Está na hora de a gente se perguntar se parte da tragédia que estamos vivendo não pode estar vindo justamente do viés de comissão da maioria dos nossos médicos mecanicistas e leigos.
Em outras palavras: fazer mais do que o paciente precisa também causa dano.
O médico leigo, aquele que se informa por vídeos do Alexandre Garcia, tweets de “comentaristas políticos paranóicos de xadrez 4D” e pelo grupo Dignidade Médica no Facebook (é irônico porque lá não se vê dignidade nenhuma) é também o mesmo que não pensa que:
- Quando um remédio é ineficaz, sobra dele apenas os seus efeitos colaterais, danos e riscos.
A quantidade de pacientes que recebeu, por exemplo, anticoagulantes (até aqui apenas uma hipótese de baixa plausibilidade - mas na cabeça do mecanicista, só isso basta), é incontável.
Se um país joga fora os conhecimentos da Medicina Baseada em Evidências porque existe um complô da Big Pharma e do governo do Joe Biden com o globalismo do Soros e passa a fazer o tratamento do seu jeito...
Se esperava mais desse país.
Só que não é isso que estamos vendo.
Outros exemplos de possíveis vieses de comissão (inabilidade de ficar inerte quando não se tem o que fazer):
- Tratamento diferente por “fases de doença” (que coisa mais mecanicista)
- HCQ porque é de direita
- Ivermectina pq ouviu dizer
- Vitamina D e zinco porque viu no Insta
Todos esses exemplos, individualmente sem sentido e ineficazes, viraram o padrão de tratamento da doença.
Enquanto o resto do mundo faz diferente, os nossos médicos teimam em achar que Medicina é a arte de quem tem as mais inovadoras ideias.
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Luis teve um diagnóstico que, segundo seu médico, precisa de cirurgia urgente.
Na verdade, ele teve um “overdiagnosis” e o seu tratamento desnecessário teve desfecho trágico.
Mesmo assim, Luis é grato e ilustra o proposto “viés do gato de Schrödinger”, que acabamos de publicar.
Aos 60 anos, assintomático, Luis foi impactado por esse diagnóstico em um inocente exame de check-up. Seu médico lhe explicou a gravidade e o mecanismo da doença e do seu tratamento cirúrgico.
Em um universo paralelo, Luiz, de 60 anos, não realizou este exame.
Como um bom espectador de programas matinais de saúde, Luis (com s) não pensou na possibilidade de:
- Exame falso positivo - grande problema dos check-ups
- Overdiagnosis - quando é diagnósticada uma doença que não levaria a sintomas ou morte
Um pouco sobre como funciona a Medicina de verdade (longe dos holofotes do Bem Estar, das discussões de Pingo nos is, das falsas promessas populistas e da estatística de jardim de infância)…
Uma breve história sobre o tratamento e a letalidade do infarto agudo.
Até a década de 50, a letalidade de um evento de infarto era de 35 - 45%.
Isso significa que 35-45 a cada 100 pacientes infartados morreriam por este evento e os demais sobreviveriam (com problemas sérios, mas sobreviveriam).
O tratamento da época era incapaz de reduzir isso.
Na época, os infartados eram reclusos em quartos longe dos postos de enfermagem (onde há mais barulho), porque havia alguma percepção (que se confirma) que os estímulos estressores poderiam lhes causar problemas.
Braunwald, autor do maior tratado de cardiologia, escreveu:
Os 50% noticiados são de REDUÇÃO RELATIVA DE RISCO. Se era, digamos, de 10% o risco de pegar a doença, com a vacina, cai para 5%.
Não é cara ou coroa.
A showmicialização da vacina culminou nesse desastre de divulgação. Termos são usados de maneira errada.
Perde o debate limpo.
Pra quem tá falando que 50% é como cara ou coroa, experimente, um dia, ler um artigo científico. Você vai se assustar com o fato de que mesmo as melhores terapias não reduzem em 100% seus desfechos primários.
Ex: AAS reduz em 20% o risco relativo de morte vascular em infartos.
O valor de p é uma convenção mais vezes perigosa do que útil em pesquisas médicas porque significa a chance de que os resultados daquela amostra tenham sido encontrados ao acaso. Se p < 0,05 (5%), então alguns médicos aceitam esse resultado e compartilham o estudo pelo zipzop. +
O que não se diz sobre o valor de p?
- Que quanto mais manipulada, fora do usual ou enviesada for a pesquisa, maior a chance de obter valor de p significativo.
- Que deve ser visto como um intermediário da resposta final, não como “encerrador de questão”.
Para exemplificar, imagine que eu quero introduzir um novo fármaco no tratamento do COVID. É uma ótima oportunidade porque isso é uma mina de ouro: basta fazer um post com alguma aparência técnica no Instagram inventando um mecanismo e dizendo que encontrei a cura - sucesso.
Sabe quando você é criança e pede aos seus pais que comprem algo, eles falam que não têm dinheiro e você soluciona isso com “é só fazer um cheque” ou “é só passar no cartão”?
Difícil explicar isso pra criança né?
Mesma coisa com isso aqui. Evidência de jardim de infância. +
O gráfico multiplica os valores de p dos estudos e chega à conclusão de que há uma chance em 910 bilhões de que 148 estudos + sejam falsos.
Bem, vamos lá tentar explicar pra uma criança o que é inflação…
Ou “por que 148 estudos mostrando que lixo é ouro não fazem do lixo, ouro”.
Em primeiro lugar: nenhum desses ditos 148 estudos positivos tem força suficiente para confirmar uma hipótese. Não é número de estudos, mas a força deles. Tenho sempre falado aqui: todos os estudos randomizados, controlados e cegos que testaram a HCQ falharam.