A comunicação do Comitê de Política Monetária (Copom) dessa semana merece ser debatida com cuidado.
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1- o BC mais uma vez decidiu por unanimidade, a despeito da enorme incerteza no horizonte relevante. Sei que já tratei das decisões unânimes do BC em outras ocasiões (vide artigo abaixo c/ Braulio no @valoreconomico), mas isso sempre me impressiona.
2- no front externo, o BC admitiu que os estímulos monetários terão longa duração, devido à presença de ociosidade nas principais economias. Curiosamente, se foi na direção de retirar seus estímulos por aqui, a despeito da ociosidade recorde no mercado de trabalho desde 1976.
3- sim, o BC estimou no RTI de dezembro que seu forward guidance foi equivalente a uma redução surpresa da Selic de 25 bps. Logo, a retirada do forward guidance deve ter impacto contracionista. Sem falar que janeiro representou o fim de outras medidas de estímulo do BC.
4- acho precipitado o movimento do BC mesmo pq as expectativas seguem abaixo da meta. O auxílio emergencial foi encerrado em dez/20 e isso já deve ter efeitos consideráveis na demanda, em linha com a coluna do @AlexSchwartsman abaixo.
5- também é importante mencionar que as diversas medidas parafiscais que foram feitas em 2020 terminaram em dezembro. Isso tem efeitos na demanda (pois é crédito). Para quem desconhece, veja os montantes parafiscais no emprestômetro do @sebrae.
6- em relação à atividade, o BC reconheceu que houve surpresas positivas no fim de 2020. Mas tb deveria reconhecer que 2021 começou pior do que imaginávamos, com 2ª onda, atraso de vacina, incerteza etc. O tracker OCDE sugere piora em jan, como lembrou meu amigo @gilbertoborca.
7- o BC afirmou que “medidas de inflação subjacente apresentam-se em níveis acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação”. Se BCs tomam tanto cuidado com o que entra (ou nao) em suas comunicações, esses trechos dos núcleos têm sido desnecessários.
8- ontem, o @alexribeir0 escreveu coluna esclarecendo que “a descrição do nível dos núcleos não parece ser mensagem de política monetária”. Se isso é verdade, então essa comunicação deveria ser retirada do comunicado de política monetária.
9- além disso, não é claro quais as medidas subjacentes que o BC usa. Tem gente que olha pra inflação do mês com ajuste sazonal anualizada, tem gente que olha pra média móvel de 3 meses (MM3M) com ajuste sazonal anualizada. Ambas super voláteis e não tão informativas.
10- vejam, por exemplo, a MM3M com ajuste anualizado no grafico abaixo. Em 2019, ela chegou a alcançar a meta. Agora, ultrapassou a meta em nov/20, mas desacelerou em dez/20. Tem mto ruído aqui que se confunde com sinal.
10- já a média das medidas de núcleo segue muito bem comportada em 12 meses, flutuando ao redor do piso do intervalo de tolerância há bastante tempo, sendo que a medida mais aderente ao hiato (ipca-ex3) segue ainda abaixo do piso.
11- diga-se de passagem, a média dos núcleos de inflação está desde 2018 flutuando ao redor do piso. Já tratei disso nesse artigo do @valoreconomico. Dissipados os choques, o hiato do produto negativo volta a predominar. This time is NOT different.
12- agora, voltando para a parte mais importante: as projeções de inflação do Focus e do BC estão abaixo da meta no horizonte relevante. Em condições normais, deveríamos discutir novos estímulos, mas estamos bizarramente discutindo aumentos de Selic esse ano.
13- além disso, o fim do forward guidance ocorreu mesmo com a projeção do BC em 3,6% e a meta sendo 3,75% para 2021. Isso ocorreu porque o BC deslocou o horizonte relevante pra frente (com foco principal em 2022) - ao meu ver de maneira errada, mas isso merece discussão à parte.
14- em 2022, as projeções estão na meta pq o BC é crível e pouca gente faz projeções para um horizonte ainda longínquo. Daí, simplesmeste colocam a meta como melhor palpite. E isso afeta tb as projeções do BC. Por causa disso o forward guidance caiu.
15- para os que acham que o BC deveria elevar juro em breve, a projeção do BC mostra de forma clara: se Selic sobe em agosto, como o Focus prevê, o IPCA termina 2022 abaixo da meta. Ou seja, o recado é: “mercado, pfv projetem esse alta para depois”.
16- lembrando que política monetária é instrumento de gestão da demanda agregada. Por meio dela, o mercado de trabalho é afetado e, assim, salários e preços mudam. Com o desemprego que temos, fiscal e parafiscal contraindo, não faz sentido falar em aperto monetário agora.
