Em artigo recente, @davidmagalhaes e eu argumentamos que, em vez de chamar Bolsonaro de negacionista, deveríamos considerá-lo um "populista sanitário", ou seja, alguém que usa medidas médico-científicas, ainda que desconexas, para legitimar suas (in)ações diante da pandemia 👇
Nem entrarei no mérito, bem levantado pela @brumelianebrum, de que esse caos não é fruto de incompetência, mas de um projeto deliberado de destruição. Tudo indica que é. Quero comentar sobre a ciência alternativa, ou "alt-science", que gravita em torno do governo Bolsonaro 👇
Alt-science é um movimento difuso de supostos "buscadores da verdade" que militam por posições científicas minoritárias a partir de evidências parciais, pseudociência e teorias da conspiração. São médicos, celebridades, empresários unidos pela desconfiança do establishment 👇
O mais importante é que não se trata de negacionismo, mas sim de um esforço (difuso, mas coordenado) de usar a ciência para legitimar posições políticas, justificar a incompetência, responsabilizar terceiros, tudo dentro de uma estratégia populista de governo, como vemos no 🇧🇷👇
As redes sociais são a plataforma perfeita para que a alt-science floresça. Não à toa, Bolsonaro frequentemente recorre a informações de Whatsapp para municiar seus discursos. Outro dia, usou um estudo alemão (parcial e metodologicamente falho) para militar contra máscaras 👇
Foi assim desde o ano passado. Conceitos exóticos, como "lockdown vertical", e opiniões completamente furadas de médicos irresponsáveis, como Osmar Terra, sustentaram o populismo sanitário do presidente. Não há estudos sérios, mas vídeos no Youtube e posts de Facebook e tweets 👇
Há um mecanismo de autorreforço. O presidente recebe informações alt-science pelo zap, a imprensa bolsonarista valida e divulga (pelo zap), os jornalistas bolsonaristas da mídia tradicional, geralmente @JovemPanNews, chancelam qualquer absurdo da live de quinta, e segue o jogo👇
Por isso, nada que Bolsonaro divulga deve ser tratado como algo menor, ou um lapso. Além da óbvia responsabilidade de um presidente, que não deveria mentir nem deliberadamente usar dados duvidosos, é impossível contestá-lo uma vez que a desinformação já foi validada em rede👇
Um bom exemplo de como esse mecanismo opera é o vídeo absurdo da @AnaPaulaVolei falando sobre as mortes pós-vacina. É uma mistura de informações duvidosas, raciocínio rasteiro e falácias lógicas. Mas serve p/corroborar a ladainha antivax bolsonarista 👇
Mesmo que diversas agências de checagem (globalistas, eles dirão) mostrem que as informações não procedem ou são distorcidas, a narrativa já foi criada, divulgada e legitimada. Nos grupos de zap, milhares (ou milhões) de brasileiros já irão comentar que a vacina pode matar 👇
Outro bom exemplo é o novo estudo dizendo que o lockdown não adianta porque, em Manaus, as pessoas pegaram Covid sem sair de casa. Pior: contrariando a avaliação do @oatila, alega que a variante brasileira foi favorecida pelo isolamento (!) e não pela circulação livre do vírus 👇
Aqui, um pequeno exemplo de como pensam 3 dos 4 autores do estudo. Claro que isso não invalida os dados ou os métodos, mas sugere que o esforço tem objetivo claro (não só científico, mas político). Eles são conhecidos militantes contra isolamento e pró-tratamento precoce 👇
Inclusive, outro estudo dos mesmos autores a favor do tratamento precoce foi utilizado pelo procurador bolsonarista Ailton Benedito p/blindar a posição do Ministério da Saúde, já que uma das narrativas correntes é a de que não teríamos 260 mil mortos se tivessem usado vermífugo👇
Voltando ao estudo de Manaus: na própria matéria do site olavista Brasil Sem Medo, o jornalista alerta para o fato de que os dados são incipientes e não devem ser usados para políticas públicas. Mas essa ressalva pouco importa: para construir a narrativa, basta a manchete 👇
Não assisti à live de ontem e não sei se ele já falou sobre os riscos de ficar em casa. Mas não se surpreendam se, em breve, Bolsonaro e seus apoiadores começarem a dizer, sem pudores, que a culpa da "variante brasileira" é do lockdown. É assim que a roda do populismo gira.
