Você já ouviu que "é errando que se aprende".

É um ditado que diz muito sobre a vida e o trabalho de Rogério Ceni no Flamengo.

Nos últimos jogos, deu pra ver uma nova engrenagem ofensiva no time. Mas só ai dar certo com muita insistência. Como encurtar o caminho? Veja no fio👇
Contra Palmeiras e Athletico, Rogério Ceni mostrou uma nova ideia para a fase ofensiva do Flamengo.

Se formos colocar em números, fica num 3-2-4-1. Só com a bola. O esquema tático do time é o 4-2-3-1 de sempre do Rogério.

A disposição fica exatamente como esse campinho, ó.
Nesse novo desenho, Filipe Luís e Willian Arão mudam bruscamente de função e passam a ser construtores numa saída de três.

Diego assume um papel mais de meia de ligação junto a Gérson e fica logo na frente deles.

Arrasca e Éverton Ribeiro jogam entre as linhas dos adversários.
A grande sacada pra entender a oscilação do Flamengo com Rogério não é criticar as mudanças ou pedir saída.

A gente só entende o trabalho do treinador quando entende suas intenções.

Assim conseguimos ver, de fato, o que o técnico quer, o que funciona e o que não funciona.
O novo posicionamento do tem um objetivo MUITO claro: Diego e Gérson devem atrair o meio-campo do adversário e permitir que Arrasca, Éverton e Gabi fiquem LIVRES na entrelinha.

Isla e Bruno Henrique ficam bem abertos pra ajudar nesse lance de atrair o meio e abrir espaço.
Essa ideia, no papel, é brilhante. O time posiciona dois grandes criadores perto do círculo central e deixa três caras criativos e rápidos soltos pra bater de frente com os zagueiros, que são mais lentos.

Agora é preciso ver o que funcionou e o que não funcionou.
Funcionou contra o Palmeiras porque Diego e Gérson conseguiam chamar o meio-campo e abrir a entrelinha para Arrasca e Éverton.

Olha só: três do Palmeiras "saltam" no Gérson+Diego e o resto fica esperando no espaço. Aí o Gabigol pode ficar à frente, dando profundidade.
Toda vez que Diego recuava, o Palmeiras avançava com dois, três..e aí entra a sincronia: Éverton e Arrasca entendiam que havia uma lacuna para jogar e não voltavam tanto.

Quando voltavam, havia um combinado de pelo menos um ficar no espaço e receber na entrelinha.
Como Gérson e Diego tinham mais opções à frente, eles conseguiam jogar com mais confiança e o Flamengo fazia direto isso aí da imagem: o Éverton recebia e tirava um zagueiro do Palmeiras, dando espaço para o Gabigol infiltrar.
Olha como o meio-campo do Palmeiras caía na armadilha...

O tempo todo vindo marcar o Gérson e Diego, sendo surpreendido com um passe para a entrelinha e tentando lidar com três criadores totalmente soltos no campo...

Foram MUITAS chances criadas com esse mecanismo.
Não teve nenhuma mudança contra o Athletico. O Flamengo jogou DA MESMA FORMA. Só que o adversário impôs uma outra experiência para a engrenagem ofensiva de Ceni.

A resposta do time não foi boa. Afinal, é uma nova situação. Um novo desafio e leva um tempo até todos entenderem.
A primeira mudança em relação ao Palmeiras foi na compactação. Defesa e meio jogaram muito mais próximos, diminuindo o espaço entre as linhas que Arrasca e Éverton tinham.

Menos espaço significa menos tempo pra receber, dominar e girar.

Significa mais roubadas de bola do CAHP.
A segunda mudança foi em relação a Diego e Gérson. Lembra que eles conseguiam chamar todo o meio do Palmeiras?

Pois é, Autuori sacou isso. E organizou uma marcação que evitasse tanto conforto para eles conectarem o time.

Gérson e Diego foram pressionados O TEMPO TODO.
Primeiro, os dois atacantes (Nikão e Kaiser) ajudavam mais no cerco a Diego, permitindo que o meio andasse para frente sem tanto perigo.

