Aprofundando a polêmica: crime permanente e flagrante pela publicação de vídeos no YouTube (segue o longo, confesso, fio).
Os crimes permanentes têm duas características distintivas: (um) constância da conduta típica, seja comissiva, ou omissiva; e (dois) constância da lesão ou exposição a perigo do bem jurídico subjacente ao fato típico.
Há crimes “naturalmente” permanentes, como a associação criminosa. Alguns crimes, porém, podem ser incidentalmente permanentes. Ex: artigo 48 da Lei n. 9.605/98 - impedir a regeneração natural de florestas.
Se o meio impeditivo for permanente, então o crime assume essa mesma característica, cf. precedentes do (AgRg no REsp 1840129 / RN). Os crimes permanentes diferem-se daqueles que, embora instantâneos, geram efeitos permanentes.
Imagine quem use documento falso (1 vez), q gere benefícios previdenciários; nesse caso, há 1 única ação, ñ cabendo falar em crime permanentes. 1 vídeo disponibilizado em redes sociais ser um crime permanente? A primeira questão é: há continuada ofensa ao bem jurídico protegido?
No caso de um vídeo que registra um homicídio, a resposta é evidentemente negativa. O bem jurídico vida foi afetado, sem possibilidade de acréscimos pelo decorrer do tempo.

E se o vídeo contiver conteúdo que incite a crimes contra o Estado de Direito?
A permanência do vídeo nas redes representa incremento contínuo ao bem jurídico, um dos elementos do crime permanente.

E a permanência da ação típica?
Os crimes comissivos, muitas vezes, contêm as formas omissivas. Quem alveja 1 pessoa, por 5 vezes, atingindo regiões letais, e a abandona para q morra, comete homicídio comissivo, ainda q tenha havido omissão em evitar a morte. A omissão fica absorvida pela comissão inicial.
Da mesma forma, quem trancafia o sequestrado, o faz uma vez só; é sua omissão em devolver-lhe a liberdade que dá permanência ao crime.

Penso que raciocínio análogo se possa fazer no crime de incitação pela via digital.
Aquele q grava e publica e depois republica ou fomenta o compartilhamento, dá perenidade ao delito. Da mesma forma, aquele q ñ age p interromper a veiculação, ainda q nunca totalmente efetiva, haja vista a quase impossibilidade de sumirem, para sempre, conteúdos publicados online
Aceito esse desenho, é possível prender alguém em flagrante por vídeos que incitem a crimes contra o Estado Democrático de Direito?

Sim. Se se o aceita como permanente, o flagrante é possível.

Essa conclusão deve, porém, ser lida cum granum salis.
Imagine q hoje eu grave um vídeo com esse mesmo conteúdo e o publique, com um total de 100 visualizações. Dada a ínfima repercussão do vídeo, ele passa batido. E se, depois de 2 anos, eu me tornar uma celebridade e esse vídeo renascer? Posso ser preso em flagrante?
A resposta me parece negativa. O ressurgimento do vídeo já é um indicativo de que ele não permaneceu ativo durante os 2 anos, com exposição relevante e continuada a perigo do bem jurídico.
E se eu (um) repercutir ativamente ou vídeo, ou (dois) não fizer o que estiver ao meu alcance para retirá-lo do mundo digital, ou, ainda (três), não sendo possível fazê-lo, me retratar com sinceridade e veemência desse conteúdo?
Então há ação ou omissão q renova aquela ação primeira, q atualiza seu caráter criminoso, a permitir o flagrante.

Sempre bom reforçar q flagrante não é prisão cautelar, ou seja, a necessidade de manter-se a prisão deve ser analisada cf os arts. 311/312 do CPP.

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