Hoje, publicarei aqui um fio que não é de minha autoria. Trata-se de um artigo exclusivo elaborado pela Jacqueline Muniz, do departamento de segurança pública da UFF. Escreveu a partir de uma postagem no grupo que eu coordeno, o Unidade na Diversidade. Vale muito a pena. Lá vai:
1) "Desde a minha tese de doutorado sobre a Polícia Militar, defendida 21 anos atrás, tenho insistido que o problema dos meios de força combatentes e comedidos é de governabilidade. (...)
2) Eles sofrem de emancipação predatória e se recusam a qualquer expressão de controle civil. Tem-se autonomia demais e controle de menos do principal poder que uma sociedade livre delega ao Estado para administrar em seu nome
3) (...) Controlar o poder de polícia ou exercer governo civil sobre o mandato de uso potencial e concreto de força tem sido a razão primeira das reformas policiais continuadas nos países democráticos. (...)
4) Todas elas buscaram blindar as polícias dos usos clientelistas e das apropriações privatistas. Isto corresponde a garantir que as polícias possuam independência político-partidária e dos interesses do mercado, sejam subordinadas ao seu mandato estatal e às políticas públicas
5) Afinal, as espadas, por sua própria natureza, têm um potencial de autonomização que se faz, em uma certa medida pactuada dentro do Estado e autorizada pela sociedade policiada, necessária para a produção de pronto-emprego policial e prontidão militar. (...)
6) Sem delimitação, controle e constante aprimoramento desta autonomia não se tem como garantir a estabilidade e a previsibilidade no exercício do poder por governos legais e legítimo. (...)
7) Sem governabilidade sobre os meios de força tem-se a constituição de autarquias sem tutela que aprisionam governantes em seus gabinetes, chantageiam parlamentares, silenciam oponentes, pautam a justiça e ameaçam a sociedade.
8) O poder de polícia, definido no Código Tributário de 1966 e as competências policiais herdadas da última reforma policial de 1968, são uma procuração em aberto produzida durante o regime militar. E seguem assim por força dos lobbies das polícias explicitados desde a CF e 1988
9) Note-se que o artigo 144 é uma reprodução emendada de entulhos do passado e que atenta contra o desenho federativo. Corresponde ao seis trocado por meia dúzia com palavrinhas performance de efeito.
10) Nas ambições de reforma policial no Brasil imperam o moralismo prescritivo e o gerencialismo voluntarista pautados em premissas fake-science. O mimimi da ingerência política é o discurso-chantagem para ampliação do poder coercitivo para fins particulares.
11) É a cantilena corporativista que tem possibilitado a milicialização, cujo nome adequado é constituição de governos autônomos policiais: um fenômeno comum quando a espada se autonomiza da sociedade, do estado e do governo eleito. Não somos únicos e nem originais nisso. (...)
12) Enquanto em meus artigos acadêmicos e de opinião tenho insistido sobre o governo dos meios de força em democracias, à luz das reformas de polícia no ocidente democrático, assisto aos unicórnios de carnaval ou as crendices sobre polícia e segurança pública.
13) Polícia, Policiamentos e segurança pública têm sido um território moral de negacionismo da produção científica dos últimos 70 anos. Ao invés de se buscar produzir controle falamos em unificação de polícia, na contramão do que se fez e faz em democracias.
14) Com isto, fortalecendo as ambições de monopolismo policial esboçado na carta de 1988. Ampliamos ainda mais o poder informal de polícia com discursos prevencionistas de natureza epidemiológica sem delimitação do que seja isto.
15) O que significou, na prática policial, licença para matar ou eliminar, já que não existe como se produzir prevenção direta em polícia.
16) Vejam que muitos discursos progressistas ao não quererem lidar com o problema do controle e da coerção em sociedades livres e plurais, reproduziram lendas emancipadas da ciência. E de certa forma fortaleceram os discursos corporativistas.
17) Cabe lembrar que a proposta de unificação de polícia saiu das PMs que pretendiam engolir as polícias civis. Como tenho insistido nestes 25 anos de pesquisas, ensino e formulação de políticas públicas, a espada não pode ela mesma definir a extensão e profundidade de seu corte
18) . Pois, assim, ela corta a língua do verbo da política à direita, à esquerda, ao centro e ao lado e rasga a letra da lei. Sabe-se que se o seu vigia se torna mais forte que você, ele senta na sua cadeira, te dá um golpe e governa em seu lugar.