Tá vendo o Arrasca na entrelinha aqui? Ele jamais vai receber a bola com dois no cafungo do Diego e o Gérson bem marcado.
Tá vendo o Arão, Filipe Luís e Gustavo alinhados? E o Arrasca na entrelinha?

Isso é um sinal de que o elenco entendeu a IDEIA de Rogério Ceni e já consegue cumprir ela, mas que ainda erra na EXECUÇÃO dessa ideia em campo quando o adversário vem com uma armadilha nova.
Era uma marcação tão organizada que a defesa do CAHP saltava também para neutralizar a entrelinha. Arrascaeta não ficou tão solto assim em campo, e Diego muitas vezes tinha que girar (novidade) e tocar para trás ou para Isla, o único de fato a se apresentar.
Os jogadores podem não expressar, mas eles entendem tudo isso em campo e tentam achar soluções.

Uma das soluções foi Éverton recuar mais pra ajudar nessa etapa de construção. Tentar surpreender o CAHP...em vão. O lateral encaixa nele e vai até o fim. E o meio-campo organizado.
É muito simplista achar que se uma coisa não dá certo, basta trocar. Se o jogador erra, tira do time. Se o técnico perde, demite.

Mas o sucesso do Flamengo está ligado à sequência dessa ideia ofensiva de Ceni. Assim como esteve ligado à sequência de Jorge Jesus no time.
Só a sequência fará os erros contra o CAHP se tornarem aprendizados. Que podem ser colocados em prática no próximo jogo e amadurecer ainda mais essa ideia.

É um processo, certo?

E processo leva tempo.

Vem aí a questão: a torcida não tá disposta a dar tempo, não. Com razão.
Como que Rogério pode encurtar o caminho para essa engrenagem funcionar?

É aí que entra o elenco e o papel de Pedro, que poderia ajudar o time dando profundidade e abrindo espaço nesses jogos mais difíceis.
Como? Com um conceito chamado de profundidade.

Pedro poderia pegar a cola de um zagueiro e correr para frente, em diagonal. O adversário seria obrigado a acompanhar ele, fazendo com que as duas linhas ficassem mais distantes....criando o espaço que faltou pro Arrasca jogar.
Rogério não entende desse jeito e deu os motivos dele, veja:

"Jogam na mesma posição porque é de área. Pedro e Gabriel posso colocar os dois juntos, mas não tenho a recomposição. O jogo é em duas partes. Atacando a na recomposição. Os dois se esforçam, mas não são marcadores."
Eu discordo. Mas com base. Olha o quanto de coisa tive que mostrar pra vocês pra discordar.

Será que as críticas por aí tem esse mesmo embasamento? Será que a gente avalia corretamente os treinadores ao ficar pegando no pé sem sequer ENTENDER eles pra PROPOR algo construtivo?
A irritação é justificável. Ceni chegou com uma expectativa alta que não foi cumprida.

Te pergunto: você conhecia mesmo o Ceni, ou só caiu na ideia de que ele era o "melhor brasileiro" e outras narrativas hiperdimensionadas?

globoesporte.globo.com/blogs/painel-t…
O torcedor age com paixão mesmo.

Mas a pergunta mais importante nesse momento é: a diretoria do Flamengo sabia que Rogério Ceni é um técnico que costuma demorar a implementar sua ideia no time, como ele mostrou no Fortaleza?
No dia em que Ceni se apresentou, escrevi um texto dizendo que ele precisa de tempo e organização, mas que o Fla veio com uma expectativa de que ele arrumasse a casa rapidamente.

O erro não é o Rogério.

É a contratação feita com um diagnóstico errado.
globoesporte.globo.com/blogs/painel-t…
É tão mais fácil culpar os técnicos pelas expectativas não correspondidas. É tão sedutor achar que basta trocar o técnico e tudo se resolve.

