na manutenção dos índices de aprovação do governo federal. Lá vai fio:
1) Postei agora há pouco uma nota de Daniel Cara em que se revela o desvio de recursos públicos do Fundeb para a iniciativa privada: quase 16 bilhões. Não se trata de uma "ajuda" ao Sistema S ou às escolas filantrópicas. Trata-se de disputa por recursos públicos pelos empresários
2) O texto de Daniel Cara informa que "Em 2019, conforme análise de dados da Receita Federal produzida por João Marcelo Borges (FGV), concluiu-se que as entidades filantrópicas e confessionais receberam 6,37 bilhões de dinheiro público (...) e o Sistema S recebeu R$ 21 bilhões."
Vou começar o fio sobre o Fundeb que prometi fazer nesta manhã. Começo explicando a história que desaguou no Fundeb. O fio será grande. Lá vai.
1) O financiamento foi para a educação foi entendido como vinculação constitucional de um percentual mínimo de recursos para a educação a partir da Constituição Federal de 1934. O princípio da vinculação de recursos esteve presente nas Constituições Federais seguintes
2) A Carta de 1937 determinou que o direito à Educação se constituía num dever da família, e ao Estado era definido um papel secundário. Esta concepção retornou, em certa maneira, no discurso da Escola Sem Partido, para quem educação é papel da família
Há sinais de uma disputa importante que se insinua no interior do PT. Existem alguns polos em disputa. Mas, o foco geral é com as direções atuais, lideradas pela corrente majoritária: a CNB. Segue um pequeno fio
1) Muitas movimentações internas já ocorriam no PT quando o desastre eleitoral se prenunciava. Alguns lideranças diziam que preferiam aguardar o final das eleições para não serem acusados de contribuir para a derrota eleitoral. Mas, foi Genoíno que saiu à frente
Bom dia. Hoje, quero destacar uma nova liderança de Belo Horizonte. Uma liderança que lembra o Garrincha. Segue o fio
1) A analogia entre política e futebol é um recurso didático usado no Brasil. Há quem a considere uma marca masculina da narrativa política. Mas, sinceramente, esta distinção deixou de ter razão de ser até mesmo porque a melhor seleção de futebol de nosso país é a feminina.
2) O fato é que usar deste recurso é uma maneira de comunicar uma ideia ou interpretação política que pode ser árida para o leitor. Como desconhecer que ao dizer que um político parece um centroavante ao estilo “vamos que vamos” de Serginho Chulapa?