19) Nosso suposto “sistema” policial possui concentração e centralização do poder coercitivo, ao arrepio de uma república federativa. Governadores têm servido como animadores de auditório das polícias. Parlamentares se prestam a serem promotores de autoestima policial.
20) A maior parte dos projetos de lei sobre segurança e polícia são pacotes prontos, escritos por representantes das corporações e isto não é de agora.
21) Desde 2000, se assiste à crescente condução das secretarias de segurança estaduais por policiais federais. Em 2008, eles já comandavam as secretarias de 16 estados. Este movimento cresceu nos governos progressistas. Adverti que ninguém manda na PF
22) Isto é um mimimi cortina de fumaça para ocultar a sua ingovernabilidade, assim como a de outras polícias. Desde Sarney tivemos 31 ministros da justiça e 17 diretores gerais da PF. Ministro que tenta controlar a PF costuma ser fritado.
23) Quais são os dispositivos profissionais de controle externo e interno das polícias? Não há. Quais são os dispositivos de accountability das polícias? Não há. Mas, entre nós a solução vem antes do problema.
24) O SUSP que concebemos, em 2003, virou um clube de agentes armados desregrados. A Força Nacional que projetamos virou um ornitorrinco que serve como uma gambiarra coercitiva para o ministro da ocasião brincar de polícia.
25) O SUSP que concebemos, em 2003, virou um clube de agentes armados desregrados. A Força Nacional que projetamos virou um ornitorrinco que serve como uma gambiarra coercitiva para o ministro da ocasião brincar de polícia.
26) O debate da segurança pública segue refém do discurso do medo e cloroquinado com os profetas de segunda-feira e os mercadores dos brinquedos da proteção. Tanto os conservadores quanto os progressistas permitiram a ampliação do poder de polícia sem regulação.
27) Isto de FHC para cá. Uns pela via repressiva e os outros pelo ilusionismo prevencionista woodstock. Assiste-se aos modismos de ocasião.
28) Não se deve colocar um guepardo para vigiar o nosso quintal. E tem sido isso que temos feito seja por achismo ilustrado, seja por ignorância vaidosa. Lembro que assim como o Gal.
29) Góes Monteiro deu vida à “Política do Exército”, assistimos hoje algo análogo com os projetos de lei sobre as polícias. Estas propostas são antigas e agora encontram ambiente para prosperarem. É bom lembrar que não se deve improvisar com espadas.
30) A inamovibilidade mais longa das chefias da PF foi nos governos Collor (7 anos de Romeu Tuma) e Dilma (6 anos de Leandro Daiello). Ambos sofreram impeachment. Coincidência, não? FHC, que não era bobo, governou sem criar controle policial.
31) Mas não deixou o pessoal da justiça e da segurança se apegar ao cargo. Teve 10 ministros da justiça e 6 chefes da PF. Ninguém esquentou cadeira para afiar espadas contra ele e seus aliados.
32) Bolsonaro também não tem nada de trouxa: em dois anos de governo, já contabiliza dois ministros da justiça e 3 chefes da PF. A esperteza foi manter a panela com rodízios dos grupos internos que seguram e mexem a colher de pau ao seu favor para fazer favores.
33) Enfim, seguimos de chantagem corporativa em chantagem corporativa, reféns da insegurança como projeto de poder, vendo golpe em tudo e não enxergando onde ele pode, de fato, se construir. Seguimos com a baixa institucionalidade e os limbos normativo-legais dos meios de força.
34) Mas, discutindo sobre o papel de bala ao invés de tratar do recheio podre. Agradinhos orçamentários e brindes corporativos não produzem lealdade e adesão das espadas. (FIM)

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11 Jan
Sobre o retorno às aulas presenciais, temos algumas orientações técnicas importantes. Vou postar um mini fio sobre elas. Lá vai:
1) A Fundação Oswaldo Cruz, órgão do Ministério da Saúde, publicou um documento com o título “Contribuições para o retorno às atividades escolares presenciais no contexto da pandemia Covid-19”, de setembro/2020
2) Este documento foi incorporado entre as referências adotadas pelo Ministério da Educação em seu Guia de Implementação de Protocolos de Retorno das Atividades Presenciais nas Escolas de Educação Básica (outubro/2020)
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6 Jan
Bom dia. Decidi fazer um fio para entabular algumas hipóteses explicativas sobre o motivo de chegarmos a este "Mundo do Centrão" em que nos metemos. Afinal, Centrão virou situação e oposição e domesticou esquerda e Bolsonaro. De onde veio isso?
