Apertem os cintos: o Jogo de Posição irá dominar novamente o debate esportivo com a chegada de Miguel Ángel Ramírez no Internacional.

Mas afinal, que raios é isso?

Antes de tudo: Jogo de Posição é uma filosofia. Um jeito diferente de ver futebol. Segue o fio pra entender! 👇
Conhecimento é algo vivo e em constante transformação.

Então é muito natural que o Jogo de Posição (vamos abreviar pra JdP) cause tantas confusões e enganos, como "o time fica estático", "os jogadores ficam robotizados" e outros discursos saudosistas e negacionistas.
O nome dessa filosofia não ajuda: a gente relaciona a posição ao campo.

Então se vemos dois laterais abertos esperando a bola, pronto: é Jogo de Posição! Isso aconteceu muito com o Bruno Henrique na passagem de Dome pelo Fla.
Só que a "posição" do JdP não é em campo: É A POSIÇÃO DA BOLA.

Tudo nessa filosofia gira em torno do elemento central do jogo: a bola. Onde ela está em campo, quem tem ela e também quem roubou ela do próprio time...

O JdP é uma ideia para controlar a bola, acima de tudo.
A sacada começa agora:

Quem tem a bola quer mais o que para jogar? Espaço. O ato de passar a bola ao companheiro nada mais é do que levar a bola de um espaço ao outro.

Então o JdP também é um jogo de controle de espaço. Uma coisa se interliga à outra.
Para praticar o JdP, o time precisa criar condições para que todo mundo troque passes, e por isso, o campo é picotado em três setores, como se fossem três círculos que parem a partir da posição da bola. São os "espaços de fase", como o exemplo aí abaixo.
Vamos supor que o Puyol tocou a bola para o Busquets. O que acontecem com esses espaços? Eles mudam de lugar.

Tem que traçar os círculos. Toda vez que a bola muda de lugar.

O JdP é, na verdade, um futebol de MOBILIDADE TOTAL porque a bola está sempre se movendo!
O objetivo do espaço de fase é servir como um guia para a tomada de decisão. Indica para o jogador se ele deve correr para frente ou recuar para perto do companheiro. Se ele tem que virar de costas para fazer o pivô ou se tem que virar o corpo e fazer o facão na área.
Veja bem: não é prisão, é guia!

O jogador decide sempre o que fazer. São 2.000 tomadas de decisões em campo. O JdP é uma forma de guiar e facilitar essas decisões, e além: colocá-las num SENSO COLETIVO para atingir o objetivo do jogo: VENCER.

JdP é, também, sobre vencer.
Existem três espaços de fase, definidos a partir de onde a bola está:

Espaço de intervenção: onde a bola está
Espaço de ajuda mútua: o espaço perto da bola
Espaço de cooperação: os espaços distantes da bola

O jogador primeiro identifica o espaço, depois se movimenta.
E como se movimenta? Existem alguns tipos:

Atrair: fazer um movimento para chamar um adversário
Fixar: chamar a atenção de dois marcadores e prendê-los a um setor
Arrastar: tirar um marcador do lugar dele e levar para outro campo
Homem livre: achar quem está desmarcado
Olha só que legal: depois do zagueiro tocar ao Messi, tanto o Dani como o Xavi se aproximam e viram o corpo no espaço de ajuda mútua.

Já o Iniesta e o Pedro se ocupam de FIXAR a linha de defesa adversária, assim como o lateral do outro lado, que permanece na posição.
Quando o Xavi fala que o jogador "tem que obedecer os espaços", quando o Henry naquele famoso vídeo fala que "o Guardiola pedia para permanecer na posição", eles estão falando da posição DO ESPAÇO DE FASE.

Não de um espaço estático em campo.

Por isso tanta gente confunde.
Tanto é que, depois da jogada, o Messi sai do centro e vem pro lado, o Dani recua, o Pedro abre...e o lateral se torna o HOMEM LIVRE que vai receber a bola.
Toda essa coisa de desenhar círculos em campo e os nomes complicados têm um objetivo muito claro: gerar superioridades no adversário. Gerar uma desorganização nele para meter a bola no lugar mais próximo do gol.
Não existe Jogo de Posição sem o adversário.

Futebol é um jogo de ação e reação, e a análise sempre depende do que o adversário faz. O Jogo de Posição é uma forma de diminuir o caos do jogo e ir levando o adversário para um caminho.
Existem vários tipos de vantagem, e a principal delas é a numérica: traça um quadrado e tem que ter mais jogadores que o adversário naquele setor, geralmente o ataque. Por isso a saída é pelo chão: é a partir dela que você atrai o rival para um canto e deixa o outro desprotegido.
Existem outros tipos de vantagem que não seja a numérica. Vantagem posicional, qualitativa, dinâmica, física e até a vantagem sócio-afetiva: quando dois jogadores se gostam, eles se posicionam para tocar a bola de primeira, bem curtinha, apenas pelo prazer de interagir.
Essas superioridades se dialogam entre si e precisam formar o que, para diversos estudiosos, é a chave do Jogo de Posição: a busca pelo homem livre. Sabe o jogador que tá longe da marcação? Que procurou o espaço vazio? Ele é o homem livre e deve SEMPRE receber a bola.
Vamos ao exemplo do próprio Del Valle.