Mas o principal problema do futebol brasileiro é contratar um técnico sem conhecer nem a metodologia dele direito. Querer A e receber B.
O que acontece com Rogério no Fla se repete TODO ANO, umas trinta vezes.

Aconteceu com o Barbieri, que agora a torcida pede de volta.

Será que o cara "era ruim", ou é a direção que erra na avaliação do treinador?
Não tenho bola de cristal para saber se Rogério vai dar certo ou não no Flamengo.

A ideia tá ali, é boa...falta aprender mais com os erros. E isso envolve tempo pra esse processo se concretizar.

Não existem garantias num esporte tão imprevisível com o futebol.
Mas uma coisa é certa: precisamos avaliar o futebol de uma forma mais racional, sem inflar e cair na megalomania.

A mãe da decepção é a expectativa.

E no caso do Rogério, a expectativa em torno dele foi toda errada.
Mais detalhes lá no meu blog no @geglobo!
glo.bo/3iPR8Ls

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10 Jan
Quando um time joga mal, um clichê comum é dizer que "falta padrão de jogo". Que o time é uma bagunça.

É o que acontece no Flamengo.

Mas não é pelo tal do padrão. O Flamengo tem uma ideia de jogo, até que bem clara. Só que ela não tá sendo executada como deveria. Segue o fio👇
Primeiro de tudo, o que é esse tal de padrão de jogo?

Diz o dicionário que o termo "padrão" significa "Aquilo que serve para ser imitado como modelo; protótipo".

Logo, padrão é algo a ser seguido. Algo para se espelhar e REPETIR ao longo do tempo.
Padrão é algo para você se basear.

Um padrão de jogo é um posicionamento ou movimentação que os jogadores devem seguir nos momentos do jogo (ataque, defesa, transição) para todo mundo chegar no mesmo objetivo: a vitória.
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10 Jan
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6 Jan
Como você lida com as coisas: impõe seu jeito ou se adapta à situação?

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Como Abel chegou nessa ideia? Por que deu certo? Segue o fio 👇
Quando você procura se adaptar às situações da vida, o mais importante é ler bem o momento. Entender o adversário e mapear seus pontos fortes e fracos.

Analisar.

Esse jogo não começou ontem. Começou nas reprises que Abel Ferreira e sua comissão assistiram nos últimos dias.
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16 Dec 20
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Sim, detalhes, como a posição do corpo do Rony ao receber a bola, explicam essa crescente. Segue o fio 👇
Quando a gente assiste um jogo, por diversão ou não, é natural olhar só a bola. Ela é o centro do jogo! Valorizamos o que ele faz, como maneja e controla.

Mas lembrem: futebol é interação. Quem tem a bola depende de quem não a tem para o time continuar o jogo e chegar ao gol.
Vamos fazer um teste?

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11 Dec 20
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Sabe o que mudou?

O tempo. Logo ele, que teimamos desrespeitar. Segue o fio👇
Para muitos, futebol é um exercício simples onde 22 pessoas chutam uma bola até fazer o gol. Então basta contratar as melhores pessoas em cada tarefa dentro de campo (que são as posições), juntá-las e pronto! O time vence. Não é errado pensar assim, parece uma conclusão lógica.
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11 Nov 20
O Flamengo é a chance da vida de Rogério Ceni. Ótimo elenco, salários em dia...

Mas estamos esquecendo de um ponto fundamental: ele teve tempo para implementar suas ideias no Fortaleza.

O Flamengo vai dar esse tempo também?

Que ideias? Quanto tempo? Vamos entender no fio🧵👇
Para entender porque Rogério precisa de tempo, até mais do que Domènec, a gente precisa voltar três anos CRAVADOS no tempo.

Afinal, foi exatamente no dia 10 de novembro de 2017 que o Leão de Pici anunciou Rogério Ceni como seu novo técnico.
A expectativa não foi exatamente cumprida de imediato. Rogério perdeu três clássicos em quatro meses com o Fortaleza, sendo dois deles na final do Cearense de 2018.

A torcida pediu a imediata demissão de Rogério, chamado de estagiário e inexperiente.
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