1) Uma hipótese possível é a do resultado político do lulismo. Lula criou um governo "omnibus" onde cabiam todos. A diferenciação se desfez. Daí, essa dificuldade para o brasileiro médio em entender como houve golpe se os golpistas estavam no governo.
2) Com o lulismo, a esquerda permaneceu como uma referência teórica, como ideário, mas perdeu o ímpeto de mudança. A decorrência para os dias de hoje é que a esquerda brasileira existe como ideário, mas perdeu o ímpeto oposicionista.
Read 12 tweets
5 Jan
Bom dia. Ontem, aqui no Twitter, recebi um pedido para fazer um fio sobre a decisão do PT em apoiar Baleia Rossi para a presidência da Câmara de Deputados. Prometi que faria. E começo a cumprir a promessa. Lá vai:
1) A bancada federal do PT, por uma pequena maioria de 4 votos, decidiu apoiar Baleia Rossi, do MDB, aliado do DEM, para a presidência da Câmara dos Deputados. Foi um alívio para o PSB e Ciro Gomes que discutem se unir em 2022 numa chapa com o Centrão.
2) Em seguida, mais rápido do que um raio, foi composta formalmente a aliança de 11 partidos, liderada pelo DEM. O centro-esquerda, incomodada com sua imagem externa, divulgou uma carta para justificar os seus aparentes 119 votos (já que 41 desse bloco são contra o apoio)
Read 25 tweets
2 Jan
Bom dia. Perdemos, ontem à noite, uma dessas pessoas imprescindíveis: padre Ticão. O fio de hoje é sobre ele.
1) Algumas pessoas parecem imortais. Pela sua energia, pela firmeza, pela paixão, parecem indestrutíveis, líderes de tarefas sucessivas, urgentes, sem fim. Padre Ticão era uma dessas pessoas e confesso que a notícia de sua morte parece inverossímil.
2) A última vez que estive com ele o encontrei na entrada da igreja de São Francisco de Assis, em Ermelino Matarazzo. Ele ouvia, em silêncio, uma senhora que parecia angustiada. Logo depois, entramos na sala em que recebia os visitantes, abarrotada de panfletos e jornais.
Read 22 tweets
27 Dec 20
Bom dia. Prometi um fio para hoje tendo como tema central o possível ocaso da forma-partido. Para começar o fio, recordo como os partidos surgiram no mundo político. Vamos a ele.
1) Farei uma breve referência inicial à dois autores clássicos nos estudos sobre partidos políticos: Maurice Duverger (“Os Partidos Políticos”) e Giovanni Sartori (“Partidos e Sistemas de Partidos”). Há muitos outros autores de referência nos estudos sobre partidos, lembremos
2) Sartori alerta para a transição do que se denominava “facção” para o conceito de “partido” que ocorreu na passagem do século XVII para o XVIII. Em 1782, Voltaire demarcou a diferença entre facção e partido
Read 31 tweets
16 Dec 20
Prometi um fio sobre os motivos para o Senado derrubar o golpe que a Câmara de Deputados deu nos recursos do Fundeb. Lá vai. Será um fio curto.
1) Uma primeira causa foi a enxurrada de mensagens aos deputados com argumentos técnicos. Parece pouca coisa, mas parte dos senadores não está acostumada a aprofundar análises sobre financiamento da área social e seus impactos na vida dos seus eleitores.
2) Outra iniciativa foi uma ação articulada na grande imprensa. Mas, a ação principal foi o corpo-a-corpo que, nos EUA, chama-se lobby. O PSDB acabou rachado. E houve intenso trabalho envolvendo PDT, MDB, PSD e Rede. Todos senadores se reuniram com os articuladores pró-Fundeb.
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