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Uma vez comentei uma postagem absurda do deputado-bombado com um artigo da CF88. Além de me xingar, naquele mesmo dia ele gravou um vídeo dizendo que gente como eu ("cientistas políticos vagabundos que vêm regurgitar a Constituição") deveriam levar um "tiro bem na cabecinha" 👇🏼
Na época, fiquei até com certo receio, mas não fiz nada. Achei melhor deixar pra lá. Segui criticando o deputado publicamente por + 1 ano, até ele me bloquear recentemente. Passei a tratá-lo como palhaço, um sujeito que decorou palavras difíceis do dicionário p/parecer erudito 👇🏼
Não sei se teria feito alguma diferença se eu entrasse na justiça contra ele. Acho até que não, até porque esses caras são inconsequentes e perigosos. A prisão recente, por mais controversa que seja, tem uma função pedagógica: revela a verdadeira face dos tigrões virtuais... 👇🏼
🧵Rússia e México estão entre os "pretendentes" a parceiro privilegiado do 🇧🇷. São países de boas relações históricas conosco, mas que nunca foram centrais na estratégia brasileira. Diante do isolamento diplomático do governo Bolsonaro, os olhos se voltaram para eles. Por quê? 👇
1) O caso russo é interessante, já que Putin se coloca como uma espécie de "terceira via" geopolítica. Manteve boas relações com Trump (há até quem diga que o sharp power russo tenha ajudado a elegê-lo) e possui vínculos com a China, mas quer se afirmar como um pólo independente.
2) Boas expressões dessa independência econômica/militar são (1) o ativismo no espaço pós-soviético, que inclui interferência em vizinhos como Ucrânia, Geórgia, Belarus; (2) engajamento no O. Médio (Síria, Turquia, Irã, Catar); (3) maior presença além-mar (África, Venezuela)
A única coisa que sustenta o bolsonarismo é a fabricação de inimigos imaginários.
Essa é a base da guerra cultural, criação desvairada de narrativas conspiratórias sobre forças ocultas e onipotentes.
Não é só espuma. A guerra cultural afeta diretamente as políticas públicas 👇🏼
Desde o princípio do governo, estava claro que a guerra cultural era a razão da sanha dos olavistas em ocupar espaços em áreas-chave: cultura, educação, direitos humanos, política externa.
Em todas elas, desejava-se construir uma nova ideia de Brasil, cristão e conservador 👇🏼
A infame frase de Bolsonaro na ONU é a melhor tradução disso: "o 🇧🇷 é um país cristão e conservador". Somos majoritariamente cristãos, sim, mas isso não faz do povo um monolito de ideias e convicções.
Essa idealização do Brasil serve bem aos interesses populistas do presidente👇🏼
Esse artigo que escrevi com meu amigo @davidmagalhaes é um dos + importantes que escrevemos.
Nele, buscamos responder à seguinte pergunta: o que permitiu que populistas continuassem sendo populistas diante de uma crise sanitária, mesmo colocando em risco a saúde das pessoas? 👇🏼
Nossa resposta passa por 2 conceitos:
1) Populismo médico: uso de retórica divisiva p/reduzir responsabilidades durante a crise e transferi-las p/outros atores;
2) Ciência alternativa: rede de suporte ao populista que propõe soluções pseudocientificas c/verniz de legitimidade👇🏼
Analisando a promoção da cloroquina no Brasil e nos EUA, percebemos que Bolsonaro e Trump optaram por lidar com a crise não de forma abertamente negacionista, mas pretensamente científica, c/argumentos amparados por uma rede de médicos, jornalistas e influenciadores de direita👇🏼
Primeiro, golpe simbólico: o bolsonarismo veio à sombra do trumpismo, imitou suas táticas, importou suas narrativas. Bolsonaro terá que se agarrar a outros referenciais daqui em diante.
Mas a maior vítima é a política externa 👇🏼
Já disse, aqui, que o comportamento irresponsável de Bolsonaro coloca o 🇧🇷 em posição de fragilidade.
Nenhum presidente deveria fazer campanha em eleições alheias. Isso é óbvio e está na CF-88.
Além de torcer pra Trump, comprou, sem ressalvas, a narrativa de fraude eleitoral 👇🏼
E a cereja do bolo é a demora em reconhecer a vitória do democrata, ao passo que praticamente todos os países já o fizeram - inclusive aliados 🇭🇺🇮🇳🇮🇱
A diplomacia é feita de sinalizações. Os democratas sabem que terão um presidente hostil e terrivelmente trumpista por aqui 👇🏼