O zagueiro tem a bola e enfrenta a marcação de dois do Corinthians. Dois contra dois é uma igualdade numérica: não é vantajoso. O que o time faz? Se movimenta. Lembra: Jogo de Posição é mobilidade total!
Mas se movimenta como? Nos espaços de fase. Tá faltando gente no espaço de ajuda mútua, então o goleiro dá dois passos pra frente e o camisa 5 vem entre os volantes.

Quem que está desmarcado aí nesse lance? É o camisa 5. É ele que recebe a bola.
Que que acontece quando ele recebe a bola? Os espaços de jogo mudam. Olha lá o lateral, o 17: ele passa a estar na zona de ajuda mútua e faz a mesma coisa que o 5 fez: se aproximou.

Mas qual é a superioridade que o Del Valle gerou no Corinthians aí?
Isso mesmo, nenhuma. Não tem homem livre. Não tem vantagem. Então o cinco toca para o zagueiro, que mesmo não sendo o homem livre, tem uma vantagem posicional - está com o pé forte virado para a bola e ajudará a manter a posse.
Pode não ter vantagem pra gente, mas na câmera aberta, o Del Valle tá se movimentando todo pra fixar, arrastar e atrair o Corinthians.

Aquele zagueiro lá já identificou o homem livre e passa rápido a bola pra ele.
Perceba que aqui, os dois pontas e o centroavante ficam FIXANDO a defesa do Corinthians para que o homem livre tenha espaço E tempo para jogar.

Isso se chama futebol coletivo e INTENCIONALIDADE, a intenção de fazer algo.

Isso aqui não é prisão ou tirar a liberdade.
Essa imagem aqui ajuda a entender a dificuldade imensa que nós, brasileiros, temos para entender o Jogo de Posição. Estamos acostumados a um futebol pensado a partir da individualidade, do talento, da iniciativa pessoal.

Por isso valorizamos tanto o drible.
Mas o JdP não tira drible ou liberdade. Ele apenas guia essas ações dentro de um propósito maior, que é o time. Então nesse lance aí, é mais vantajoso o ponta ficar aberto no espaço pra enganar o lateral do Corinthians do que se aproximar da bola.
O ponta recebe a bola e toca de volta. O homem livre foi identificado pelo Corinthians, que aciona a marcação de quatro jogadores na bola.

Lembra que JdP é mobilidade total?

Com a mudança dos espaços, quem está no "espaço de ajuda mútua" começa a se mexer pra gerar vantagens...
Um se aproxima da bola e gera uma vantagem AFETIVA, dois toques curtos para dar TEMPO do time se organizar. E temos um novo homem livre, que vai receber a bola e só não finaliza porque o zagueiro do Corinthians chega antes.
Entendeu como há uma INTENÇÃO em cada tipo de movimento em campo? Como cada jogador escolhe uma decisão para facilitar sempre a um bem maior, que é o time?

Pois o nascimento do Jogo de Posição veio dessa ideia de jogar um futebol coletivo, acima de tudo e de todos.
Conto essa história com mais detalhes aqui, desde os primórdios do futebol até chegar no Guardiola.
globoesporte.globo.com/blogs/painel-t…
Depois de ler tudo isso, por favor, me questione.

"Pô, o Tostão e o Pelé já ficavam se movimentando em 1970. Não tem novidade nenhuma aí..."

Então, o JdP não é uma "invenção", ele é uma sistematização de coisas que já aconteciam no jogo, mas não eram DESCRITAS cientificamente.
O que o Cruyff, com uma ajuda fundamental de Paco Seirulo, Van Gaal e sim, José Mourinho, o que essa galera fez foi OBSERVAR os fenômenos que aconteciam no jogo e colocar tudo num livro, dar nome a tudo e formar treinos para que outras gerações pudessem repetir.
A amplitude que a gente vê nos laterais de hoje já acontecia desde muito tempo. Mas não era algo sistematizado. O lateral abria porque a intuição dele dizia para tal. E o time todo jogava meio que de forma intuitiva, combinando as jogadas.

O Luxa chama isso de "negociar a bola".
O Jogo de Posição pega tudo isso e diz: "olha, você pode negociar, mas dentro dessas regras, assim o time vai criar tal espaço e vamos fazer o gol".

É uma racionalização máxima do futebol.

Com foco, sempre, em ter a bola e atacar.
Esse texto fala mais disso
globoesporte.globo.com/blogs/painel-t…
E tem também o Juanma Lillo, hoje auxiliar de Pep no City, que foi o cara que realmente colocou tudo em livro pro mundo inteiro seguir.
globoesporte.globo.com/blogs/painel-t…
Depois de tudo isso, é meio que lógico ver que Ramírez vai levar um tempo, ou melhor, um tempão pra colocar toda essa filosofia no Internacional.

Por isso ele, Domènec, Sampaoli e outros que praticam o JdP precisam de gestão. Respaldo. Permanência.

O Inter vai dar isso?
Não sabemos...

Mas agora você já sabe o que é o tal do Jogo de Posição, tim tim por tim tim. Seja bem-vindo a essa nova forma de ver o futebol, que não é melhor ou pior: é apenas diferente e acrescenta nesse apaixonante esporte.

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