17- posto de outra forma, com hiato bem negativo e expectativas abaixo da meta, só faz sentido falar em aperto monetário se tiver muita certeza na sua estimativa de taxa neutra positiva.
18- De fato, houve surpresas inflacionárias no final de 2020, como o próprio BCB reconhece. Mas é importante lembrar: a banda serve precisamente para isso.
19- gostaria de saber qual a projeção da média dos núcleos do BCB e do mercado para 2021 e 22. BCB mudou o Focus recentemenge, mas perdeu a oportunidade de pedir essas e outras informações para o mercado (como bem me lembrou meu amigo Braulio Borges @macrolca).
20- por fim, cabe lembrar do cenário de prolongamento da pandemia que o próprio BC divulgou no RTI de dez (bcb.gov.br/content/ri/rel… ). Não podemos perder esse cenário de vista, nem deixar que choques temporários nos iludam sobre a tendência da inflação.
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Sobre o projeto de autonomia do BC, aprovado nesta semana pelo Senado, seguem alguns esclarecimentos e sugestões para a Câmara melhorar.
(1/n)
Antes de tudo: autonomia não é a mesma coisa que independência. Com autonomia, a sociedade escolhe as metas e o BC persegue as metas sem influência política. Com independência, o BC escolhe e persegue as metas.
(2/n)
O projeto aprovado no Senado dá autonomia ao BCB. Isso significa que a sociedade seguirá escolhendo as metas por meio de seu representante eleito (que indica as pessoas para o CMN) e o BCB utilizará os seus instrumentos para alcançá-las.
Convido a todos que se importam com a decadência do Rio de Janeiro para participar do lançamento do livro “Maravilhosa para Todos: políticas públicas para o Rio de Janeiro”, que tive o prazer de organizar. Amanhã, dia 14/10, às 20 horas, ao vivo no link: m.youtube.com/channel/UCTlpK…
O livro foi escrito por 42 especialistas em diversos temas que afetam a cidade:
A atuação do BNDES tem provocado um debates entre economistas, políticos, formadores de opinião e na população de forma geral.
Esses debates são saudáveis e devem ser estimulados, pois o BNDES é uma instituição pública.
Mas o que realmente aprendemos sobre o BNDES?
No artigo abaixo, feito por mim, em parceria com Samuel Pessoa (FGV/IBRE), Eduardo Pontual (UFRJ) e Fabio Roitman (BNDES), resenhamos toda a evidência empírica causal sobre o principal banco de desenvolvimento do Brasil. Foram 70 papers ao todos.
Taxa de desemprego responde a dois mestres: (i) taxa de ocupação (medida pela razão PO/PIA); (ii) taxa de participação (PEA/PIA).
Qd a taxa de ocupação cai, o desemprego aumenta. Qd a taxa de participação cai, o desemprego cai.
A taxa de ocupação está caindo devido à pandemia. Como o movimento é intenso, a alta do desemprego deveria ser grande.
Mas o desemprego no trimestre móvel até abril com ajuste sazonal foi de 12,1%, o que representa um aumento de apenas 0,5 p.p, ante o trimestre móvel anterior.
Acontece que a taxa de participação está desabando no Brasil. A quarentena e as transferências de renda estão mantendo as pessoas que perderam emprego sem procurar novas ocupações. Isso diminui a população economicamente ativa e a taxa de participação (ver grafico)
Antes de tudo, quero relembrar a comunicação feita em março: o BC havia que quedas da Selic abaixo de 3,75% poderiam ser contraproducentes.
Hoje, não só reduziram para 3%, como já prometeram mais um ajuste, não maior que o atual.
Isso sugere que o discurso do BC para não reduzir mais a taxa de juros era tão somente um discurso. Uma desculpa, como tantas outras que temos assistido nas discussões de política monetária. Como tenho dito com meu amigo Bráulio Borges, é a inflação de desculpas.
Isto posto, o BC reduziu a Selic em 75 bps. Há claramente espaço para juros menores, vide as projeções do cenário híbrido. Mas sabia que o BC estava na dúvida entre 50 bps e 75 bps - essa era a discussão relevante no mercado. Dentro desse leque, foi bom.
Há capacidade ociosa na economia brasileira? Tenho respondido que SIM. Para isso, recorro a uma média de várias estimativas de hiato do produto no Brasil (como há incerteza sobre essa variável, a média é uma boa escolha). No último dado: PIB ainda 4,3% abaixo do potencial
Na última ata do comitê de política monetária (Copom), o banco central externou preocupação sobre a possibilidade das medidas tradicionais de hiato estarem superestimando a ociosidade da economia.
Hoje, relatório da área macro do Banco Itaú, muito bem feito, mostra que a elevada taxa de desemprego, combinada com o NUCI em níveis mínimos históricos é compatível com significativa capacidade ociosa na economia brasileira.